São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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"Acho que nós somos todos judeus"

GABRIELA MONTALI
do "El País"

Bela, belíssima, maravilhosa -a vida é assim, muito melhor do que uma bicicleta nova. O que você pode fazer se está num campo de concentração, quietinho e calado dentro de uma caixa de madeira na qual seu pai (no filme) o escondeu, mandando você não se mexer até que ele volte?
Mas seu pai não volta. Ele é Roberto Benigni, protagonista e diretor de "A Vida É Bela", um filme sobre o Holocausto que fez todas as platéias americanas rir e chorar.
O pai do menino Giosué não volta, mas mesmo assim a vida é muito bela, livre como o vento, imprevisível como as nuvens. É assim que a vê o poético protagonista do filme do momento, Giorgio Cantarini, que tem 6 anos de idade e vive em Montefiascone, às margens do lago de Bolsena, um lugar que até agora era conhecido quase exclusivamente pelo vinho que produz.
Agora quem vai a Montefiascone pede para conhecer o "filho" de Benigni, descrito pelo jornal "The New York Times" como "o mais cativante ator mirim do mundo".
Que a vida era bela, muito bela, o pequeno Giorgio Cantarini já sabia antes de conhecer o comediante toscano, a quem, apesar disso, deve sua enorme e mágica popularidade. Ele aprendeu essa verdade mais ou menos no mesmo dia em que nasceu e, quase a seguir, viu-se aninhado nos braços seguros de seus pais e de seu mítico avô Olindo, tão alto e sábio como o avô de Heidi (do livro infantil "Heidi").
"Giorgio se abre comigo como com um amigo", conta Olindo, pai da mãe de Giorgio, Gianna. "Na realidade meu neto é um rapazinho misterioso, difícil de entender", revela.
"É preciso ter paciência com ele, compreender que a fama chegou de repente e o afastou de todos seus hábitos, o colocou diante de dúvidas complicadas demais para um menino de 6 anos que mal consegue ler."
"Como é tímido, mas também muito orgulhoso, meu neto se faz de durão, desdenha as pessoas que lhe fazem muitas perguntas. Outro dia ele me veio com o seguinte: "Vovô, você acredita que os meninos de minha classe não gostam de ver as coxas das mulheres? Já eu, quando vejo as pernas das meninas da minha classe por baixo da carteira, sinto uma coisa que mexe dentro da minha barriga". "
Olindo prossegue com um sorriso: "Sou alto e grande, mas às vezes ainda caio nas provocações do meu neto. Conheço bem o Giorgetto, essa peste, e sei que ele só faz isso para chamar minha atenção. Quando ele quer o carinho de alguém só para ele, decola nas invenções e exagera suas fantasias ao infinito. Ninguém pode com ele".
"Quem será esse tal de Leonardo DiCaprio?", perguntou Giorgio a sua namoradinha, Sara, que tem sua idade e, como tantas outras meninas, é fã do astro de "Titanic". "Eu convido esse ator a vir em casa todos os domingos", afirma, descarado, "e ele come comigo a rabanada de pão tostado com alho e azeite que meu avô faz para mim com o pão da minha avó".
Mais ainda: se alguém lhe pergunta se ele ficou com medo na cena em que se vê diante de um tanque de verdade, ele responde em tom cômico de desdém, como um adulto que já viu de tudo na vida: "Quer que eu lhe conte uma coisa? Eu sabia que quem estava dentro do tanque era Aron, aquele americano que olhava para mim o tempo todo e que me pegou no colo. Sempre me perguntam o que eu acho dos judeus, o que eu faria se houvesse um judeu na minha sala. Acho que na realidade nós, na escola, somos todos judeus. As pessoas dessa religião, como os campos de concentração, parecem dinossauros, quer dizer, não existem mais, se extinguiram há anos. Sei disso porque vi "Parque dos Dinossauros". Esse é um dos meus filmes favoritos".


Tradução de Clara Allain


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