São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2010

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Arquitetura de prédios mudos

A simplicidade da arquitetura moderna cedeu lugar a prédios cada vez mais "modernosos", ornamentados e reluzentes

da Sucursal de Brasília

Não observastes, passeando nessa cidade, que entre os edifícios que a povoam alguns são mudos, outros falam e outros ainda, mais raros, cantam?" Com a citação de Paul Valéry, o professor de arquitetura da UnB (Universidade de Brasília) Matheus Gorovitz explica como vê grande parte dos novos prédios construídos em Brasília: cada vez mais mudos.
A transformação mais fácil de captar está nos revestimentos, na onda crescente de ornamentações e utilização irrestrita de materiais como vidros espelhados, granitos e pastilhas brilhantes -que contrastam com a simplicidade dos primeiros edifícios, erguidos num momento em que a arquitetura brasileira festejava os traços do modernismo.
A qualidade ambiental também mudou, com redução significativa do tamanho e da ventilação dos apartamentos.
Legalmente permitidas hoje, essas transformações se chocam, porém, com o Código de Obras da cidade em 1960. A norma era muito clara: as edificações deveriam visar o conforto, ter formas simples, além de sobriedade no uso de elementos e materiais diferentes.
Marcílio Mendes Ferreira, também professor de arquitetura da UnB e autor de vários prédios residenciais da cidade na década de 70, chama de "retrocesso" os atuais projetos que partem para um certo decorativismo "bobo" como forma de superar deficiências no projeto: "Antes a gente tirava partido dos elementos construtivos plasticamente. Agora eles criam faixas de pintura".
Apesar de conviver com essa "arquitetura bastarda" nas últimas décadas, que desconsidera importantes referências, Brasília ainda é uma cidade moderna, ao valorizar a presença do indivíduo, defende Gorovitz. "Lucio Costa pensou a dimensão do indivíduo no desenho da cidade não só atribuindo áreas de uso do indivíduo, mas porque ele propôs a cidade como uma manifestação estética. E a obra de arte foi feita para você se encontrar", diz.
"O Plano Piloto virou uma coisinha insignificante. O que vem depois de Niemeyer é um desastre. O pior da arquitetura está sendo praticado em Brasília. O plano urbano resiste como exemplo de uma época. Lucio Costa teve a sapiência de colocar árvores nas superquadras para não vermos o desastre. Brasília virou o principal canteiro do pós-modernismo caboclo. A cidade mais moderna do Brasil virou o templo do kitsch", sentencia o arquiteto e antropólogo Lauro Cavalcanti.

Prédios "modernosos"
"É moderno, sim, só que modernoso. Moderno de qualidade questionável", brinca Carlos Eduardo Comas, coordenador do Docomomo Brasil (ONG internacional que trabalha para preservar o movimento moderno na arquitetura), a respeito de alguns dos novos edifícios.
Frente ao fato de que as cidades evoluem, continua ele, é preciso haver critérios e responsabilidades para levar adiante mudanças de rumo eventualmente necessárias, tendo em visto o que é "essencial no legado fundacional".
As principais críticas dos especialistas recaem sobre as construtoras, que estariam relegando a um segundo plano os projetos arquitetônicos. Entre elas, a empresa Paulo Octávio, responsável por 38 mil imóveis nos últimos 35 anos e, como diz o nome, do ex-vice-governador e ex-secretário de desenvolvimento econômico do DF.
Ricardo Cerqueira, gerente de incorporações do grupo, dá algumas explicações para a mudança nos projetos: surgimento de novos materiais, custo alto da terra, mudanças nas demandas de espaço. Para ele, a arquitetura praticada atualmente -retirados alguns excessos de ornamentação- é "uma evolução do modernismo", que acompanha tendências de evolução e o gosto do cliente. (JN)


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