São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PARENTE É SERPENTE

Campanha eleitoral provoca discussões acirradas entre as gerações paulistanas

Serra, Marta e Maluf dividem e animam famílias

Flávio Florido/Folha Imagem
Ademir Gomes de Almeida (tucano), Rosa Sirlei (malufista) e Adriana Pedro de Almeida (petista)


CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A democracia começa em casa. Esse não é um clichê para os Silva. Valdemarina Rodrigues da Silva, 61, vota no tucano José Serra para prefeito de São Paulo. A filha, Valquíria, e o genro, Wagner, em Paulo Maluf (PP). O neto, Eduardo, tirou o título de eleitor aos 16 só para votar na petista Marta Suplicy em 2000. Sem a mesma paixão, Monica, a caçula, acompanha o irmão.
Apesar do conflito entre gerações, os Silva convivem bem entre quatro paredes. Até a noite de um debate. Wagner e Eduardo assistem à TV em quartos separados. Do seu, o pai fala mal de Marta. O filho retruca. "Maluf é candidato da conta no exterior. É o do "estupra mas não mata'", provoca Eduardo, referindo-se à infeliz declaração da campanha presidencial de 1989.
"Estupra, mas não "Marta'", brinca Wagner, que, em defesa de Maluf, diz que ninguém fez tantas obras na cidade e recorre até ao "todo mundo é inocente até provar o contrário": "Se o Ministério Público tem provas documentais contra ele, por que não cassou sua candidatura?"
De braços cruzados, Valdemarina assiste ao debate. "Como esse menino fala!", comenta a respeito de Eduardo. A franzina Valdemarina mantém firme o voto desde que Serra implantou a distribuição de remédio no Ministério da Saúde. Fã do governador Geraldo Alckmin (PSDB), chega a protestar quando o programa petista exibe críticas ao sistema estadual de saúde. "É mentira", reage, dizendo-se usuária do hospital estadual.
Para ela, "é gostoso ver os dois carequinhas [Alckmin e Serra]". Recentemente, ao saber de uma passagem de Marta pela zona leste, onde todos moram, até manifestou intenção de ver a prefeita. Quando, brincando, o neto disse que, para isso, teria de votar em Marta, a avó desistiu. "Ele inferniza minha mãe", conta, entre risos, Valquíria.
Estudante de jornalismo, Eduardo nutre paixão por Marta. Por ela, tirou o título, filiou-se ao PT e até atravessou a cidade para assistir à inauguração do túnel da Faria Lima. Elogiando a política de educação da prefeita, admite decepções, especialmente com a política de alianças e com PT, partido ao qual chama de centro-direita. Mas confessa: "A Marta me cativa. A garra, a coragem, a firmeza ..."
"A arrogância, o oportunismo", interrompe o pai. A discussão pode invadir a noite.
Na zona oeste, no bairro da Lapa, não é diferente. O aposentado Ademir Gomes de Almeida é eleitor de Serra. Sua mulher, a costureira Rosa Sirlei Forte de Almeida, "malufista roxa". Criada pelo casal, a sobrinha, a estudante de Letras e revisora Adriana Pedro de Almeida, vota no PT desde os 18 anos. Tem 24.
Na casa, ouve os argumentos do tio: o Rodoanel, a expansão do Metrô, as obras da marginal Tietê; o trabalho de Mário Covas e Alckmin no Estado; a atuação de Serra na Saúde, e a importância de uma parceria entre governador e prefeito... Adriana também escuta a tia. "Sei que ele vai perder, mas São Paulo precisa de grandes obras. E Maluf é arrojado para isso", diz Rosa.
Comedida, Adriana quase se exalta quando a tia diz que votará em Serra no segundo turno. "Só para não votar no PT, né, tia?" Começa uma bem-humorada discussão. "Isso que ela acabou de falar prova que o PT não é um partido. É uma torcida organizada", ataca o tio. Adriana mantém o controle, mesmo sob artilharia pesada.
"Marta fez um bom mandato. Ela herdou uma situação ruim, e as obras darão resultado a longo prazo", diz, acrescentando que se identifica com a "filosofia do PT". "A da briga", ironiza o tio. "Todos os partidos têm seus fanáticos. No PT, só fica mais em evidência", alega Adriana. Rosa tenta acalmar os ânimos. Mas o embate recomeça quando ela expõe seu ponto de vista.
"O PT deixa a desejar na área social". "E o CEU?", pergunta Adriana. Então, Rosa faz a revelação da noite. Diz que votou em Serra no primeiro turno da eleição presidencial de 2002. Mas, para surpresa do marido, conta que optou pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo.
"Achei que Lula fosse lutar pelos pobres", justifica-se. "Mas ele luta. Ele é o presidente. Luta contra todo mundo", defende Adriana. "Assim que se elegeu, ele comprou um avião", responde Rosa. "Queria que o avião caísse?", pergunta Adriana. E o debate recomeça na família...


Texto Anterior: Pesquisa: Tucano está 16 pontos à frente no 2º turno
Próximo Texto: Frases
Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.