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OPINIÃO
Após o Nobel, livros ficaram esquemáticos e primitivos
Prêmio deu destaque a português e fez dele maniqueísta e verborrágico
JOÃO PEREIRA COUTINHO
COLUNISTA DA FOLHA, EM LISBOA
Fernando Pessoa e José Saramago são os maiores escritores portugueses do século
20. Não pretendo ferir sensibilidades brasileiras.
Mas poderia dizer que Pessoa e Saramago são os maiores escritores de língua portuguesa também.
O juízo não é estético ou literário. É fatual e empírico.
Pessoalmente, e para ficarmos nos lusos, prefiro Mário
Cesariny ou José Cardoso Pires, dois nomes que o Brasil
conhece mal.
E, por falar em Brasil, admito que Drummond ou Guimarães Rosa possam rivalizar com qualquer um desses.
Mas Pessoa ou Saramago
habitam um universo diferente. Basta entrar em qualquer livraria do mundo e fazer o teste.
Fernando Pessoa paira
acima da média porque, depois da morte, os seus heterônimos ganharam vida própria e saíram por aí, deslumbrando. Saramago, porque
recebeu o Prêmio Nobel em
1998.
O que não deixa de ser irônico e injusto: se existe um
Saramago que interessa como escritor, ele existe antes
do Nobel, não depois dele.
Em "Memorial do Convento" ou no espantoso "O Ano
da Morte de Ricardo Reis" (a
sua homenagem a Fernando
pessoa, "et pour cause"...),
Saramago oferecia uma reinterpretação estilística dos
pregadores lusitanos (como
Antônio Vieira), elaborando
fábulas de fôlego "humanista" e "universal".
A Academia Sueca sempre
gostou desse tipo de exercício e premiou a obra. Saramago agradeceu e, literariamente falando, foi produzindo parábolas atrás de parábolas, cada uma mais esquemática e mais primitiva do
que a anterior.
"A Caverna" ou "Ensaio
sobre a Lucidez", para citar
apenas dois exemplos recentes, representam o pior do
Saramago pós-Nobel: um escritor moralista e verborrágico com certa atração pelo
maniqueísmo mais vulgar.
Curiosamente, o único
lampejo da criatividade passada deu-se com o simpático
e despretensioso "A Viagem
do Elefante". De 2008, é uma
história (quase) de aventuras
em que o escritor relata, com
leveza de tom, a viagem do
elefante Salomão pela Europa do século 15, uma oferta
do rei d. João 3º ao primo Maximiliano da Áustria.
HONRARIA INSULTUOSA
Agora, na hora da morte,
Portugal prepara-se para
honrar o escritor, o que me
parece justo. Mas é provável
que se prepare também para
honrar o "democrata", o que
me parece insultuoso.
Comunista até ao fim, Saramago assinou algumas das
páginas mais intolerantes do
período revolucionário português, quando integrou a
direção do "Diário de Notícias" no ano quente de 1975.
Um período de violência física (nas ruas) e verbal (nos
jornais), com Saramago a
vestir a farda do fanatismo
bolchevique e a salivar de
ódio contra os "reacionários"
e os "burgueses" (um oximoro, eu sei).
Contra a vontade de Saramago, Portugal acabaria por
optar pela via da democracia
representativa e da liberdade
sob a lei. Uma escolha que
sempre soou a Saramago como uma traição essencial dos
valores moscovitas que, no
século em que ele nasceu e
viveu, produziram centenas
de milhões de cadáveres.
Nas culturas latinas, a
morte melhora sempre o caráter. Só se espera que não se
faça o mesmo com a biografia política do defunto.
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