São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2001

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ESPÍRITO DE SEATTLE

Atentados terroristas nos EUA podem inviabilizar os protestos contra a ordem capitalista

Ativistas crêem que repressão vai aumentar

RICARDO GRINBAUM
DA REPORTAGEM LOCAL

Os ativistas antiglobalização, que combatem o capitalismo dentro do próprio capitalismo, foram diretamente atingidos pelos atentados ao World Trade Center e ao Pentágono.
Desde que apareceram na imprensa mundial, num surpreendente e eletrizante protesto em Seattle, em dezembro de 1999, os militantes atacaram com pedras, paus e palavras de ordem todos os grandes símbolos capitalistas e norte-americanos.
Em protestos que se espalharam por todos os continentes nos últimos dois anos, os ativistas destruíram lanchonetes do McDonald's e lojas da Gap, atacaram filiais do Citibank, protestaram contra o que julgam ser bases do poderio econômico americano, o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial.
Nem por isso, os ativistas antiglobalização comemoraram os atentados. Pelo contrário. Eles temem que os ataques aos símbolos do poder econômico e militar do capitalismo americano possam inviabilizar o que descrevem como resistência pacífica ao regime.
"Estou completamente inseguro em relação ao futuro do nosso movimento", disse à Folha, o americano Soren Ambrose, da organização 50 Years is Enough, que combate o FMI e o Banco Mundial. "Não há dúvida que o movimento perdeu a força que vinha ganhando desde Seattle."

Imperialismo
Quem vai ouvir discursos contra o imperialismo e a favor do cancelamento da dívida dos países pobres num momento em que as pessoas cerram fileiras em torno do presidente conservador George W. Bush, compram bandeiras e apóiam, segundo pesquisas, uma guerra de retaliação?
"Há um clima de histeria parecido com o da época da Guerra do Golfo. Acho difícil que alguém queira ouvir nossa mensagem", diz Normam Solomom, diretor do Institute for Public Accuracy, organização dedicada à análise dos meios de comunicação.
A mensagem dos ativistas é, em geral, revolucionária, antiimperialista e pacifista. Eles dizem que os EUA exercem, de maneira arbitrária e injusta, um poder imperial sobre o resto do mundo.
Os EUA, dizem eles, impõem sua cultura por meio dos filmes de Hollywood, dos parques de Disney, dos softwares da Microsoft. Redefinem estilos de vida, com suas lanchonetes e lojas de roupas padronizadas, como o McDonald's, a Starbucks e a Gap.
Instalam o modelo econômico de seu interesse por meio do FMI e do Banco Mundial. Quando tudo isso não é suficiente, usam a força que têm, como maior potência militar do planeta, para garantir seus interesses.
"Os EUA merecem ser atacados? É óbvio que não. Esse argumento é horrível e perigoso. Mas existe outra questão: a política externa americana criou as condições para que essa lógica torta tivesse condições de florescer?", pergunta a canadense Naomi Klein, autora do livro "No Logo", referência entre os ativistas.

Mais repressão
Mas, mesmo protestando contra a "lógica torta" dos atentados terroristas, os ativistas acham que serão alvo de maior repressão policial daqui para a frente.
Formado por uma costura meio frouxa de grupos de direitos humanos, ambientalistas, feministas, socialistas, comunistas, anarquistas, sindicatos e organizações anticapitalistas, o movimento teme ser enquadrado como ameaça à segurança pública.
"Mesmo o "black block" (anarquistas radicais), não defende a violência", diz Pablo Ortellado, um dos organizadores dos protestos no Brasil. "Mas, num momento como esse, os países aprovam leis que fortalecem o poder dos órgãos de segurança e limitam a liberdade de manifestação."
Em dois anos de protestos, os ativistas colecionam histórias de confrontos com a polícia, depredação de ruas e de lojas. Milhares de pessoas foram presas, centenas ficaram feridas e um manifestante foi morto pela polícia, em Gênova, em julho. Os ativistas atribuem a violência à ação de minorias radicais e à repressão policial.
"Repudiamos a violência e o terrorismo. Além do mais, quem vai se beneficiar da radicalização e das restrições à democracia é o governo americano", diz Maria Luisa Mendonça, organizadora do Fórum Social Mundial.


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