São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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ROMBOS

Descontrole dos gastos públicos no primeiro mandato, política do real supervalorizado, com aumento das importações, juros muito elevados e fracasso de algumas reformas aumentam déficit das contas nacionais

Dívida pública dobra, déficit externo explode e ameaça estabilidade

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
NEY HAYASHI DA CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os elevados juros praticados desde a implantação do Plano Real, em julho de 1994, foram os principais responsáveis pela explosão da dívida pública no governo FHC. Aliada a isso veio a dependência de capital estrangeiro para fechar o buraco nas contas externas criado pelo câmbio sobrevalorizado.
Ainda hoje, os efeitos da dívida interna explosiva e do alto déficit externo são as principais causas do baixo desempenho da economia. Além dos juros, a alta do dólar e o reconhecimento de "esqueletos" também colaboraram para elevar o endividamento.
O dinheiro arrecadado com as privatizações ocorridas durante o governo FHC não foi suficiente para impedir o aumento da dívida. Em dezembro de 1994, a dívida líquida do setor público era equivalente a 30,4% do PIB (Produto Interno Bruto). Em outubro deste ano, o endividamento chegou a 59,9% do PIB.
Após a implantação do Real, o controle da inflação foi feito com base na âncora cambial. O governo controlava a cotação do dólar, mantida próxima de R$ 1.
Essa política gerou um enorme rombo nas contas do país com o resto do mundo. O real sobrevalorizado estimulou as importações, freou as exportações e, consequentemente, prejudicou as contas externas do país.
A balança comercial brasileira abandonou uma trajetória de 14 anos seguidos de superávits e, a partir de 1995, passou a registrar déficits até 2000.
O câmbio sobrevalorizado também ajudou a estimular o aumento dos gastos dos brasileiros no exterior. Outra consequência foi o aumento da dívida externa e, com isso, dos juros que o país tem de pagar a credores internacionais.

Déficit externo
Tudo isso contribuiu para uma piora significativa da chamada conta corrente (que contabiliza o resultado de todas as transações do país com o exterior). O déficit externo saltou de US$ 1,8 bilhão em 1994 para US$ 18,4 bilhões no ano seguinte. "O déficit foi usado como estratégia de estabilização", diz o economista Fernando Barbosa, do BBV Banco.
A desculpa do governo para o rombo nas contas externas era que, graças ao regime de âncora cambial, a estabilidade da moeda era garantida.
Os problemas surgiram quando as crises financeiras nos países emergentes trouxeram pânico aos mercados internacionais. Para evitar que investidores estrangeiros retirassem os dólares aplicados no Brasil, o governo elevou os juros a níveis estratosféricos. A taxa chegou a ficar acima de 40% ao ano no auge das crises.
Isso contribuiu para o aumento ainda maior da dívida pública, corrigida em grande medida pela taxa de juros.
O economista Sérgio Werlang, ex-diretor do Banco Central e atual diretor do Itaú, diz que esse problema poderia ter sido evitado se o regime de câmbio flutuante tivesse sido adotado com mais rapidez. "Em meados de 1995 já dava para fazer isso", diz.

Indústria nacional
A insistência do governo na âncora cambial e na política de juros altos acabou estrangulando ainda mais a indústria nacional. Segundo o economista Luciano Coutinho, professor da Unicamp, isso provocou um enorme retrocesso em vários setores industriais.
Abatida pela concorrência internacional, a indústria brasileira ficava menos competitiva e diminuía sua capacidade de exportar, o que agravava a situação das contas externas.

Desequilíbrio fiscal
A situação foi agravada pelo desequilíbrio fiscal observado naquele período, que obrigava o governo a se endividar cada vez mais para poder pagar juros e amortizações da dívida explosiva.
Com a crise da Rússia, em 1998, um forte ataque especulativo contra o real forçou o governo a tomar providências.
Foi implementado um ajuste fiscal emergencial, baseado principalmente no aumento de impostos. O objetivo era obter resultados fiscais primários positivos, de 3% do PIB, para que a relação entre dívida e PIB se estabilizasse em 46,5% até o final de 2001.
O problema foi que a âncora cambial não resistiu à crise e FHC foi forçado, no início de seu segundo mandato, a desvalorizar o real e adotar o regime flutuante.
Desde então, a alta do dólar tem ajudado a levar o endividamento do governo a níveis recordes. Entre janeiro de 1995 e agosto de 2002, a desvalorização do real causou aumento de R$ 207,74 bilhões na dívida.
A única vantagem tem sido o ajuste forçado nas contas externas. Importações contraídas, por conta da retração econômica, e exportações beneficiadas pelo câmbio desvalorizado levaram o país a voltar a ter superávit.
Mas, segundo economistas, ainda é preciso muito investimento em política industrial para que essa virada nas contas externas possa se sustentar no longo prazo.


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