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Artistas quando jovens
"Eu hoje vou fugir com o vento
Vou até o firmamento
Vou ver a Terra a brilhar, a brilhar
Vou abrir bem os meus braços
Me lançar por este espaço
A voar, a voar"
Da peça "Vento Forte para um Papagaio Subir"
NELSON DE SÁ
COLUNISTA DA FOLHA
Porto Alegre, 1962. O refrão da
"Canção do Vento Forte" toca e
diante do público, "sozinho no palco", está José Serra, 19.
- A peça abria comigo, como
num sonho, ouvindo a canção, repentinamente interrompida por
uma tempestade.
Era o futuro presidente da UNE,
depois exilado, secretário estadual,
deputado, senador e ministro, hoje
candidato a prefeito. Era um jovem
estudante, na encenação de "Vento
Forte para um Papagaio Subir", peça escrita por outro estudante, José
Celso Martinez Corrêa.
Os principais candidatos em São
Paulo, que hoje ocupam o horário
nobre com espetáculos bem encenados, poderiam ter seguido outros
caminhos.
São Paulo, 1962, de novo. Depois
de freqüentar por dois anos o curso
de artes plásticas na Faap, a jovem
Marta Teresa Smith de Vasconcellos abre a sua primeira exposição.
- Vendi um quadro, aos 17
anos!
Era a futura feminista, depois estrela de televisão, deputada, prefeita
e candidata à reeleição Marta Suplicy. Que antes de tudo isso também fez teatro, mas foi marcada
realmente pelos anos 60 e 70, vividos em duas universidades americanas, entre concertos pop e manifestações de rua.
São Paulo, final dos anos 40. Recém-formado pelo colégio São
Luís, entusiasta do hipismo, rico,
Paulo Salim Maluf, 18, virou-se para seu professor de piano depois de
seis anos de estudos:
- O que eu devo ser, engenheiro
ou pianista?
Nem um nem outro, como se sabe. Logo se tornou diretor do grêmio da faculdade, eleito na mesma
chapa de Mário Covas, depois foi
secretário, prefeito, governador,
hoje é candidato a prefeito outra
vez.
Entre 3 e 5 décadas atrás, eles viviam outra história -aquela que a
peça estrelada por Serra descrevia,
nas rubricas iniciais: "Tudo isso está prestes a desaparecer".
"Blowin" in the Wind"
A adolescente Marta Teresa começou logo nas artes.
Fez anos de piano e, durante
ginásio e colégio, "rebelde"
com as freiras, organizou o
grêmio estudantil, ajudou a
produzir peças e acabou por
se arriscar no palco:
- Descobri o teatro no
início da adolescência e passei a dirigir e participar das
peças da escola. Encenava
principalmente Maria Clara
Machado.
Mas não foi o teatro o seu
foco principal. Na mesma
época, ela descobriu "o desenho, a pintura", que estudou mais a fundo, chegando
a expor. O ex-marido
Eduardo Suplicy, que iniciou o namoro com Marta
quando ela tinha 15 anos,
confirma:
- Ela tinha talento. A
Marta sabe desenhar muito
bem.
Piano, teatro, pintura, até literatura, "bater à máquina", tudo ficou para trás. Marta se casou e, no
final dos anos 60 e início dos 70,
foi viver nos Estados Unidos um
momento "revolucionário". Ela
conta:
- Gosto muito dos Estados
Unidos, onde morei cinco anos. A
experiência na Universidade de
Michigan foi mais centrada na
descoberta do mundo americano,
valores. Em Stanford, na Califórnia, foi uma época importante na
minha vida. Descobri o movimento feminista, ao mesmo tempo em que acompanhei engajadamente a campanha do senador
democrata George McGovern à
Presidência dos EUA.
Uma cena da época: Marta e
uma amiga feminista, Jane, discutiram depois que um homem segurou a porta do elevador para
ambas entrarem. A americana
disse que não aceitaria a gentileza
enquanto o preço, para as mulheres, fosse um salário menor que o
dos homens. Já a brasileira defendeu tanto o salário igual quanto a
gentileza.
Para além do feminismo, dos
democratas e da convivência com
exilados brasileiros, como na visita de Fernando Henrique Cardoso à sua casa na Califórnia, Marta
vivenciou o espírito de 68:
- Simon e Garfunkel, Bob
Dylan, havia concertos na universidade e eu os freqüentava, assim
como as manifestações contra a
guerra no Vietnã. Foram tempos
muito ricos em participação.
Num dos concertos, carregou o
filho pequeno e futuro músico Supla até a cidade de San Jose -ao
lado de Palo Alto, sede da universidade de Stanford, ambas na baía
de San Francisco- para ver Joan
Baez cantar "Blowin" in the
Wind", de Dylan.
Dez anos e vários livros depois,
a psicanalista Marta Suplicy era
chamada por Marília Gabriela e
pelo diretor Nilton Travesso para
um quadro sobre "Comportamento Sexual" no programa "TV
Mulher", da Globo. Ficou no ar
sete anos:
- Eu gostei muitíssimo de fazer televisão, mas sofri um bocado na aprendizagem. Principalmente no cuidado quando se fala
de assuntos que podem influenciar o comportamento das pessoas e que elas podem interpretar
de forma equivocada.
Um de seus livros, "Conversando sobre Sexo", foi levado então
ao teatro pelo dramaturgo Mario
Prata, com a presença constante
da autora nos ensaios e "interagindo" no palco com as atrizes,
que se tornaram suas amigas. Mas
a vida na arte parou aí.
