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Um cara que fez tudo à sua maneira
DAVID DREW ZINGG
em São Paulo
Graças principalmente a Frank
Sinatra, as pessoas hoje tendem a
medir sua vida não em colheres de
chá, mas em canções populares. É
o meu caso, por exemplo. Eu estava lá, na primeira fileira do Paramount Theater, em Nova York,
quando o garoto magrelo de Hoboken levou as adolescentes à loucura, cantando "I'll Never Smile
Again".
Isso foi há décadas. Tá, tudo
bem, sei que estamos nos anos 90,
já querendo forçar a porta de entrada do novo milênio, mas, como
diz outra canção, "o que o mundo
precisa é de um novo Frank Sinatra, para eu poder levar você para
a cama".
Mesmo os rock'n'rollers amam
Frank Sinatra. Alguns anos atrás,
Bono Vox, do U2, acertou na mosca quando disse: "Frank Sinatra
tem o que todos nós queremos:
autoconfiança e atitude. Ele é bom
de atitude. Atitude bacana".
Basta pensar na vida de Frank Sinatra. Mesmo se apenas 20% das
bobagens que os biógrafos tentam
nos impingir forem verdade, o garoto de Hoboken, Nova Jersey, terá tido uma vida espantosa.
Houve aquele pequeno caso do
sifilítico chefão mafioso Lucky Luciano e os US$ 2 milhões numa
pasta. E aquele outro dos lençóis
amarrotados e sujos de sangue de
uma cabeça de cavalo, colocada na
cama de um produtor de cinema
que não gostava de cooperar.
Camas -isso mesmo, vamos falar em camas. Nancy, Ava, Lana,
Marilyn, Lauren, Mia. Às vezes, a
cama de Sinatra ficava um pouco
cheia demais -por exemplo,
quando Ava e Lana estavam nela
ao mesmo tempo.
Mas o mais espantoso são as
muitas instâncias em que os registros superam a vida. O verdadeiro
drama está nas canções, não só na
autoconfiança e atitude. Os "brotos" e os gângsteres registram o
drama pessoal, mas os holofotes
focalizam a "magical musical
tour" descrita por Sinatra.
As informações básicas que você
quer saber acerca do rapaz magrelo são simples, mesmo que se resumam a uma frase tirada da pior
canção de sua vida: ele fez tudo à
sua maneira. Sinatra sempre disse
que sua primeira inspiração veio
de Bing Crosby, que, no início dos
anos 30, estava reinventando a expressão do canto popular.
Crosby foi pioneiro no uso do
microfone elétrico, na época, uma
novidade. Ele não precisava mais
gritar suas canções, como Al Jolson, ou como Rudy Vallee, que
usava um megafone de papelão.
Sua voz só precisava chegar até o
microfone, de modo que ele podia
quase sussurrar. Foi essa a parte
que Sinatra adotou.
Muito tempo atrás, no início de
sua carreira, Sinatra disse a uma
revista que também havia aprendido com o fraseado maravilhoso
de Billie Holiday e o distanciamento gelado de Mabel Mercer.
Mas a maioria dos críticos acha
que Sinatra aprendeu suas lições
mais importantes com o bandleader e trombonista Tommy Dorsey, que, em 1939, o roubou da
banda de Harry James.
Dorsey transformou o cantor
numa estrela de proporções tais
que, dois anos depois, Frank Sinatra virou solista. Dizem que Dorsey foi ajudado em sua decisão de
libertar Sinatra de seu contrato pela presença de uma arma da Máfia
encostada em sua cabeça, mas Sinatra sempre negou essa história.
Como todos os grandes cantores, Frank Sinatra absorvia técnica
como se fosse uma esponja.
Aprendeu com o estilo Dorsey de
tocar trombone a sustentar notas
longas, muito longas.
Sua ambição era obsessiva.
Quando cantava num salão de baile de beira de estrada de nome
Frank Daly's Meadowbrook, um
tio Dave adolescente costumava
levá-lo de carro até uma piscina no
norte de Nova Jersey, onde fortalecia sua capacidade pulmonar,
nadando debaixo d'água.
Sua música não era fruto do acaso -era a concretização de uma
visão. Para alguém que representa
o apogeu do canto popular, Frank
Sinatra, excetuando aquela primeira onda de tietes adolescentes,
nunca foi um cantor pop.
O pop é essencialmente a última
tendência, e Sinatra sempre foi
contra qualquer coisa que seja a
última tendência.
Uma história verídica: no início,
um rapaz magrelo de 18 anos que
abandonou o colegial antes de se
formar comprou roupas novas e
entrou num trio vocal conhecido
como The Three Flashes.
