São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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Artistas quando jovens

 "Eu hoje vou fugir com o vento Vou até o firmamento Vou ver a Terra a brilhar, a brilhar Vou abrir bem os meus braços Me lançar por este espaço A voar, a voar"
Da peça "Vento Forte para um Papagaio Subir"

NELSON DE SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Porto Alegre, 1962. O refrão da "Canção do Vento Forte" toca e diante do público, "sozinho no palco", está José Serra, 19.
- A peça abria comigo, como num sonho, ouvindo a canção, repentinamente interrompida por uma tempestade.
Era o futuro presidente da UNE, depois exilado, secretário estadual, deputado, senador e ministro, hoje candidato a prefeito. Era um jovem estudante, na encenação de "Vento Forte para um Papagaio Subir", peça escrita por outro estudante, José Celso Martinez Corrêa.
Os principais candidatos em São Paulo, que hoje ocupam o horário nobre com espetáculos bem encenados, poderiam ter seguido outros caminhos.
São Paulo, 1962, de novo. Depois de freqüentar por dois anos o curso de artes plásticas na Faap, a jovem Marta Teresa Smith de Vasconcellos abre a sua primeira exposição.
- Vendi um quadro, aos 17 anos!
Era a futura feminista, depois estrela de televisão, deputada, prefeita e candidata à reeleição Marta Suplicy. Que antes de tudo isso também fez teatro, mas foi marcada realmente pelos anos 60 e 70, vividos em duas universidades americanas, entre concertos pop e manifestações de rua.
São Paulo, final dos anos 40. Recém-formado pelo colégio São Luís, entusiasta do hipismo, rico, Paulo Salim Maluf, 18, virou-se para seu professor de piano depois de seis anos de estudos:
- O que eu devo ser, engenheiro ou pianista?
Nem um nem outro, como se sabe. Logo se tornou diretor do grêmio da faculdade, eleito na mesma chapa de Mário Covas, depois foi secretário, prefeito, governador, hoje é candidato a prefeito outra vez.
Entre 3 e 5 décadas atrás, eles viviam outra história -aquela que a peça estrelada por Serra descrevia, nas rubricas iniciais: "Tudo isso está prestes a desaparecer".

"Blowin" in the Wind"
A adolescente Marta Teresa começou logo nas artes. Fez anos de piano e, durante ginásio e colégio, "rebelde" com as freiras, organizou o grêmio estudantil, ajudou a produzir peças e acabou por se arriscar no palco:
- Descobri o teatro no início da adolescência e passei a dirigir e participar das peças da escola. Encenava principalmente Maria Clara Machado.
Mas não foi o teatro o seu foco principal. Na mesma época, ela descobriu "o desenho, a pintura", que estudou mais a fundo, chegando a expor. O ex-marido Eduardo Suplicy, que iniciou o namoro com Marta quando ela tinha 15 anos, confirma:
- Ela tinha talento. A Marta sabe desenhar muito bem.
Piano, teatro, pintura, até literatura, "bater à máquina", tudo ficou para trás. Marta se casou e, no final dos anos 60 e início dos 70, foi viver nos Estados Unidos um momento "revolucionário". Ela conta:
- Gosto muito dos Estados Unidos, onde morei cinco anos. A experiência na Universidade de Michigan foi mais centrada na descoberta do mundo americano, valores. Em Stanford, na Califórnia, foi uma época importante na minha vida. Descobri o movimento feminista, ao mesmo tempo em que acompanhei engajadamente a campanha do senador democrata George McGovern à Presidência dos EUA.
Uma cena da época: Marta e uma amiga feminista, Jane, discutiram depois que um homem segurou a porta do elevador para ambas entrarem. A americana disse que não aceitaria a gentileza enquanto o preço, para as mulheres, fosse um salário menor que o dos homens. Já a brasileira defendeu tanto o salário igual quanto a gentileza.
Para além do feminismo, dos democratas e da convivência com exilados brasileiros, como na visita de Fernando Henrique Cardoso à sua casa na Califórnia, Marta vivenciou o espírito de 68:
- Simon e Garfunkel, Bob Dylan, havia concertos na universidade e eu os freqüentava, assim como as manifestações contra a guerra no Vietnã. Foram tempos muito ricos em participação.
Num dos concertos, carregou o filho pequeno e futuro músico Supla até a cidade de San Jose -ao lado de Palo Alto, sede da universidade de Stanford, ambas na baía de San Francisco- para ver Joan Baez cantar "Blowin" in the Wind", de Dylan.
Dez anos e vários livros depois, a psicanalista Marta Suplicy era chamada por Marília Gabriela e pelo diretor Nilton Travesso para um quadro sobre "Comportamento Sexual" no programa "TV Mulher", da Globo. Ficou no ar sete anos:
- Eu gostei muitíssimo de fazer televisão, mas sofri um bocado na aprendizagem. Principalmente no cuidado quando se fala de assuntos que podem influenciar o comportamento das pessoas e que elas podem interpretar de forma equivocada.
Um de seus livros, "Conversando sobre Sexo", foi levado então ao teatro pelo dramaturgo Mario Prata, com a presença constante da autora nos ensaios e "interagindo" no palco com as atrizes, que se tornaram suas amigas. Mas a vida na arte parou aí.

