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OPINIÃO
Segurança armada e autodefesa: estado de barbárie
DALMO DE ABREU DALLARI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Numa sociedade civilizada, constituída com base em fundamentos
jurídicos, a segurança das pessoas e
do patrimônio é função essencial do
Estado. É fato que, por mais bem
aparelhado que esteja para o cumprimento dessa tarefa, o Estado não
poderá impedir, de modo absoluto,
que crimes sejam cometidos, devendo-se ressaltar, por ser também um
fato comprovado, que onde o comércio de armas é absolutamente livre, dando aos cidadãos toda a possibilidade de autodefesa, o número
de crimes contra a pessoa e o patrimônio é muito alto. Isso é o que se
verifica nos EUA, onde é elevadíssimo o nível de violência armada e, no
entanto, o comércio de armas é feito
com a mais ampla liberdade.
O dado essencial, do ponto de vista jurídico, é que, quando a humanidade avançou no processo civilizatório e passou a se organizar e a se
governar segundo o direito, foi superado o estado de "guerra de todos
contra todos", instalando-se a sociedade civil. Regida pelo direito, a sociedade civilizada proporciona a
possibilidade de convivência pacífica e oferece meios para que os conflitos de direitos e interesses sejam
resolvidos sem violência, respeitando a integridade da pessoa humana
e segundo regras jurídicas democraticamente estabelecidas. Isso, evidentemente, não é possível quando
prevalece a força das armas e se dá a
qualquer indivíduo a possibilidade
de, em nome do direito, praticar
violências, agredindo e matando
pessoas. É o Estado quem tem a função e o dever de prevenir ações ilegais e punir os transgressores, com a
máxima eficiência.
O projeto de lei regulando o comércio de armas, ora submetido à
aprovação popular, não impede esse comércio, mas fixa regras que são
absolutamente razoáveis e que, sem
dúvida, irão proporcionar mais segurança para todo o povo. Na realidade, como tem sido fartamente
comprovado, quanto maior o número de armas em circulação, mais
elevado é o número de violências
contra a pessoa. A crônica policial
registra que, quando um assaltante
penetra numa casa, procura dinheiro, jóias e armas, sendo muito elevado o número de bandidos que utilizam armas roubadas. Uma equipe
composta por técnicos ligados a organizações policiais e especialistas
do Instituto de Estudos Superiores
de Religião (Iser) procedeu à análise
dos registros de apreensão de armas
no Rio e apurou que, de 86.849 armas apreendidas pela polícia, de
1999 até este ano, 72% provinham
de aquisições legais e só 28% tinham
origem no contrabando. As vítimas
armadas são bons fornecedores de
armas para os bandidos.
Somando-se a esse dado o número elevado de ferimentos e assassinatos praticados por não profissionais do crime, na seqüência de uma
discussão ou de um incidente no
trânsito, assim como os casos de acidentes com armas envolvendo
crianças e adultos, em seus lares, a
conclusão é que a livre circulação
de armas é um relevante fator de
aumento da violência contra a pessoa. Por tudo isso, deve-se dizer
"sim" ao projeto de lei aprovado
pelo Congresso Nacional, "sim" ao
controle das armas -que são instrumentos de morte e semeadoras
de tragédias- e "sim" à paz -da
qual estará muito distanciado
quem depende de sua própria arma para viver em paz.
Dalmo de Abreu Dallari, 73, advogado,
professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, é membro da Comissão Internacional de Juristas e coordenador da Cátedra Unesco/USP de Educação para os Direitos Humanos
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