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ARTIGO
O segundo advento de Camelot
JUREK MARTIN
DO "FINANCIAL TIMES"
Alguém inflou um boneco
plástico de George W. Bush no
Dupont Circle, o coração do
que costumava ser o único bairro boêmio de Washington, e as
pessoas formaram fila para jogar sapatos nele -mas logo correram para apanhar os sapatos
de volta por causa do frio.
Em nossa cozinha, minha
mulher e uma amiga, duas mulheres modernas, estavam fazendo cookies com a imagem
de Barack Obama. Seria possível imaginá-las cozinhando no
patriótico Kansas da era em
que Dorothy usava trancinhas,
e não no ventre da besta, a capital dos EUA contemporâneos.
As duas coisas justapostas
formavam o pano de fundo perfeito para a posse de um novo
presidente, não só um homem
de cor como um homem de esperança. Era como se o país mal
pudesse esperar para chutar o
velho regime para longe.
E Barack Obama, em um discurso digno de Lincoln em termos de escopo e sobriedade, o
fez ao rejeitar tudo aquilo que
seu predecessor defendia.
Todas as ressalvas devem ser
respeitadas. Obama pode estar
chegando ao posto em uma maré de otimismo, mas terá de navegar mares tempestuosos. A
banca americana quebrou e as
pessoas estão formando filas
diante dos postos de recrutamento das Forças Armadas
porque os empregos em outros
setores são escassos. O país
também está em guerras completamente diferentes das que
costumava travar no passado.
Mas não me recordo, em
qualquer posse anterior, de tamanho otimismo. Se o ato mesmo de eleger o primeiro presidente negro fez com que o país
sentisse ter realizado algo histórico, então tudo que aconteceu de novembro para cá reforçou essa sensação.
Kennedy e baía dos Porcos
Houve uma sensação semelhante, durante um breve período, em 1961, quando Camelot foi recriada na Washington
de John Kennedy, mas a invasão à baía dos Porcos, em Cuba,
furou o balão. A sensação decerto não era parecida quando
Richard Nixon sucedeu
Lyndon Johnson. E tampouco
quando Jimmy Carter substituiu Gerald Ford depois de uma
eleição que girava mais em torno dos escândalos do passado
do que em torno do futuro.
Talvez tenha havido traços
desse entusiasmo quando Ronald Reagan sucedeu Carter,
mas ele só se fazia sentir na ala
direita da política.
Em 1993, quando Bill Clinton
tomou posse, o sentimento era
mais ou menos o oposto, mas
era uma sensação mais geracional do que qualquer outra coisa, e o país, que acabara de vencer uma guerra no Iraque e de
assistir ao colapso da URSS,
não estava em má forma. A natureza mesma da eleição de
2000, resolvida em favor de
Bush apenas depois de cinco
semanas, por interferência da
Suprema Corte, dificilmente
parecia servir como sinal de um
admirável mundo novo.
A transição de Obama ditou
um tom completamente diferente, e imaculado. O jantar na
segunda-feira para honrar
John McCain, o candidato derrotado no ano passado, serve
como perfeito exemplo.
Talvez haja a sensação, entre
os políticos, de que a influência
conferida a Obama por seu posto e pela internet como veículo
de divulgação seja causa de temor. Mas seu sorriso incandescente e a confiança amigável de
seus modos, a impressão de
conforto interior que ele transmite, não parecem nada assustadores. O país pode temer o
que o futuro reserva, mas Obama não parece ter medo, e esse
sentimento, pelo menos por
enquanto, é contagiante.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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