"Um bom ator"
Na Mooca, o adolescente José Serra não ia muito além de gibis como "Zé Carioca". Foi ao entrar na Escola Politécnica que as coisas mudaram. Encontrou uma geração de futuros artistas, como o diretor teatral Fauzi Arap e o cineasta Francisco Ramalho Jr. Relembra Arap, que dirigiu Serra:
- Era um bom ator, mas não um ator excepcional. Fazia bem a peça do Zé Celso.
"Vento Forte para um Papagaio Subir", dirigida por Fuad Jorge Khoury, foi o auge de uma carreira nos palcos, por assim dizer. Serra fez teatro-jogral, atuou em "Amor à Prova dos Nove", de Millôr Fernandes, e no "Monólogo de Orfeu", de Vinícius de Moraes, "acompanhado por um violão".
Mas o que marcou foi "Vento Forte". Lembra Serra:
- Foi uma experiência fascinante. Até hoje é bom lembrar. Sempre me volta uma sensação agradável da época. O personagem principal era um rapaz, numa pequena cidade: a mãe possessiva (só a voz), a namorada, a irmã que sustentava a casa e o melhor amigo. Ele, louco para ir embora, vir para São Paulo, que é o que faz no final, depois de uma tempestade de ventania.
A peça não diz, mas para Serra a cidade era Araraquara, "terra do autor", e o personagem "reunia algo da história do próprio Zé". Protagonista, ele afirma que "a tensão não foi tão grande na estréia":
- Teatro não é política. Você não encara o público, a platéia está escura, e você representa um personagem que não é. É mais fácil, por incrível que pareça. Eu não conseguiria, na política, interpretar um personagem, mesmo que se tratasse de interpretar a mim mesmo.
A montagem viajou a Porto Alegre para um dos célebres festivais organizados por Paschoal Carlos Magno:
- Fomos de ônibus, com gente de São Paulo, inclusive a Regina Duarte, acompanhada pela mãe. Era uma gracinha, bem menininha, tímida, e ganhou um prêmio. Participaram do festival o Plínio Marcos, Sérgio Mamberti, Dina Sfat.
Serra ator descreve os ensaios:
- Cheguei a estudar Stanislávski, num seminário do [ator russo Eugênio] Kusnet, e nos ensaios era o "método" adotado. Em diferentes ensaios, nos concentrávamos em diferentes aspectos da personalidade e das relações do meu personagem. O texto não mudava, mas mudavam a personalidade e as relações, cada vez concentradas numa possibilidade. Uma neurose, mas criativa.
O artista que o marcou mais foi o diretor Arap:
- Eu achava o Fauzi um gênio, meio estranho (para começar, porque ele estudava engenharia), a generosidade artística encarnada, um apóstolo, extraordinário imitador de atores e atrizes (por exemplo, na impostação da Cacilda Becker, era imbatível).
Meses depois de "Vento Forte", Serra tomava outra direção, eleito presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE). "Eu não era mais ator", diz, admitindo que "a experiência ajudou a melhorar a impostação de voz", nada mais.
Mas alguma coisa ficou. Anos depois, conheceu a jovem bailarina chilena que seria sua mulher, Monica. Ele descreve:
- Eu tenho paixão por balé, adorava o jeito de caminhar, a postura das bailarinas. Conheci minha mulher na festa de uma amiga comum e, quando vi que era bailarina, me aproximei.
Não tem fim a lista de coreografias em que a viu:
- "Carmina Burana", ela fazia a deusa Fortuna, entre outros papéis. "A Mesa Verde", a mais maravilhosa peça antibélica a que já assisti. "O Pássaro de Fogo", "O Despertar da Primavera", "O Lago dos Cisnes", "Catalise"...

"Os três Bs"
Paulo Maluf começou a estudar piano aos 12 anos, quando questionado sobre o que faz quando não faz política, é de concertos que ele fala.
Concertos que o próprio Maluf chegou a dar, ainda estudante de piano, "diversos", diz. Mas, olhando para trás, acha que devia ter se arriscado como artista?
- Fui um bom pianista amador, mas para se tornar um pianista profissional você precisa, como na política, de um bom empresário, um bom marqueteiro e muito estudo. Se me dedicasse só ao piano e estudasse oito a dez horas por dia, eu acho que teria sucesso.
Seus compositores preferidos, diz, são "quase todos na música clássica". Cita "os três Bs, Bach, Beethoven e Brahms", mais Mozart, Vivaldi, Chopin etc. Villa-Lobos e Camargo Guarnieri "são dois grandes compositores, grandes regentes que dão grande valor à música que foi escrita no Brasil".
Não, ele nunca foi "muito aberto" ao jazz e ao rock, gêneros que dividiam os seus colegas na Escola Politécnica. Na música popular, fala quando muito em samba e nas "músicas românticas italianas, francesas".
Deixou o piano ao entrar na faculdade e, apesar da amizade com artistas como Carlos Zara, então também estudante, e dos colegas que o descrevem como tendo uma "vida social intensa" na época, afastou-se das artes quase por completo.


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