São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2001

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HEGEMONIA

Ataques terroristas acentuam as contradições da política externa dos EUA, mas analistas não acreditam em mudanças de rumo

Crise de liderança foi agravada por Bush

CLAUDIA ANTUNES
EM SÃO PAULO

O italiano Giovanni Arrighi, professor da Universidade Johns Hopkins e um dos historiadores mais respeitados da atualidade, afirma que os Estados Unidos são uma superpotência em decadência. Delírio? Não, não é para amanhã, diz Arrighi, que trabalha com o "tempo longo" da história e analisa, em seus livros, as transições de poder hegemônico desde o início do capitalismo.
Na opinião do historiador, os EUA estão perdendo a hegemonia, embora detenham a supremacia, porque não têm mais capacidade de liderança baseada no convencimento: "As promessas de industrialização e desenvolvimento dentro do modelo proposto pelos EUA ao mundo não foram cumpridas. Nos últimos tempos, seu poder de convencimento se baseava na bolha especulativa, que chega ao fim".
Concorde-se ou não com a tese de Arrighi, o desencanto de que ele fala existe, fruto de expectativas não-concretizadas nestes anos em que a força dos EUA se tornou ímpar.
A "nova ordem" preconizada por Bush pai, baseada em ideais compartilhados de democracia, cooperação e livre mercado, não funcionou como nos discursos. Em lugar de um novo patamar de desenvolvimento, distribuído entre todos que a ela aderissem, chegou-se a um mundo mais fragmentado por conflitos localizados e contrastes entre países.
Se Bill Clinton, em seus oito anos de governo, deu nuances multilateralistas à política bruta de superpotência única, George W. Bush chegou com um discurso duro e cru. Ele reafirmou a singularidade da posição dos EUA com medidas que os analistas têm listado nestes dias de choque:
"Na administração Bush, o unilateralismo tornou-se o modo de operação característico dos Estados Unidos: abandono do Protocolo de Kyoto; rejeição do acordo de verificação do tratado de proibição das armas biológicas; recusa de entrar nas negociações sobre o tráfico de armas de pequeno calibre; intenção proclamada de abandonar o tratado de mísseis antibalísticos, para ficar numa lista incompleta", escreveu, no jornal francês "Le Monde", François Heisbourg, diretor da Fundação para a Pesquisa Estratégica.
Agora, a pergunta que fazem os especialistas é se a sensação de vulnerabilidade inédita criada pelos terroristas vai levar à reafirmação ou à revisão dessa política. Predomina o pessimismo.
"O espaço para sutilezas e nuances vai desaparecer. Neste momento, você tem um mundo hobbesiano, da lógica amigo/inimigo", disse à Folha o ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer.
Phyllis Bennis, especialista em Oriente Médio do Institute for Policy Studies, de Washington, completa: "Gostaria que o governo e o público americanos usassem essa tragédia para examinar o que leva tanta gente a ver os símbolos da América como inimigos. Fundamental seria mudar a posição de arrogância, a presunção de que temos o direito de tomar decisões pelo resto do mundo. Mas temo que não seja essa a resposta".
Samuel Feldberg, do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP, mostra que a distância entre as saídas propostas para a crise de liderança americana dá uma idéia do tamanho do dilema:
"De um lado, alguns propõem um papel mais ativo na resolução de conflitos, o que pode provocar mais antagonismo. De outro, isolacionistas defendem que o país se retire de questões importantes, como a do Oriente Médio, e só intervenham onde seus interesses vitais sejam atingidos".
Para Feldberg, uma "análise realista" indica que o multilateralismo é hoje impraticável, "porque as instituições internacionais não funcionam", pelo bloqueio das nações menores e o poder de veto das maiores. "É uma disputa de todos contra todos, onde quem vence é o mais forte."
Feldberg -no que concorda Phyllis Bennis- acha que não é por acaso que, desde o início, as investigações sobre os atentados tenham apontado para o Afeganistão e Osama bin Laden. "Se descobrissem que por trás está um país aliado, isso seria abafado. Os EUA não poderiam se dar ao luxo de atacar a Arábia Saudita."
Nesse clima, as perspectivas brasileiras não são otimistas. O chanceler Celso Lafer acredita que "a agenda de segurança passou a ter relevância única", quando o Brasil dá prioridade à agenda econômica, ambiental e de direitos humanos. "A inserção da questão da segurança na agenda global significa menores oportunidades para lidar com nossos temas".
Mas Lafer acha que a dicotomia amigo/inimigo não se aplica ao comércio e que o Brasil não terá que abandonar a política de diversificação que o levou a estreitar relações com países como o Irã.
Eventualidade que seria a morte, diz o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ex-diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais do Itamaraty, referindo-se ao lema de "exportar ou morrer", lançado pelo presidente Fernando Henrique: "A expansão das relações comerciais é fundamental para evitarmos uma crise maior do que a que existe".


(Colaborou Clóvis Rossi)


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