São Paulo, sábado, 16 de maio de 1998

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Estilo forjou o 'último romântico'

CARLOS CALADO
especial para a Folha

Com a morte de Frank Sinatra, apaga-se a imagem viva do último cantor romântico. Sinatra tornou-se símbolo de um modo sofisticado de interpretar canções. Um estilo que acabou se confundindo com a "persona" romântica que o cantor construiu nos discos, nos palcos e nas telas.
Aquele jeito elegante e "relax" de cantar, com a voz grave de barítono realçada por uma dicção cristalina, foi um veículo perfeito para o songbook da melhor música popular americana -de Cole Porter à dupla Jimmy Van Heusen & Sammy Cahn, dos irmãos Gershwin a Johnny Mercer.
Uma palavra-chave para se entender o carisma musical de Sinatra é autenticidade. Raros cantores foram capazes, como ele, de fazer com que as histórias daquelas canções -até as mais melancólicas ou mais açucaradas- soassem sempre verdadeiras. A relação de empatia de Sinatra com o ouvinte era direta e, aparentemente, confessional. Mesmo os fãs de bom senso tinham a impressão de que ele estava vivendo o caso narrado, naquele exato momento.
O fato de não saber ler partituras jamais foi um problema para ele, dono de um ouvido e uma sensibilidade musical privilegiados. Stephen Holden, crítico do "The New York Times", não exagerou muito ao afirmar que Sinatra é o virtual inventor do fraseado da canção popular moderna.
Essa habilidade de articular palavras e notas musicais com inteligência, elegância e um senso rítmico natural foi uma das qualidades de Sinatra que mais atraíram a atenção de músicos igualmente essenciais, como Miles Davis.
"Eu aprendi muito com o jeito que Frank e Nat King Cole fraseavam. Esses caras eram uns "filhos da mãe' no jeito de darem forma a uma linha, a uma frase ou a uma sentença musical com suas vozes", creditou o trompetista, em sua polêmica autobiografia.
Aliás, mesmo não sendo um grande improvisador vocal, muito menos um especialista no "scat singing" (o canto sem palavras), Sinatra tinha vários jazzistas entre seus admiradores. Alguns chegavam mesmo a considerá-lo como um cantor de jazz.
Billy May, um dos arranjadores mais íntimos do jazz entre os vários que escreveram para Sinatra, pensava assim. "Se você define um cantor de jazz como alguém capaz de tratar uma canção como um instrumentista faz, com um sentido de improvisação e fazendo-a um pouco diferente a cada vez, eu concordaria que Frank é um deles", afirmou, certa vez.
Por essas e outras, não deveria causar surpresa o fato de Sinatra dizer que, mesmo não se considerando propriamente um jazzista, sua maior influência vocal vinha de Billie Holiday -a grande cantora de jazz que definia seu estilo como a tentativa de reproduzir com a voz o que um Lester Young fazia com o saxofone.
Mais curioso é saber que esse mestre do jazz e do sax tenor era um assumido apreciador de Sinatra. Lester Young costumava dizer que a chave para um bom solo passava necessariamente por conhecer muito bem a letra da canção a ser improvisada. O segredo da coisa era transmitir a emoção daquela pequena estória. Algo que Sinatra, dublê de ator e cantor, sabia fazer como poucos.
Se fosse um pintor, Sinatra certamente seria descrito como um artista preocupado com cores e formas suaves. Seu procedimento artístico era oposto ao da grande maioria dos popstars de hoje, que preferem atirar os pincéis e as tintas para todos os lados.
A exemplo de outros grandes ídolos da música pop, Sinatra continuou a ser cultuado por diferentes gerações, mesmo após seu apogeu artístico, nos anos 40 e 50. Apoiado no sucesso de bobagens como "New York, New York" ou "My Way", foi se tornando uma sombra musical de si mesmo, mas não perdeu o carisma.
"Sinatra é o meu favorito. Ele é o maior cantor do mundo", dizia, em 1990, Harry Connick Jr. Na época, com 22 anos, o cantor e pianista já estava bem próximo de se tornar um superstar, ajudado pelo oportuno marketing da gravadora Columbia, que o vendia como o "novo Sinatra".
Mas não deixa de ser sintomático que, após dois ou três anos de sucesso como "Sinatra cover", o garotão de Nova Orleans tenha decidido mudar de atitude, à procura de identidade própria. Tentou virar cantor de funk, com direito a muitos trejeitos afetados, exibidos aqui mesmo no Brasil. É compreensível. Sinatra representa um mundo que deixou de existir bem antes de o romântico Sinatra ter saído definitivamente de cena.



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