São Paulo, sábado, 19 de fevereiro de 2011

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Para ombudsmans, jornal enfrenta crise de identidade

OS DEZ JORNALISTAS INCUMBIDOS DE REPRESENTAR OS LEITORES NOS ÚLTIMOS 22 ANOS APONTAM AS PRINCIPAIS DEFICIÊNCIAS DA FOLHA

FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO

Na avaliação dos dez ombudsmans, jornalistas que nos últimos 22 anos intermediaram as críticas diárias e os elogios do leitor, a Folha vive aos 90 anos uma crise de identidade, causada pelo impacto da internet sobre os veículos impressos.
Acostumados, na função, a fazer uma análise rigorosa dos jornais, eles foram convidados a opinar, como leitores, sobre o que mudou na Folha.
"Desafiado pelo mundo on-line, o jornal parece confuso em suas apostas", diz Junia Nogueira de Sá, 50. "O jornal que foi sensível nos episódios das 'Diretas-Já' e do 'Fora Collor' não seduz os novos em idade e novos no mercado consumidor", avalia Junia. São leitores que buscam informação na internet, "não nos jornais, nem na Folha", afirma.
Hoje consultora de comunicação corporativa, Junia diz que a versão impressa "não vai às causas e fica nas consequências": "Compete com o noticiário on-line por manchetes que, no papel, sempre parecem amanhecidas". "Enfim, um jornal que, hoje, dá para não ler", ironiza, numa referência à campanha publicitária do jornal.
Renata Lo Prete, 47, editora do "Painel" político, diz que "o ambiente noticioso tornou-se hipercompetitivo": "A oferta de informações é muito maior, e a demanda, mais fragmentada. A disponibilidade de tempo do leitor encolheu. O jornal tem hoje mais dificuldade em se diferenciar e, portanto, em se mostrar indispensável".
Mário Magalhães, 46, entende que o jornal impresso não deve "rebaixar os padrões consagrados do jornalismo de qualidade, buscando mimetizar mídias com linguagens, atrativos e exigências diferentes".
Dedicado a escrever a biografia de Carlos Marighella, Magalhães acredita que jornais como a Folha não devem "abandonar seus trunfos históricos, como reportagens de fôlego", nem "sufocar as narrativas em espaços cada vez mais reduzidos".
"Para quem se contenta com o mosaico, a internet oferece serviço melhor que o jornal impresso", diz Marcelo Leite, 53, hoje repórter especial da Folha. "O espaço diminuto desestimula o repórter a investir em pesquisa e apuração", observa Leite. "A narrativa, que nunca foi o forte da Folha, se encontra em extinção, segregada ao caderno Ilustríssima ou prerrogativa de umas poucas grifes."

'INFANTIL'
Caio Túlio Costa, 56, diz que a Folha "tem dificuldade de sair do factual no dia seguinte, de fazer uma cobertura mais abrangente e analítica". "Continua muito infantil, publica muitas vezes informações tratadas por um viés equivocado", critica o primeiro ombudsman.
Professor e consultor de mídia digital, Costa diz que o jornal melhorou na parte de opinião, com a gama de colunistas que trazem o olhar de fora, embora pareça que muitos "escrevem por escrever, sem ter o que dizer".
"O jornal avançou bastante", diz Carlos Eduardo Lins da Silva, 58. "Ainda há muito a fazer, mas tem sido constante o leitor se surpreender com o assunto da manchete, que costumava ser repetição dos temas que a mídia eletrônica havia exaustivamente explorado na véspera".
Diretor do Espaço Educacional Educare e editor da revista "Política Externa", Lins da Silva observa que algumas mudanças gráficas e editoriais recentes foram "pouco além de alterações cosméticas ou de títulos".
Bernardo Ajzenberg, 52, diz que o jornal parece "mais próximo da comunidade nas questões de cotidiano e de serviços". Escritor e tradutor, diretor da editora Cosac Naify, Ajzenberg acha que a Folha aprendeu a valorizar problemas que têm muita relevância na vida prática dos leitores. Mas "burocratizou-se em coberturas especiais de grandes fatos históricos, item em que era imbatível".
Para Mario Vítor Santos, 56, "a Folha hoje é um jornal mais completo, procura tratar de uma gama maior de temas". Porém o diretor-executivo da Casa do Saber (centro de cursos sobre várias áreas do conhecimento) percebe uma miopia para identificar a dimensão das transformações na economia e na sociedade.

'MADURO'
Santos diz que o jornal mantém uma cultura de ouvir diversos lados e de corrigir os erros, embora sem a generosidade adequada, principalmente nos erros mais importantes.
Para Leite, "o jornal está mais maduro e criterioso, com uma cultura de apuração e detalhismo mais solidamente enraizada". Mas registra que, "com frequência, publicam-se textos desarticulados, sem linha interpretativa, quando não com omissões óbvias".
Renata diz que "a Folha é um jornal mais coeso do que há 20 anos". "Os pilares do projeto editorial estão presentes, de modo orgânico, em todos os cadernos."
"Sinto um esforço da Folha de manter a qualidade do jornal e de colocar um pé no futuro, reforçando a sua marca em novas plataformas", diz Suzana Singer, 45, atual ombudsman. Segundo ela, os desafios centrais "são cobrir o novo governo e as mudanças sociais advindas de um bom crescimento econômico nos últimos anos".
A função do ombudsman continua relevante, diz Marcelo Beraba, 59, hoje diretor da sucursal de "O Estado de S. Paulo" no Rio de Janeiro.
"Não é a única iniciativa, nem sozinha garante a qualidade exigida pelos leitores, mas é, sem dúvida, uma das mais importantes", conclui.

FOLHA.com
Acompanhe vídeo com o encontro dos ombudsmans no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo
folha.com/90877028


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