Vestindo um terno da última
moda da época, com colete, paletó
comprido e calças de cintura alta
(chamado "zoot suit"), Sinatra
topa com dois policiais que desconfiam que tenha roubado a roupa e lhe perguntam onde a conseguiu.
Antecipando Snoop Doggy
Dogg em meio século, Sinatra responde com uma pergunta rosnada: "What's that to you, copper?"
(o que você tem com isso, tira?)
Os policiais mostram o que têm
com isso, deixando o "crooner"
com um par de costelas quebradas, várias contusões e uma conta
de lavanderia nada desprezível.
Depois disso, Sinatra -compreensivelmente, diga-se de passagem- nunca mais se mostrou
muito afeito a policiais ou a modismos de modo geral.
Numa época em que os cantores
pop eram como o sujeito simpático que mora na casa ao lado, Sinatra se abria com o público e introduzia nos programas de rádio de
grande audiência sutilezas emocionais como a repulsa por si mesmo.
Enquanto o herói militar combinado com presidente favorito dos
Estados Unidos, Dwight "me chamem simplesmente de Ike" Eisenhower, se esforçava para promover os simpáticos, domésticos e
aconchegantes valores familiares
retrógrados dos anos 50, Sinatra
refazia sua imagem, mostrando
ser um solteiro convicto que direcionava seus holofotes hormonais
àqueles "brotos" sempre dispostos a lhe oferecer amor.
Aos 50 anos de idade (um período da vida que a celebridade média passa tentando fazer de conta
que ela ou ele ainda tem 28), Sinatra celebrava a velhice prematura,
com canções de melancolia nostálgica: "(Quando eu tinha 17
anos) It Was a Very Good Year".
Sinatra sempre acreditou que o
fato de não ser comercial lhe renderia muito dinheiro.
Muito tempo atrás, na década de
50, o dinheiro esperto era apostado num certo Mitch Miller, o chefão da Columbia Records -o homem que, sozinho, conseguiu
produzir os piores discos da época. Miller desvalorizou a tal ponto
a moeda da música popular
"mainstream" da época que o
rock'n'roll passou a ser uma alternativa bem-vista.
Foi Miller quem insistiu que Sinatra gravasse uma canção nova e
atroz, ao lado de uma showgirl escandinava peituda. Por causa de
seu contrato, ele foi forçado a fazer a música horrorosa, mas nunca perdoou Miller por isso.
Anos depois de abandonar a Columbia, Frank esbarrou em Miller
em Las Vegas. Miller estendeu a
mão para um aperto amigável. Sinatra rosnou: "Fuck you! Keep
walking" (se manda).
A carreira inteira do cantor poderia ser subintitulada de "Fuck
You! Keep Walking". Sinatra dominou o conceito do "standard"
-a canção que perdura e que pode ser reinterpretada inúmeras vezes.
Sinatra também virtualmente
inventou o álbum, abordando-o
como uma obra-prima dramática,
na qual ele e o ouvinte eram os
atores principais. O homem canta
standards e, mais importante, estabelece padrões.
Existe uma canção de Jule Styne
do início dos anos 80. Não é uma
canção para amantes perdidamente apaixonados, mas para
adultos maduros e sazonados, para ser ouvida enquanto tomam café da manhã na cama, lendo o jornal de domingo.
A canção se chama "It's Sunday", e Frank Sinatra tentou gravá-la várias vezes. Ele a confiou a
uma série de arranjadores, sem
êxito.
"Acho que vocês não estão entendendo o principal", dizia. "É
uma coisa tipo íntima", se queixava.
Finalmente, Sinatra e seu guitarrista favorito, Tony Mottola, entraram no estúdio para mostrar
aos arranjadores como a coisa deveria ser feita.
É a única gravação de Sinatra
com guitarra solo e é de tirar o fôlego, simplesmente.
Nunca foi lançada, mas eu já a
ouvi. É maravilhosa, mas não foi
maravilhosa o suficiente para
Francis Albert e por isso ele não
deixou o mundo ouvi-la.
Quando os americanos foram à
Lua, levaram um gravador portátil
para tocar algumas músicas especiais na hora da alunissagem.
Os astronautas de outra nação
talvez escolhessem "Also Sprach
Zarathustra" ou alguma coisa de
"O Guarani", mas Buzz Aldrin
sabia qual era o som do nosso século.
Assim, eles apertaram o botão e
ouviram, é claro, "Fly to the
Moon".
Tradução
Clara Allain
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