"Um bom ator"
Na Mooca, o adolescente José
Serra não ia muito além de gibis como "Zé Carioca". Foi ao entrar na
Escola Politécnica que as coisas
mudaram. Encontrou uma geração
de futuros artistas, como o diretor
teatral Fauzi Arap e o cineasta Francisco Ramalho Jr. Relembra Arap,
que dirigiu Serra:
- Era um bom ator, mas não um
ator excepcional. Fazia bem a peça
do Zé Celso.
"Vento Forte para um Papagaio
Subir", dirigida por Fuad Jorge
Khoury, foi o auge de uma carreira
nos palcos, por assim dizer. Serra
fez teatro-jogral, atuou em "Amor à
Prova dos Nove", de Millôr Fernandes, e no "Monólogo de Orfeu", de
Vinícius de Moraes, "acompanhado por um violão".
Mas o que marcou foi "Vento
Forte". Lembra Serra:
- Foi uma experiência fascinante. Até hoje é bom lembrar. Sempre
me volta uma sensação agradável
da época. O personagem principal
era um rapaz, numa pequena cidade: a mãe possessiva (só a voz), a
namorada, a irmã que sustentava a
casa e o melhor amigo. Ele, louco
para ir embora, vir para São Paulo,
que é o que faz no final, depois de
uma tempestade de ventania.
A peça não diz, mas para Serra a
cidade era Araraquara, "terra do
autor", e o personagem "reunia algo da história do próprio Zé". Protagonista, ele afirma que "a tensão
não foi tão grande na estréia":
- Teatro não é política. Você
não encara o público, a platéia está
escura, e você representa um personagem que não é. É mais fácil, por
incrível que pareça. Eu não conseguiria, na política, interpretar um
personagem, mesmo que se tratasse de interpretar a mim mesmo.
A montagem viajou a Porto Alegre para um dos célebres festivais
organizados por Paschoal Carlos
Magno:
- Fomos de ônibus, com gente
de São Paulo, inclusive a Regina
Duarte, acompanhada pela mãe.
Era uma gracinha, bem menininha,
tímida, e ganhou um prêmio. Participaram do festival o Plínio Marcos,
Sérgio Mamberti, Dina Sfat.
Serra ator descreve os ensaios:
- Cheguei a estudar Stanislávski, num seminário do [ator russo
Eugênio] Kusnet, e nos ensaios era
o "método" adotado. Em diferentes
ensaios, nos concentrávamos em
diferentes aspectos da personalidade e das relações do meu personagem. O texto não mudava, mas
mudavam a personalidade e as relações, cada vez concentradas numa possibilidade. Uma neurose,
mas criativa.
O artista que o marcou mais foi o
diretor Arap:
- Eu achava o Fauzi um gênio,
meio estranho (para começar, porque ele estudava engenharia), a generosidade artística encarnada, um
apóstolo, extraordinário imitador
de atores e atrizes (por exemplo, na
impostação da Cacilda Becker, era
imbatível).
Meses depois de "Vento Forte",
Serra tomava outra direção, eleito
presidente da União Estadual dos
Estudantes (UEE). "Eu não era
mais ator", diz, admitindo que "a
experiência ajudou a melhorar a
impostação de voz", nada mais.
Mas alguma coisa ficou. Anos depois, conheceu a jovem bailarina
chilena que seria sua mulher, Monica. Ele descreve:
- Eu tenho paixão por balé, adorava o jeito de caminhar, a
postura das bailarinas. Conheci minha mulher na
festa de uma amiga comum e, quando vi que era
bailarina, me aproximei.
Não tem fim a lista de coreografias em que a viu:
- "Carmina Burana",
ela fazia a deusa Fortuna,
entre outros papéis. "A
Mesa Verde", a mais maravilhosa peça antibélica a
que já assisti. "O Pássaro
de Fogo", "O Despertar da
Primavera", "O Lago dos
Cisnes", "Catalise"...
"Os três Bs"
Paulo Maluf começou a
estudar piano aos 12 anos,
quando questionado sobre
o que faz quando não faz
política, é de concertos que
ele fala.
Concertos que o próprio
Maluf chegou a dar, ainda
estudante de piano, "diversos", diz. Mas, olhando para trás, acha que devia ter se arriscado como artista?
- Fui um bom pianista amador,
mas para se tornar um pianista
profissional você precisa, como na
política, de um bom empresário,
um bom marqueteiro e muito estudo. Se me dedicasse só ao piano e
estudasse oito a dez horas por dia,
eu acho que teria sucesso.
Seus compositores preferidos,
diz, são "quase todos na música
clássica". Cita "os três Bs, Bach,
Beethoven e Brahms", mais Mozart, Vivaldi, Chopin etc. Villa-Lobos e Camargo Guarnieri "são dois
grandes compositores, grandes regentes que dão grande valor à música que foi escrita no Brasil".
Não, ele nunca foi "muito aberto"
ao jazz e ao rock, gêneros que dividiam os seus colegas na Escola Politécnica. Na música popular, fala
quando muito em samba e nas "músicas românticas italianas, francesas".
Deixou o piano ao entrar na faculdade e, apesar da amizade com artistas como Carlos Zara, então
também estudante, e dos colegas que o descrevem como tendo uma "vida social intensa" na época, afastou-se das artes quase por completo.
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