São Paulo, sábado, 19 de junho de 2010

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A NOTÍCIA

Lisboa recebe com serenidade morte de seu único Nobel

Confirmação da perda foi feita pela internet e rotina da cidade se manteve; corpo chega hoje à capital

RANIER BRAGON
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA

Único escritor de língua portuguesa a ser premiado com o Nobel de Literatura, José Saramago morreu na manhã de ontem na ilha espanhola Lanzarote, para onde havia se mudado no início dos anos 1990.
Mais de 2.000 km distante dali, as autoridades e o mundo literário em Portugal destacaram o gênio e as polêmicas nos 87 anos de vida do escritor, mas, nas ruas de Lisboa, as reações não foram muito além de livrarias que destacaram suas obras.
Coube à fundação que leva o nome do escritor fazer a confirmação, via internet, de que Saramago havia morrido às 12h30 de ontem (7h30 em Brasília) "em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença".
De acordo com a instituição, o escritor estava acompanhado pela família, despedindo-se de uma forma "serena e tranquila".
Na sede da fundação, em Lisboa, funcionários atendiam telefonemas simultaneamente e pareciam atordoados a ponto de demorar cerca de cinco minutos para atender à campainha.
"Para mim, foi uma pessoa da família que foi embora", lamentou-se à Folha Rita Pais, 57, revisora dos livros de Saramago e diretora literária da fundação. "Conhecia-o tanto que já sabia quando uma vírgula estava naquele lugar não intencionalmente, mas por engano."
Não havia concentração de pessoas na fundação na tarde de ontem.
Autoridades, colaboradores e admiradores de Saramago esperam manifestações para hoje, quando o corpo do escritor chega a Lisboa para ser velado na Câmara Municipal de Lisboa a partir das 9h30 (hora de Brasília) e, amanhã, cremado no Cemitério do Alto de São João.
Saramago começou a ser velado ontem, em Lanzarote, mas seu corpo será conduzido hoje por avião da Força Aérea portuguesa até Lisboa.

CINZAS DE LANZAROTE
Agências de notícias afirmavam que parte das cinzas poderiam ser depositadas em uma oliveira na propriedade do escritor na ilha espanhola. Outra parte iria para Azinhaga, onde nasceu, a cerca de 100 km de Lisboa.
A fundação e o governo português não confirmaram as informações, dizendo que caberá à viúva, Pilar del Rio, e à família decidir.
No início da noite, o governo português anunciou luto oficial hoje e amanhã. O primeiro-ministro, José Sócrates, disse ter havido uma "grande perda" para a cultura portuguesa. O presidente, Cavaco Silva enviou mensagem de condolências à família do escritor.
As principais TVs portuguesas dedicaram cobertura especial à morte do escritor. Mas o assunto teve de dividir espaço com relatório aprovado ontem por uma comissão de inquérito que levanta suspeitas de que o primeiro-ministro, José Sócrates, mentiu ao Parlamento.
Na parte dedicada a Saramago, foram destacadas e discutidas as polêmicas nas quais o escritor se envolveu, entre elas com a Igreja Católica, que tem importante peso em Portugal.
Em relação ao seu último livro ("Caim"; Cia. das Letras), por exemplo, lembraram a frase segundo a qual a Bíblia era "o maior livro dos maus costumes, o catálogo da crueldade".
"Pobres dos escritores consensuais. Acho que o escritor consensual fez alguma coisa errada", disse na TV o escritor e crítico literário Pedro Mexia.
Nas ruas e nas telas, a Folha testemunhou manifestos de apreço e de crítica ao autor. Na TVI, por exemplo, um aposentado chegou a dizer que não lia Saramago assim como não lia "a obra de Hitler". "Não era um fã dele, mas considero-o um dos grandes autores", disse o gerente da Livraria Portugal, Joaquim Carneiro.
Alguns momentos depois da confirmação da morte, a praça localizada no Rossio, um dos pontos mais tradicionais da cidade, mantinha a sua rotina, com movimentação de turistas e uma aglomeração para assistir, em um telão, ao jogo da Alemanha x Sérvia na Copa.


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