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"Acho que nós somos todos judeus"
GABRIELA MONTALI
do "El País"
Bela, belíssima, maravilhosa -a
vida é assim, muito melhor do que
uma bicicleta nova. O que você pode fazer se está num campo de concentração, quietinho e calado dentro de uma caixa de madeira na
qual seu pai (no filme) o escondeu,
mandando você não se mexer até
que ele volte?
Mas seu pai não volta. Ele é Roberto Benigni, protagonista e diretor de "A Vida É Bela", um filme
sobre o Holocausto que fez todas
as platéias americanas rir e chorar.
O pai do menino Giosué não volta, mas mesmo assim a vida é muito bela, livre como o vento, imprevisível como as nuvens. É assim
que a vê o poético protagonista do
filme do momento, Giorgio Cantarini, que tem 6 anos de idade e vive
em Montefiascone, às margens do
lago de Bolsena, um lugar que até
agora era conhecido quase exclusivamente pelo vinho que produz.
Agora quem vai a Montefiascone
pede para conhecer o "filho" de
Benigni, descrito pelo jornal "The
New York Times" como "o mais
cativante ator mirim do mundo".
Que a vida era bela, muito bela, o
pequeno Giorgio Cantarini já sabia
antes de conhecer o comediante
toscano, a quem, apesar disso, deve sua enorme e mágica popularidade. Ele aprendeu essa verdade
mais ou menos no mesmo dia em
que nasceu e, quase a seguir, viu-se
aninhado nos braços seguros de
seus pais e de seu mítico avô Olindo, tão alto e sábio como o avô de
Heidi (do livro infantil "Heidi").
"Giorgio se abre comigo como
com um amigo", conta Olindo, pai
da mãe de Giorgio, Gianna. "Na
realidade meu neto é um rapazinho misterioso, difícil de entender", revela.
"É preciso ter paciência com ele,
compreender que a fama chegou
de repente e o afastou de todos
seus hábitos, o colocou diante de
dúvidas complicadas demais para
um menino de 6 anos que mal consegue ler."
"Como é tímido, mas também
muito orgulhoso, meu neto se faz
de durão, desdenha as pessoas que
lhe fazem muitas perguntas. Outro
dia ele me veio com o seguinte:
"Vovô, você acredita que os meninos de minha classe não gostam de
ver as coxas das mulheres? Já eu,
quando vejo as pernas das meninas da minha classe por baixo da
carteira, sinto uma coisa que mexe
dentro da minha barriga". "
Olindo prossegue com um sorriso: "Sou alto e grande, mas às vezes
ainda caio nas provocações do
meu neto. Conheço bem o Giorgetto, essa peste, e sei que ele só faz
isso para chamar minha atenção.
Quando ele quer o carinho de alguém só para ele, decola nas invenções e exagera suas fantasias ao infinito. Ninguém pode com ele".
"Quem será esse tal de Leonardo
DiCaprio?", perguntou Giorgio a
sua namoradinha, Sara, que tem
sua idade e, como tantas outras
meninas, é fã do astro de "Titanic".
"Eu convido esse ator a vir em casa
todos os domingos", afirma, descarado, "e ele come comigo a rabanada de pão tostado com alho e
azeite que meu avô faz para mim
com o pão da minha avó".
Mais ainda: se alguém lhe pergunta se ele ficou com medo na cena em que se vê diante de um tanque de verdade, ele responde em
tom cômico de desdém, como um
adulto que já viu de tudo na vida:
"Quer que eu lhe conte uma coisa?
Eu sabia que quem estava dentro
do tanque era Aron, aquele americano que olhava para mim o tempo
todo e que me pegou no colo. Sempre me perguntam o que eu acho
dos judeus, o que eu faria se houvesse um judeu na minha sala.
Acho que na realidade nós, na escola, somos todos judeus. As pessoas dessa religião, como os campos de concentração, parecem dinossauros, quer dizer, não existem
mais, se extinguiram há anos. Sei
disso porque vi "Parque dos Dinossauros". Esse é um dos meus filmes
favoritos".
Tradução de
Clara Allain
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