São Paulo, quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

O segundo advento de Camelot

JUREK MARTIN
DO "FINANCIAL TIMES"

Alguém inflou um boneco plástico de George W. Bush no Dupont Circle, o coração do que costumava ser o único bairro boêmio de Washington, e as pessoas formaram fila para jogar sapatos nele -mas logo correram para apanhar os sapatos de volta por causa do frio.
Em nossa cozinha, minha mulher e uma amiga, duas mulheres modernas, estavam fazendo cookies com a imagem de Barack Obama. Seria possível imaginá-las cozinhando no patriótico Kansas da era em que Dorothy usava trancinhas, e não no ventre da besta, a capital dos EUA contemporâneos.
As duas coisas justapostas formavam o pano de fundo perfeito para a posse de um novo presidente, não só um homem de cor como um homem de esperança. Era como se o país mal pudesse esperar para chutar o velho regime para longe.
E Barack Obama, em um discurso digno de Lincoln em termos de escopo e sobriedade, o fez ao rejeitar tudo aquilo que seu predecessor defendia.
Todas as ressalvas devem ser respeitadas. Obama pode estar chegando ao posto em uma maré de otimismo, mas terá de navegar mares tempestuosos. A banca americana quebrou e as pessoas estão formando filas diante dos postos de recrutamento das Forças Armadas porque os empregos em outros setores são escassos. O país também está em guerras completamente diferentes das que costumava travar no passado.
Mas não me recordo, em qualquer posse anterior, de tamanho otimismo. Se o ato mesmo de eleger o primeiro presidente negro fez com que o país sentisse ter realizado algo histórico, então tudo que aconteceu de novembro para cá reforçou essa sensação.

Kennedy e baía dos Porcos
Houve uma sensação semelhante, durante um breve período, em 1961, quando Camelot foi recriada na Washington de John Kennedy, mas a invasão à baía dos Porcos, em Cuba, furou o balão. A sensação decerto não era parecida quando Richard Nixon sucedeu Lyndon Johnson. E tampouco quando Jimmy Carter substituiu Gerald Ford depois de uma eleição que girava mais em torno dos escândalos do passado do que em torno do futuro.
Talvez tenha havido traços desse entusiasmo quando Ronald Reagan sucedeu Carter, mas ele só se fazia sentir na ala direita da política.
Em 1993, quando Bill Clinton tomou posse, o sentimento era mais ou menos o oposto, mas era uma sensação mais geracional do que qualquer outra coisa, e o país, que acabara de vencer uma guerra no Iraque e de assistir ao colapso da URSS, não estava em má forma. A natureza mesma da eleição de 2000, resolvida em favor de Bush apenas depois de cinco semanas, por interferência da Suprema Corte, dificilmente parecia servir como sinal de um admirável mundo novo.
A transição de Obama ditou um tom completamente diferente, e imaculado. O jantar na segunda-feira para honrar John McCain, o candidato derrotado no ano passado, serve como perfeito exemplo.
Talvez haja a sensação, entre os políticos, de que a influência conferida a Obama por seu posto e pela internet como veículo de divulgação seja causa de temor. Mas seu sorriso incandescente e a confiança amigável de seus modos, a impressão de conforto interior que ele transmite, não parecem nada assustadores. O país pode temer o que o futuro reserva, mas Obama não parece ter medo, e esse sentimento, pelo menos por enquanto, é contagiante.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Frase
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.