São Paulo, domingo, 21 de fevereiro de 2010

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Liberados são os outros

Há descompasso entre a ideia que os pesquisados fazem do povo brasileiro e a imagem que têm de si mesmos em relação à sexualidade

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Na visão de 45% dos entrevistados pelo Datafolha, os brasileiros, do ponto de vista sexual, são "totalmente liberados, abertos a qualquer experiência". Já 37% acham que, embora liberadas, as pessoas no Brasil fazem restrições a algumas experiências.
Curiosamente, quando os entrevistados respondem sobre eles mesmos, apenas 24% se classificam como totalmente liberados -ao passo que 42% declaram ter restrições.
Para a psicanalista Maria Rita Kehl, o descompasso entre a imagem que se tem dos outros e a que se tem de si próprio pode ser explicado pelo fato de a pergunta envolver uma "idealização da nacionalidade".
De forma análoga, argumenta ela, "você poderia dizer, como manda o clichê, que o brasileiro é alegre, sempre pronto a sambar, mas ao mesmo tempo considerar que você não é tão alegre assim".
A ideia do brasileiro liberado não estaria ligada necessariamente à atitude "na cama", mas a uma certa "sociabilidade cordial" que também se manifesta por meio do erotismo. "Aqui não há muitas barreiras morais no modo de olhar e vestir", diz ela. "Somos menos codificados" -o que poderia reforçar a imagem de liberação.
A pesquisa registrou aumento no total de pessoas que veem os brasileiros como totalmente liberados. Na sondagem de 1997, eram 21%, contra 45% agora. O que mudou?
Para o também psicanalista Contardo Calligaris, uma hipótese seria o aumento no prestígio da identidade brasileira, que vem se tornando mais bem vista nos últimos anos. "Os traços considerados proverbialmente positivos da identidade nacional, como um certo tipo de liberdade sexual, acabam sendo valorizados."
Mas Calligaris considera que, na vida real, a sociedade brasileira é restritiva. Nascido na Itália, com experiência de vida em Paris e Nova York, ele não vê comparação entre o padrão de liberação das grandes cidades brasileiras com o de Paris, por exemplo.
"Não me refiro a andar de sunga e rebolar quando toca um samba. Isso é cultura de praia, não é liberdade sexual. Se compararmos São Paulo, a cidade mais avançada do país, com Paris, mais liberada do que Nova York ou Roma, veremos que a sociedade urbana brasileira é cheia de restrições". diz.
Para ele, os brasileiros têm uma relação "modesta" com a prática da fantasia sexual. Para explicar, faz um paralelo com a culinária. "Muita gente acha que ninguém bate a cozinha brasileira por causa do picadinho com ovo a cavalo... Ora, o picadinho pode ser ótimo, mas é só alimentação. A cozinha começa quando a gente já renunciou ao picadinho ou o transformou em algo infinitamente mais sofisticado." O mesmo ocorreria no plano da fantasia.
Maria Rita Kehl discorda: "Será que as pessoas fantasiam menos ou estão tranquilas com suas fantasias e não falam muito delas com analistas? É uma possibilidade", questiona.


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