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Estilo forjou o 'último romântico'
CARLOS CALADO
especial para a Folha
Com a morte de Frank Sinatra,
apaga-se a imagem viva do último
cantor romântico. Sinatra tornou-se símbolo de um modo sofisticado de interpretar canções.
Um estilo que acabou se confundindo com a "persona" romântica que o cantor construiu nos discos, nos palcos e nas telas.
Aquele jeito elegante e "relax"
de cantar, com a voz grave de barítono realçada por uma dicção
cristalina, foi um veículo perfeito
para o songbook da melhor música popular americana -de Cole
Porter à dupla Jimmy Van Heusen
& Sammy Cahn, dos irmãos
Gershwin a Johnny Mercer.
Uma palavra-chave para se entender o carisma musical de Sinatra é autenticidade. Raros cantores
foram capazes, como ele, de fazer
com que as histórias daquelas canções -até as mais melancólicas
ou mais açucaradas- soassem
sempre verdadeiras. A relação de
empatia de Sinatra com o ouvinte
era direta e, aparentemente, confessional. Mesmo os fãs de bom
senso tinham a impressão de que
ele estava vivendo o caso narrado,
naquele exato momento.
O fato de não saber ler partituras
jamais foi um problema para ele,
dono de um ouvido e uma sensibilidade musical privilegiados. Stephen Holden, crítico do "The
New York Times", não exagerou
muito ao afirmar que Sinatra é o
virtual inventor do fraseado da
canção popular moderna.
Essa habilidade de articular palavras e notas musicais com inteligência, elegância e um senso rítmico natural foi uma das qualidades de Sinatra que mais atraíram a
atenção de músicos igualmente
essenciais, como Miles Davis.
"Eu aprendi muito com o jeito
que Frank e Nat King Cole fraseavam. Esses caras eram uns "filhos
da mãe' no jeito de darem forma a
uma linha, a uma frase ou a uma
sentença musical com suas vozes", creditou o trompetista, em
sua polêmica autobiografia.
Aliás, mesmo não sendo um
grande improvisador vocal, muito
menos um especialista no "scat
singing" (o canto sem palavras),
Sinatra tinha vários jazzistas entre
seus admiradores. Alguns chegavam mesmo a considerá-lo como
um cantor de jazz.
Billy May, um dos arranjadores
mais íntimos do jazz entre os vários que escreveram para Sinatra,
pensava assim. "Se você define
um cantor de jazz como alguém
capaz de tratar uma canção como
um instrumentista faz, com um
sentido de improvisação e fazendo-a um pouco diferente a cada
vez, eu concordaria que Frank é
um deles", afirmou, certa vez.
Por essas e outras, não deveria
causar surpresa o fato de Sinatra
dizer que, mesmo não se considerando propriamente um jazzista,
sua maior influência vocal vinha
de Billie Holiday -a grande cantora de jazz que definia seu estilo
como a tentativa de reproduzir
com a voz o que um Lester Young
fazia com o saxofone.
Mais curioso é saber que esse
mestre do jazz e do sax tenor era
um assumido apreciador de Sinatra. Lester Young costumava dizer
que a chave para um bom solo
passava necessariamente por conhecer muito bem a letra da canção a ser improvisada. O segredo
da coisa era transmitir a emoção
daquela pequena estória. Algo que
Sinatra, dublê de ator e cantor, sabia fazer como poucos.
Se fosse um pintor, Sinatra certamente seria descrito como um
artista preocupado com cores e
formas suaves. Seu procedimento
artístico era oposto ao da grande
maioria dos popstars de hoje, que
preferem atirar os pincéis e as tintas para todos os lados.
A exemplo de outros grandes
ídolos da música pop, Sinatra
continuou a ser cultuado por diferentes gerações, mesmo após seu
apogeu artístico, nos anos 40 e 50.
Apoiado no sucesso de bobagens
como "New York, New York" ou
"My Way", foi se tornando uma
sombra musical de si mesmo, mas
não perdeu o carisma.
"Sinatra é o meu favorito. Ele é
o maior cantor do mundo", dizia,
em 1990, Harry Connick Jr. Na
época, com 22 anos, o cantor e
pianista já estava bem próximo de
se tornar um superstar, ajudado
pelo oportuno marketing da gravadora Columbia, que o vendia
como o "novo Sinatra".
Mas não deixa de ser sintomático que, após dois ou três anos de
sucesso como "Sinatra cover", o
garotão de Nova Orleans tenha
decidido mudar de atitude, à procura de identidade própria. Tentou virar cantor de funk, com direito a muitos trejeitos afetados,
exibidos aqui mesmo no Brasil. É
compreensível. Sinatra representa
um mundo que deixou de existir
bem antes de o romântico Sinatra
ter saído definitivamente de cena.
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