São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2001

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ANÁLISE

Queira ou não, Brasil entrará na guerra

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Brasil vai entrar na guerra, querendo ou não. Não necessariamente com tropas, pois não é um país bélico, mas pagando duplamente o preço: perdendo investimentos externos e sofrendo os efeitos da recessão, mas ao mesmo tempo sendo obrigado a investir em segurança.
A avaliação é de diplomatas brasileiros ouvidos pela Folha, ratificando a advertência do chanceler Celso Lafer de que "o mundo mudou" após os atentados nos EUA. O funcionamento do sistema internacional e o eixo diplomático não são mais os mesmos.
Como disse ele em reunião de FHC com o comando do Congresso para discutir os efeitos dos atentados, a agenda do Itamaraty dá uma guinada radical: em vez de negociações comerciais e implantação da Alca, a prioridade passa a ser segurança. Os EUA estão criando um mundo dividido entre "amigos e inimigos".
De um lado, o Brasil já convivia com fortes ajustes orçamentários. Aprofunda-se agora uma tendência sincronizada de recessão econômica. O crédito tende a sumir, e a insegurança econômica, a aumentar dramaticamente.
De outro, os EUA conclamam os "amigos" a participar do seu esforço para combater o terrorismo. A expressão "amigos" foi usada por Bush num dos primeiros discursos depois dos atentados e repetida depois em nota oficial da embaixada americana em Brasília. Não por acaso.
Na leitura do Itamaraty, esse esforço significa uma concentração de recursos extraordinários no combate ao crime organizado, à lavagem de dinheiro, ao contrabando e ao tráfico de drogas, que os norte-americanos identificam diretamente com o terrorismo.
A globalização tem até agora parâmetros macroeconômicos, como inflação, déficit público, crescimento. Tem ainda regras de segurança internacionais prática e ironicamente restritas ao controle de vôos e espaço aéreo e à fiscalização de passageiros.
A tendência é o estabelecimento de novos padrões e regras de fronteiras, de vigilância. Algo que um diplomata traduziu como os EUA "exportando" suas regras de combate ao terrorismo.
Isso envolve pesados recursos financeiros, materiais e humanos, mas pode ser uma contrapartida de países como o Brasil para escapar de mandar tropas, mesmo que simbolicamente, em caso de deflagração de guerra.
Por enquanto, os EUA cobram um engajamento político, mas depois vão querer mais, que o Brasil "mostre serviço", disse um diplomata.
Além disso, há questões pontuais que devem afetar o país: o petróleo, por exemplo. Apesar da cautela americana em apontar países ou grupos como responsáveis pela tragédia, os holofotes se voltam ao Oriente Médio.
Nos últimos anos, o Brasil valorizou o fornecimento da Argentina e da Venezuela, mas não escapará de uma alta do preço, caso a retaliação recaia sobre os árabes.
Há, ainda, a questão do câmbio, a freada no turismo, o novo impacto sobre as companhias aéreas e a incerteza das Bolsas, que reabrem amanhã com papéis americanos, numa espécie de teste.
Ainda na avaliação da diplomacia brasileira, os atentados deixaram os EUA frágeis e expostos nos primeiros dias, mas vão servir como instrumentos para ratificar sua hegemonia. Mais do que nunca, eles dão as cartas.


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