São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2001

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Anistia teme xenofobia generalizada após ataques

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

As possíveis reações de intolerância após o ataque terrorista nos Estados Unidos podem atingir não apenas pessoas de origem árabe e muçulmanos.
"É uma crise internacional que pode criar sentimentos de xenofobia e intolerância contra todos que não sejam europeus ou americanos", afirma o italiano Claudio Cordone, diretor de pesquisas da Anistia Internacional, entidade com sede em Londres que monitora o desrespeito aos direitos humanos desde 1961.
Na quinta-feira passada, a entidade divulgou nota em que se diz preocupada com a possibilidade de que retaliações ao ataque terrorista desrespeitem os direitos de vítimas inocentes.
Cordone falou à Folha, por telefone, do escritório da Anistia em Londres. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - Qual a principal preocupação da Anistia?
Claudio Cordone -
Primeiro, é preciso dizer que o que aconteceu nos EUA foi um imenso e catastrófico desrespeito aos direitos humanos. Feita essa ressalva, estamos preocupados com retaliações contra muçulmanos e pessoas de origem árabe. Estamos apelando a todos, incluindo governos, para ter certeza de que pessoas inocentes estarão protegidas contra a violência. Novas formas de discriminação podem surgir como resultado das emoções causadas pelo ataque.
Já começamos a receber relatos de violência contra esses grupos, que são associados pela opinião pública aos que, provavelmente, atacaram os Estados Unidos.

Folha - Quais relatos?
Cordone -
Eles ainda são muito recentes, mas nosso escritório na Austrália nos relatou insinuações de que refugiados do Afeganistão que estavam num barco a caminho da Nova Zelândia teriam ligações com Osama bin Laden. É um absurdo fazer essas afirmações sem dar chance às pessoas de falar sobre sua própria situação. Soubemos de um caso de um indiano preso em um aeroporto nos EUA porque usava um turbante e foi confundido com um árabe. É triste ver pessoas agindo de forma preconceituosa e ignorante.

Folha - Há uma grande pressão da opinião pública dos EUA exigindo reações fortes do governo. Os srs. apoiariam ações militares?
Cordone -
A Anistia não comenta se ações militares são justificáveis ou não, mas insistimos que, se alguém cogita agir dessa maneira, deve garantir o respeito às leis militares, para termos certeza de que civis não serão atacados.
Queremos que os norte-americanos sintam o luto por suas vítimas sem vitimar outros inocentes. Ainda não sabemos quem fez esses ataques. É muito perigoso atribuir culpas coletivas a comunidades, países, religiões. Quando isso acontece, todos podem ser vítimas. Nosso apelo é para que não revidem contra os que não têm nada ver com esse ataque.

Folha - A intolerância será restrita a árabes e muçulmanos?
Cordone -
Qualquer um pode ser alvo. Essa é uma crise internacional, e as reações podem afetar todo mundo de várias formas. Pode crescer o sentimento de xenofobia ou intolerância contra todos que não sejam norte-americanos ou europeus, não importando se vêm de Belize ou do Brasil.

Folha - De que forma os srs. pretendem conscientizar o governo e a opinião pública norte-americana?
Cordone -
Desejamos que os Estados Unidos estejam sempre à frente da defesa dos direitos humanos. Os EUA têm uma influencia muito grande no mundo e podem ter impacto sobre a política de direitos humanos de outros países. Queremos que o país cumpra seu papel, apesar dos ataques.
Também é importante ver a dimensão humana desse desastre e refletir sobre outras crises em todo o mundo, onde inúmeras pessoas estão morrendo, mas não recebem atenção porque não vemos o aspecto humano disso. Esperamos que o sofrimento da destruição nos EUA encoraje as pessoas a pensar sobre outras crises, que não são vistas na TV nem as afetam diretamente.




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