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1990
Um mundial medíocre
Camarões dá graça a disputa sem brilho, vencida por uma Alemanha já sem muro e prestes a
ser reunificada
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Estou aqui para dar alegria
aos homens." A declaração do
atacante Roger Milla sintetiza a
maneira de jogar da seleção
africana de Camarões, sensação da Copa de 1990, na Itália.
Enquanto a França, terceira
colocada no Mundial anterior,
nem sequer se classificou para
a disputa, sua ex-colônia avançou até as quartas de final -foi
superada pela Inglaterra apenas na prorrogação. Nunca
uma seleção africana havia chegado tão longe na Copa.
Feito significativo de Camarões, que, como quase todos os
países da África negra, sofria
com a pobreza -o crescimento
econômico do país naquele ano
foi de apenas 0,6%- e com a
acentuada desigualdade social.
O antípoda do descontraído
futebol de Camarões era o Brasil, que marcou apenas quatro
gols e foi eliminado nas oitavas
de final. Foi o terceiro pior desempenho da seleção na história. Pior, só em 1934 e 1966.
O futebol refletia o momento
do país. A Constituição de 1988
começava a mostrar que tamanho não é qualidade. E, no ano
seguinte, a primeira eleição direta para presidente após o fim
da ditadura mostrou que democracia não é necessariamente sinônimo de acerto.
Na economia, havia grande
desequilíbrio nas contas públicas e a inflação atingiu 1764%.
No futebol, prevalecia o espírito monárquico. Ricardo Teixeira, genro do então presidente da Fifa, João Havelange, assumiu a CBF em 1989 e escolheu para a seleção um técnico
sem expressão, Sebastião Lazaroni. A preparação foi ruim. O
ambiente era conturbado.
Mas a vida não era mais fácil
para rivais tradicionais. A volta
da Argentina à democracia foi
marcada por duas insurreições
militares em 1988. A inflação
no país alcançou 3000% em
1989, com várias greves gerais e
enorme aumento da pobreza.
A seleção argentina, embora
tenha chegado à decisão, fez
apenas cinco gols na Copa.
A anfitriã Itália, por sua vez,
chegou ao Mundial sem ter resolvido suas fortes tensões políticas dos vinte anos anteriores, como instabilidade institucional, atentados e crescente
fosso entre norte e sul do país.
Tanto que o público de Nápoles, onde jogava Maradona,
preferiu apoiar a Argentina à
Itália na semifinal. Os anfitriões perderam nos pênaltis.
Olhada retrospectivamente,
a conquista da Alemanha não
causa surpresa. O entusiasmo
nacional era grande com a queda do Muro de Berlim, em 1989,
e com a expectativa da reunificação das Alemanhas ocidental
e oriental, em outubro de 1990.
Foi o que aconteceu também
em campo, com a Alemanha
batendo a Iugoslávia e a Tchecoslováquia. Mas o fim da
Guerra Fria e da Cortina de
Ferro não eram comemoradas
apenas pela população alemã.
Eis as palavras de um dirigente tcheco: "Após quarenta
anos, pela primeira vez acontecem eleições livres no nosso
país. E isso é bem mais importante que a Copa do Mundo".
(HILÁRIO FRANCO JÚNIOR)
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