São Paulo, domingo, 16 de maio de 2010

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1990

Um mundial medíocre

Camarões dá graça a disputa sem brilho, vencida por uma Alemanha já sem muro e prestes a ser reunificada

ESPECIAL PARA A FOLHA

"Estou aqui para dar alegria aos homens." A declaração do atacante Roger Milla sintetiza a maneira de jogar da seleção africana de Camarões, sensação da Copa de 1990, na Itália.
Enquanto a França, terceira colocada no Mundial anterior, nem sequer se classificou para a disputa, sua ex-colônia avançou até as quartas de final -foi superada pela Inglaterra apenas na prorrogação. Nunca uma seleção africana havia chegado tão longe na Copa.
Feito significativo de Camarões, que, como quase todos os países da África negra, sofria com a pobreza -o crescimento econômico do país naquele ano foi de apenas 0,6%- e com a acentuada desigualdade social.
O antípoda do descontraído futebol de Camarões era o Brasil, que marcou apenas quatro gols e foi eliminado nas oitavas de final. Foi o terceiro pior desempenho da seleção na história. Pior, só em 1934 e 1966.
O futebol refletia o momento do país. A Constituição de 1988 começava a mostrar que tamanho não é qualidade. E, no ano seguinte, a primeira eleição direta para presidente após o fim da ditadura mostrou que democracia não é necessariamente sinônimo de acerto.
Na economia, havia grande desequilíbrio nas contas públicas e a inflação atingiu 1764%.
No futebol, prevalecia o espírito monárquico. Ricardo Teixeira, genro do então presidente da Fifa, João Havelange, assumiu a CBF em 1989 e escolheu para a seleção um técnico sem expressão, Sebastião Lazaroni. A preparação foi ruim. O ambiente era conturbado.
Mas a vida não era mais fácil para rivais tradicionais. A volta da Argentina à democracia foi marcada por duas insurreições militares em 1988. A inflação no país alcançou 3000% em 1989, com várias greves gerais e enorme aumento da pobreza.
A seleção argentina, embora tenha chegado à decisão, fez apenas cinco gols na Copa.
A anfitriã Itália, por sua vez, chegou ao Mundial sem ter resolvido suas fortes tensões políticas dos vinte anos anteriores, como instabilidade institucional, atentados e crescente fosso entre norte e sul do país.
Tanto que o público de Nápoles, onde jogava Maradona, preferiu apoiar a Argentina à Itália na semifinal. Os anfitriões perderam nos pênaltis.
Olhada retrospectivamente, a conquista da Alemanha não causa surpresa. O entusiasmo nacional era grande com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e com a expectativa da reunificação das Alemanhas ocidental e oriental, em outubro de 1990.
Foi o que aconteceu também em campo, com a Alemanha batendo a Iugoslávia e a Tchecoslováquia. Mas o fim da Guerra Fria e da Cortina de Ferro não eram comemoradas apenas pela população alemã.
Eis as palavras de um dirigente tcheco: "Após quarenta anos, pela primeira vez acontecem eleições livres no nosso país. E isso é bem mais importante que a Copa do Mundo".
(HILÁRIO FRANCO JÚNIOR)

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