São Paulo, sábado, 16 de maio de 1998

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Um cara que fez tudo à sua maneira

DAVID DREW ZINGG
em São Paulo

Graças principalmente a Frank Sinatra, as pessoas hoje tendem a medir sua vida não em colheres de chá, mas em canções populares. É o meu caso, por exemplo. Eu estava lá, na primeira fileira do Paramount Theater, em Nova York, quando o garoto magrelo de Hoboken levou as adolescentes à loucura, cantando "I'll Never Smile Again".
Isso foi há décadas. Tá, tudo bem, sei que estamos nos anos 90, já querendo forçar a porta de entrada do novo milênio, mas, como diz outra canção, "o que o mundo precisa é de um novo Frank Sinatra, para eu poder levar você para a cama".
Mesmo os rock'n'rollers amam Frank Sinatra. Alguns anos atrás, Bono Vox, do U2, acertou na mosca quando disse: "Frank Sinatra tem o que todos nós queremos: autoconfiança e atitude. Ele é bom de atitude. Atitude bacana".
Basta pensar na vida de Frank Sinatra. Mesmo se apenas 20% das bobagens que os biógrafos tentam nos impingir forem verdade, o garoto de Hoboken, Nova Jersey, terá tido uma vida espantosa.
Houve aquele pequeno caso do sifilítico chefão mafioso Lucky Luciano e os US$ 2 milhões numa pasta. E aquele outro dos lençóis amarrotados e sujos de sangue de uma cabeça de cavalo, colocada na cama de um produtor de cinema que não gostava de cooperar.
Camas -isso mesmo, vamos falar em camas. Nancy, Ava, Lana, Marilyn, Lauren, Mia. Às vezes, a cama de Sinatra ficava um pouco cheia demais -por exemplo, quando Ava e Lana estavam nela ao mesmo tempo.
Mas o mais espantoso são as muitas instâncias em que os registros superam a vida. O verdadeiro drama está nas canções, não só na autoconfiança e atitude. Os "brotos" e os gângsteres registram o drama pessoal, mas os holofotes focalizam a "magical musical tour" descrita por Sinatra.
As informações básicas que você quer saber acerca do rapaz magrelo são simples, mesmo que se resumam a uma frase tirada da pior canção de sua vida: ele fez tudo à sua maneira. Sinatra sempre disse que sua primeira inspiração veio de Bing Crosby, que, no início dos anos 30, estava reinventando a expressão do canto popular.
Crosby foi pioneiro no uso do microfone elétrico, na época, uma novidade. Ele não precisava mais gritar suas canções, como Al Jolson, ou como Rudy Vallee, que usava um megafone de papelão. Sua voz só precisava chegar até o microfone, de modo que ele podia quase sussurrar. Foi essa a parte que Sinatra adotou.
Muito tempo atrás, no início de sua carreira, Sinatra disse a uma revista que também havia aprendido com o fraseado maravilhoso de Billie Holiday e o distanciamento gelado de Mabel Mercer. Mas a maioria dos críticos acha que Sinatra aprendeu suas lições mais importantes com o bandleader e trombonista Tommy Dorsey, que, em 1939, o roubou da banda de Harry James.
Dorsey transformou o cantor numa estrela de proporções tais que, dois anos depois, Frank Sinatra virou solista. Dizem que Dorsey foi ajudado em sua decisão de libertar Sinatra de seu contrato pela presença de uma arma da Máfia encostada em sua cabeça, mas Sinatra sempre negou essa história.
Como todos os grandes cantores, Frank Sinatra absorvia técnica como se fosse uma esponja. Aprendeu com o estilo Dorsey de tocar trombone a sustentar notas longas, muito longas.
Sua ambição era obsessiva. Quando cantava num salão de baile de beira de estrada de nome Frank Daly's Meadowbrook, um tio Dave adolescente costumava levá-lo de carro até uma piscina no norte de Nova Jersey, onde fortalecia sua capacidade pulmonar, nadando debaixo d'água.
Sua música não era fruto do acaso -era a concretização de uma visão. Para alguém que representa o apogeu do canto popular, Frank Sinatra, excetuando aquela primeira onda de tietes adolescentes, nunca foi um cantor pop.
O pop é essencialmente a última tendência, e Sinatra sempre foi contra qualquer coisa que seja a última tendência.
Uma história verídica: no início, um rapaz magrelo de 18 anos que abandonou o colegial antes de se formar comprou roupas novas e entrou num trio vocal conhecido como The Three Flashes.
