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HEGEMONIA
Ataques terroristas acentuam as contradições da política externa dos EUA, mas analistas não acreditam em mudanças de rumo
Crise de liderança foi agravada por Bush
CLAUDIA ANTUNES
EM SÃO PAULO
O italiano Giovanni Arrighi, professor da
Universidade Johns
Hopkins e um dos
historiadores mais respeitados da
atualidade, afirma que os Estados
Unidos são uma superpotência
em decadência. Delírio? Não, não
é para amanhã, diz Arrighi, que
trabalha com o "tempo longo" da
história e analisa, em seus livros,
as transições de poder hegemônico desde o início do capitalismo.
Na opinião do historiador, os
EUA estão perdendo a hegemonia, embora detenham a supremacia, porque não têm mais capacidade de liderança baseada no
convencimento: "As promessas
de industrialização e desenvolvimento dentro do modelo proposto pelos EUA ao mundo não foram cumpridas. Nos últimos tempos, seu poder de convencimento
se baseava na bolha especulativa,
que chega ao fim".
Concorde-se ou não com a tese
de Arrighi, o desencanto de que
ele fala existe, fruto de expectativas não-concretizadas nestes
anos em que a força dos EUA se
tornou ímpar.
A "nova ordem" preconizada
por Bush pai, baseada em ideais
compartilhados de democracia,
cooperação e livre mercado, não
funcionou como nos discursos.
Em lugar de um novo patamar de
desenvolvimento, distribuído entre todos que a ela aderissem, chegou-se a um mundo mais fragmentado por conflitos localizados
e contrastes entre países.
Se Bill Clinton, em seus oito
anos de governo, deu nuances
multilateralistas à política bruta
de superpotência única, George
W. Bush chegou com um discurso duro e cru. Ele reafirmou a singularidade da posição dos EUA
com medidas que os analistas têm
listado nestes dias de choque:
"Na administração Bush, o unilateralismo tornou-se o modo de
operação característico dos Estados Unidos: abandono do Protocolo de Kyoto; rejeição do acordo
de verificação do tratado de proibição das armas biológicas; recusa de entrar nas negociações sobre o tráfico de armas de pequeno
calibre; intenção proclamada de
abandonar o tratado de mísseis
antibalísticos, para ficar numa lista incompleta", escreveu, no jornal francês "Le Monde", François
Heisbourg, diretor da Fundação
para a Pesquisa Estratégica.
Agora, a pergunta que fazem os
especialistas é se a sensação de
vulnerabilidade inédita criada pelos terroristas vai levar à reafirmação ou à revisão dessa política.
Predomina o pessimismo.
"O espaço para sutilezas e nuances vai desaparecer. Neste momento, você tem um mundo hobbesiano, da lógica amigo/inimigo", disse à Folha o ministro das
Relações Exteriores, Celso Lafer.
Phyllis Bennis, especialista em
Oriente Médio do Institute for Policy Studies, de Washington, completa: "Gostaria que o governo e o
público americanos usassem essa
tragédia para examinar o que leva
tanta gente a ver os símbolos da
América como inimigos. Fundamental seria mudar a posição de
arrogância, a presunção de que
temos o direito de tomar decisões
pelo resto do mundo. Mas temo
que não seja essa a resposta".
Samuel Feldberg, do Grupo de
Análise de Conjuntura Internacional da USP, mostra que a distância entre as saídas propostas
para a crise de liderança americana dá uma idéia do tamanho do
dilema:
"De um lado, alguns propõem
um papel mais ativo na resolução
de conflitos, o que pode provocar
mais antagonismo. De outro, isolacionistas defendem que o país se
retire de questões importantes,
como a do Oriente Médio, e só intervenham onde seus interesses
vitais sejam atingidos".
Para Feldberg, uma "análise
realista" indica que o multilateralismo é hoje impraticável, "porque as instituições internacionais
não funcionam", pelo bloqueio
das nações menores e o poder de
veto das maiores. "É uma disputa
de todos contra todos, onde quem
vence é o mais forte."
Feldberg -no que concorda
Phyllis Bennis- acha que não é
por acaso que, desde o início, as
investigações sobre os atentados
tenham apontado para o Afeganistão e Osama bin Laden. "Se
descobrissem que por trás está
um país aliado, isso seria abafado.
Os EUA não poderiam se dar ao
luxo de atacar a Arábia Saudita."
Nesse clima, as perspectivas
brasileiras não são otimistas. O
chanceler Celso Lafer acredita que
"a agenda de segurança passou a
ter relevância única", quando o
Brasil dá prioridade à agenda econômica, ambiental e de direitos
humanos. "A inserção da questão
da segurança na agenda global
significa menores oportunidades
para lidar com nossos temas".
Mas Lafer acha que a dicotomia
amigo/inimigo não se aplica ao
comércio e que o Brasil não terá
que abandonar a política de diversificação que o levou a estreitar
relações com países como o Irã.
Eventualidade que seria a morte, diz o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ex-diretor do
Instituto de Pesquisas de Relações
Internacionais do Itamaraty, referindo-se ao lema de "exportar ou
morrer", lançado pelo presidente
Fernando Henrique: "A expansão
das relações comerciais é fundamental para evitarmos uma crise
maior do que a que existe".
(Colaborou Clóvis Rossi)
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