São Paulo, domingo, 16 de maio de 2010

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1994

A conquista da América

Em novo e atraente mercado, torneio volta a ter baixa qualidade técnica e vê final ser decidida só nos pênaltis

ESPECIAL PARA A FOLHA

A Copa dos EUA, em 1994, já sinalizava a globalização que iria se acentuar na edição de 2002, sediada na Coreia e no Japão, e no Mundial de 2010, marcado para a África do Sul.
Primeiro, rompia-se a alternância entre Europa e América Latina. E a escolha dos EUA também foi sintomática, por se tratar do país do beisebol, do basquete e do futebol americano. Mas, como primeira economia mundial, representavam um mercado extremamente atraente. Era preciso seduzi-lo.
Como o público americano, acostumado aos largos placares dos esportes nacionais, poderia achar o futebol pouco emocionante, a Fifa introduziu algumas mudanças nas regras para estimular o jogo ofensivo. Não queria repetir a baixa média de gols (2,2 por jogo) da Copa de 1990, a menor da história.
Porém a população local, de pequena cultura futebolística, não se mostrou sensível a tais sutilezas. Uma pesquisa de opinião realizada horas antes da abertura da Copa indicou que 56% dos americanos não pretendiam assistir às partidas.
Mas o fim da Guerra Fria, em 1989, fizera do país a única superpotência mundial. O otimismo nacional era muito grande e, como nos EUA todo evento é planejado para ser um espetáculo, o Mundial foi bem organizada, desenrolou-se em estádios imponentes e registrou o maior público da história.
A qualidade técnica, porém, não foi das maiores, embora a média de gols tenha subido para 2,71 tentos por jogo. A esperança depositada no futebol africano também não se concretizou, apesar da boa campanha da Nigéria, que avançou para as oitavas de final.
O drama africano não era, contudo, futebolístico. Em 1994, o maior exemplo da miséria material e moral da África era Ruanda. Entre abril e junho, a etnia hutu, apoiada pelo Exército, massacrou um milhão de pessoas de outras etnias, sobretudo da tutsi.
Partes do mundo dito "civilizado" não ia melhor. Em outubro de 1992, a democracia brasileira ainda celebrava a posse do vice-presidente Itamar Franco, após o impeachment de Collor, quando no dia seguinte ocorreu a chacina de presidiários no Carandiru.
Menos de dez meses depois aconteceu a chacina de meninos de rua na Candelária. Um mês mais tarde, a de ianomâmis em Roraima. Mais uns dias de intervalo, a de trabalhadores na favela do Vigário Geral.
A Itália, que decidiu com o Brasil a final da Copa, não estava em clima mais positivo. Desde 1992, a operação Mãos Limpas revelava a corrupção sistêmica que atingia todos os escalões do Estado. Eleito em março de 1994, o primeiro-ministro Berlusconi logo se viu envolvido em escândalos fiscais.
O encontro entre os dois países na final da Copa terminou, pela primeira vez na história, em empate sem gols. O Brasil só conquistou a taça após uma decisão por pênaltis de baixo aproveitamento (quatro dos nove chutes foram perdidos).
A imprensa internacional disse que o tetra brasileiro ocorreu com um futebol "contido, triste, chato" e distante de sua tradição. A razão não foi estritamente futebolística.
(HILÁRIO FRANCO JÚNIOR)


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