Vestindo um terno da última moda da época, com colete, paletó comprido e calças de cintura alta (chamado "zoot suit"), Sinatra topa com dois policiais que desconfiam que tenha roubado a roupa e lhe perguntam onde a conseguiu.
Antecipando Snoop Doggy Dogg em meio século, Sinatra responde com uma pergunta rosnada: "What's that to you, copper?" (o que você tem com isso, tira?)
Os policiais mostram o que têm com isso, deixando o "crooner" com um par de costelas quebradas, várias contusões e uma conta de lavanderia nada desprezível.
Depois disso, Sinatra -compreensivelmente, diga-se de passagem- nunca mais se mostrou muito afeito a policiais ou a modismos de modo geral.
Numa época em que os cantores pop eram como o sujeito simpático que mora na casa ao lado, Sinatra se abria com o público e introduzia nos programas de rádio de grande audiência sutilezas emocionais como a repulsa por si mesmo.
Enquanto o herói militar combinado com presidente favorito dos Estados Unidos, Dwight "me chamem simplesmente de Ike" Eisenhower, se esforçava para promover os simpáticos, domésticos e aconchegantes valores familiares retrógrados dos anos 50, Sinatra refazia sua imagem, mostrando ser um solteiro convicto que direcionava seus holofotes hormonais àqueles "brotos" sempre dispostos a lhe oferecer amor.
Aos 50 anos de idade (um período da vida que a celebridade média passa tentando fazer de conta que ela ou ele ainda tem 28), Sinatra celebrava a velhice prematura, com canções de melancolia nostálgica: "(Quando eu tinha 17 anos) It Was a Very Good Year".
Sinatra sempre acreditou que o fato de não ser comercial lhe renderia muito dinheiro.
Muito tempo atrás, na década de 50, o dinheiro esperto era apostado num certo Mitch Miller, o chefão da Columbia Records -o homem que, sozinho, conseguiu produzir os piores discos da época. Miller desvalorizou a tal ponto a moeda da música popular "mainstream" da época que o rock'n'roll passou a ser uma alternativa bem-vista.
Foi Miller quem insistiu que Sinatra gravasse uma canção nova e atroz, ao lado de uma showgirl escandinava peituda. Por causa de seu contrato, ele foi forçado a fazer a música horrorosa, mas nunca perdoou Miller por isso.
Anos depois de abandonar a Columbia, Frank esbarrou em Miller em Las Vegas. Miller estendeu a mão para um aperto amigável. Sinatra rosnou: "Fuck you! Keep walking" (se manda).
A carreira inteira do cantor poderia ser subintitulada de "Fuck You! Keep Walking". Sinatra dominou o conceito do "standard" -a canção que perdura e que pode ser reinterpretada inúmeras vezes.
Sinatra também virtualmente inventou o álbum, abordando-o como uma obra-prima dramática, na qual ele e o ouvinte eram os atores principais. O homem canta standards e, mais importante, estabelece padrões.
Existe uma canção de Jule Styne do início dos anos 80. Não é uma canção para amantes perdidamente apaixonados, mas para adultos maduros e sazonados, para ser ouvida enquanto tomam café da manhã na cama, lendo o jornal de domingo.
A canção se chama "It's Sunday", e Frank Sinatra tentou gravá-la várias vezes. Ele a confiou a uma série de arranjadores, sem êxito.
"Acho que vocês não estão entendendo o principal", dizia. "É uma coisa tipo íntima", se queixava.
Finalmente, Sinatra e seu guitarrista favorito, Tony Mottola, entraram no estúdio para mostrar aos arranjadores como a coisa deveria ser feita.
É a única gravação de Sinatra com guitarra solo e é de tirar o fôlego, simplesmente.
Nunca foi lançada, mas eu já a ouvi. É maravilhosa, mas não foi maravilhosa o suficiente para Francis Albert e por isso ele não deixou o mundo ouvi-la.
Quando os americanos foram à Lua, levaram um gravador portátil para tocar algumas músicas especiais na hora da alunissagem.
Os astronautas de outra nação talvez escolhessem "Also Sprach Zarathustra" ou alguma coisa de "O Guarani", mas Buzz Aldrin sabia qual era o som do nosso século.
Assim, eles apertaram o botão e ouviram, é claro, "Fly to the Moon".


Tradução Clara Allain


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