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CARDIOLOGIA
Engenharia de corações
O cirurgião Adib Jatene aprendeu a mexer em motores para ajudar a salvar vidas -e criou a CPMF na tentativa de melhorar a saúde pública no país
Marisa Cauduro/Folha Imagem
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Adib Jatene
DA REPORTAGEM LOCAL
Prestes a completar 80 anos,
o cirurgião torácico Adib Jatene afirma que faz tudo o que recomenda aos pacientes: não fuma nem bebe, controla as taxas
de colesterol e triglicérides, caminha, faz musculação e mantém o mesmo peso há 30 anos.
Mais do que isso, procura
controlar o estresse. "Não dá
para evitá-lo. O que você pode é
reagir de forma equilibrada às
tensões. E não adianta se desesperar diante de uma encrenca.
Acho que elas são estímulo para a criatividade", afirma.
E foi assim, buscando soluções criativas para os problemas, que o médico construiu
dispositivos como o primeiro
coração-pulmão artificial do
Hospital das Clínicas da USP e
uma válvula cardíaca artificial.
A válvula, por exemplo, era
cara demais quando foi trazida
para o Brasil, por volta de 1963.
"Não podíamos comprá-la, então resolvi que ia fazer a válvula. Fui atrás de saber que liga
era, que metal era, como é que
fazia", conta. Com o coração-pulmão artificial também foi
assim. "As máquinas importadas estavam fora da nossa realidade. Já a que eu fiz podia ser
consertada em qualquer lugar."
O primeiro modelo, testado
em cães, ele criou quando
atuou em Uberaba (MG). Se
mais tarde ele passou a contar
com centros de bioengenharia
equipados, na época tudo foi
feito com a ajuda de Chiquinho
"Veludo", dono de uma retificadora de motores. "Acabei
aprendendo a tornear e a fazer
essas coisas de mecânica."
As invenções foram uma
oportunidade para Jatene
exercitar sua veia de engenheiro -até o terceiro ano científico, era isso que ele queria ser.
Mudou de planos porque
quis estudar saúde pública para
voltar ao Acre, onde nasceu.
"Eu tinha dois anos quando
meu pai morreu, e a ideia é que
ele tinha morrido por falta de
assistência. Não foi bem isso.
Mas eu queria voltar." Acredita-se que foi a febre amarela
que matou seu pai, um libanês
que vendia mercadorias a um
seringal em Xapuri (AC).
Na faculdade, Jatene se envolveu, "por acaso", no grupo
de cirurgias torácicas orientado por Euryclides Zerbini, pioneiro na área no Brasil, com
quem trabalhou por 11 anos.
"Aprendi tudo com ele. Era um
grande trabalhador. Dizia que,
se a pessoa é séria, competente,
nada resiste ao trabalho."
No InCor (Instituto do Coração da USP) e no Instituto Dante Pazzanese, Jatene foi pioneiro em uma série de cirurgias.
Fez, pela primeira vez no país, a
operação de ponte de safena,
assim como a de troca de válvula. E criou uma técnica batizada
com seu nome para correção de
uma cardiopatia congênita.
Quando aceitou, em 1979, o
convite para ser Secretário Estadual de Saúde do então governador de São Paulo Paulo
Maluf, deixou todo mundo surpreso. "Não esperavam que um
cirurgião cardíaco que atuava
fortemente na área fosse trabalhar na saúde pública."
Foi ainda ministro da Saúde
dos governos Collor e FHC.
"Fui atrás de recurso para a
saúde, porque saúde é prioridade no discurso, mas não é na
prática." Idealizador da CPMF,
o extinto imposto do cheque,
Jatene continua a defendê-lo.
"Nas discussões no Congresso,
eu sempre dizia: "A CPMF não é
meu clube nem meu partido. É
a alternativa que eu encontro.
Se tiverem alternativa melhor,
eu aceito". Mas ninguém tinha."
Ele calcula que já operou em
torno de 20 mil pacientes
-chegou a fazer cinco ou seis
cirurgias por dia. Mas, se alguém lhe diz que trabalha muito, ele nega. "Quem trabalhou
muito foi minha mãe. Ela era
sozinha e ficou sem nada quando meu pai morreu. Tinha 28
anos e quatro filhos para criar."
Com a voz embargada, Jatene conta que ela abriu uma loja
e costurava para ganhar a vida.
"Eu me emociono porque ela
era fantástica. Tinha mil problemas e nunca se queixava.
Quando fechou a loja, não tinha
nada. Mas tinha os filhos formados. Essa era a meta dela."
Além das atividades ligadas à
medicina, Jatene é presidente
do conselho deliberativo do
Masp e coleciona obras de arte.
Casado há 54 anos, tem quatro filhos e dez netos. Lê "o que
lhe cai na mão" e cuida de sua
fazenda no interior de São Paulo. E diz que, "enquanto sua
mão obedecer a cabeça e a cabeça pensar direito", não vai se
aposentar. "Enquanto eu der
conta eu vou em frente."
(FLÁVIA MANTOVANI)
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