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Liberados são os outros
Há descompasso entre a ideia que os pesquisados fazem do povo brasileiro e a
imagem que têm de si mesmos em relação à sexualidade
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Na visão de 45% dos entrevistados pelo Datafolha, os brasileiros, do ponto de vista sexual, são "totalmente liberados,
abertos a qualquer experiência". Já 37% acham que, embora liberadas, as pessoas no Brasil fazem restrições a algumas
experiências.
Curiosamente, quando os
entrevistados respondem sobre eles mesmos, apenas 24%
se classificam como totalmente
liberados -ao passo que 42%
declaram ter restrições.
Para a psicanalista Maria Rita Kehl, o descompasso entre a
imagem que se tem dos outros e
a que se tem de si próprio pode
ser explicado pelo fato de a pergunta envolver uma "idealização da nacionalidade".
De forma análoga, argumenta ela, "você poderia dizer, como manda o clichê, que o brasileiro é alegre, sempre pronto a
sambar, mas ao mesmo tempo
considerar que você não é tão
alegre assim".
A ideia do brasileiro liberado
não estaria ligada necessariamente à atitude "na cama", mas
a uma certa "sociabilidade cordial" que também se manifesta
por meio do erotismo. "Aqui
não há muitas barreiras morais
no modo de olhar e vestir", diz
ela. "Somos menos codificados" -o que poderia reforçar a
imagem de liberação.
A pesquisa registrou aumento no total de pessoas que veem
os brasileiros como totalmente
liberados. Na sondagem de
1997, eram 21%, contra 45%
agora. O que mudou?
Para o também psicanalista
Contardo Calligaris, uma hipótese seria o aumento no prestígio da identidade brasileira,
que vem se tornando mais bem
vista nos últimos anos. "Os traços considerados proverbialmente positivos da identidade
nacional, como um certo tipo
de liberdade sexual, acabam
sendo valorizados."
Mas Calligaris considera que,
na vida real, a sociedade brasileira é restritiva. Nascido na
Itália, com experiência de vida
em Paris e Nova York, ele não
vê comparação entre o padrão
de liberação das grandes cidades brasileiras com o de Paris,
por exemplo.
"Não me refiro a andar de
sunga e rebolar quando toca
um samba. Isso é cultura de
praia, não é liberdade sexual. Se
compararmos São Paulo, a cidade mais avançada do país,
com Paris, mais liberada do que
Nova York ou Roma, veremos
que a sociedade urbana brasileira é cheia de restrições". diz.
Para ele, os brasileiros têm
uma relação "modesta" com a
prática da fantasia sexual. Para
explicar, faz um paralelo com a
culinária. "Muita gente acha
que ninguém bate a cozinha
brasileira por causa do picadinho com ovo a cavalo... Ora, o
picadinho pode ser ótimo, mas
é só alimentação. A cozinha começa quando a gente já renunciou ao picadinho ou o transformou em algo infinitamente
mais sofisticado." O mesmo
ocorreria no plano da fantasia.
Maria Rita Kehl discorda:
"Será que as pessoas fantasiam
menos ou estão tranquilas com
suas fantasias e não falam muito delas com analistas? É uma
possibilidade", questiona.
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