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A NOTÍCIA
Lisboa recebe com serenidade morte de seu único Nobel
Confirmação da perda foi feita pela internet e rotina
da cidade se manteve; corpo chega hoje à capital
RANIER BRAGON
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA
Único escritor de língua
portuguesa a ser premiado
com o Nobel de Literatura,
José Saramago morreu na
manhã de ontem na ilha espanhola Lanzarote, para onde havia se mudado no início
dos anos 1990.
Mais de 2.000 km distante
dali, as autoridades e o mundo literário em Portugal destacaram o gênio e as polêmicas nos 87 anos de vida do escritor, mas, nas ruas de Lisboa, as reações não foram
muito além de livrarias que
destacaram suas obras.
Coube à fundação que leva
o nome do escritor fazer a
confirmação, via internet, de
que Saramago havia morrido
às 12h30 de ontem (7h30 em
Brasília) "em consequência
de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada
doença".
De acordo com a instituição, o escritor estava acompanhado pela família, despedindo-se de uma forma "serena e tranquila".
Na sede da fundação, em
Lisboa, funcionários atendiam telefonemas simultaneamente e pareciam atordoados a ponto de demorar
cerca de cinco minutos para
atender à campainha.
"Para mim, foi uma pessoa
da família que foi embora",
lamentou-se à Folha Rita
Pais, 57, revisora dos livros
de Saramago e diretora literária da fundação. "Conhecia-o tanto que já sabia quando uma vírgula estava naquele lugar não intencionalmente, mas por engano."
Não havia concentração
de pessoas na fundação na
tarde de ontem.
Autoridades, colaboradores e admiradores de Saramago esperam manifestações para hoje, quando o corpo do escritor chega a Lisboa
para ser velado na Câmara
Municipal de Lisboa a partir
das 9h30 (hora de Brasília) e,
amanhã, cremado no Cemitério do Alto de São João.
Saramago começou a ser
velado ontem, em Lanzarote,
mas seu corpo será conduzido hoje por avião da Força
Aérea portuguesa até Lisboa.
CINZAS DE LANZAROTE
Agências de notícias afirmavam que parte das cinzas
poderiam ser depositadas em
uma oliveira na propriedade
do escritor na ilha espanhola. Outra parte iria para Azinhaga, onde nasceu, a cerca
de 100 km de Lisboa.
A fundação e o governo
português não confirmaram
as informações, dizendo que
caberá à viúva, Pilar del Rio,
e à família decidir.
No início da noite, o governo português anunciou luto
oficial hoje e amanhã. O primeiro-ministro, José Sócrates, disse ter havido uma
"grande perda" para a cultura portuguesa. O presidente,
Cavaco Silva enviou mensagem de condolências à família do escritor.
As principais TVs portuguesas dedicaram cobertura
especial à morte do escritor.
Mas o assunto teve de dividir
espaço com relatório aprovado ontem por uma comissão
de inquérito que levanta suspeitas de que o primeiro-ministro, José Sócrates, mentiu
ao Parlamento.
Na parte dedicada a Saramago, foram destacadas e
discutidas as polêmicas nas
quais o escritor se envolveu,
entre elas com a Igreja Católica, que tem importante peso
em Portugal.
Em relação ao seu último
livro ("Caim"; Cia. das Letras), por exemplo, lembraram a frase segundo a qual a
Bíblia era "o maior livro dos
maus costumes, o catálogo
da crueldade".
"Pobres dos escritores
consensuais. Acho que o escritor consensual fez alguma
coisa errada", disse na TV o
escritor e crítico literário Pedro Mexia.
Nas ruas e nas telas, a Folha testemunhou manifestos
de apreço e de crítica ao autor. Na TVI, por exemplo, um
aposentado chegou a dizer
que não lia Saramago assim
como não lia "a obra de Hitler". "Não era um fã dele,
mas considero-o um dos
grandes autores", disse o gerente da Livraria Portugal,
Joaquim Carneiro.
Alguns momentos depois
da confirmação da morte, a
praça localizada no Rossio,
um dos pontos mais tradicionais da cidade, mantinha a
sua rotina, com movimentação de turistas e uma aglomeração para assistir, em
um telão, ao jogo da Alemanha x Sérvia na Copa.
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