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Arquitetura de prédios mudos
A simplicidade da arquitetura moderna cedeu lugar a prédios cada vez mais "modernosos", ornamentados
e reluzentes
da Sucursal de Brasília
Não observastes, passeando
nessa cidade, que entre os edifícios que a povoam alguns são
mudos, outros falam e outros
ainda, mais raros, cantam?"
Com a citação de Paul Valéry,
o professor de arquitetura da
UnB (Universidade de Brasília) Matheus Gorovitz explica
como vê grande parte dos novos prédios construídos em
Brasília: cada vez mais mudos.
A transformação mais fácil
de captar está nos revestimentos, na onda crescente de ornamentações e utilização irrestrita de materiais como vidros espelhados, granitos e
pastilhas brilhantes -que
contrastam com a simplicidade dos primeiros edifícios, erguidos num momento em que
a arquitetura brasileira festejava os traços do modernismo.
A qualidade ambiental também mudou, com redução significativa do tamanho e da
ventilação dos apartamentos.
Legalmente permitidas hoje, essas transformações se
chocam, porém, com o Código
de Obras da cidade em 1960. A
norma era muito clara: as edificações deveriam visar o conforto, ter formas simples, além
de sobriedade no uso de elementos e materiais diferentes.
Marcílio Mendes Ferreira,
também professor de arquitetura da UnB e autor de vários
prédios residenciais da cidade
na década de 70, chama de "retrocesso" os atuais projetos
que partem para um certo decorativismo "bobo" como forma de superar deficiências no
projeto: "Antes a gente tirava
partido dos elementos construtivos plasticamente. Agora
eles criam faixas de pintura".
Apesar de conviver com essa
"arquitetura bastarda" nas últimas décadas, que desconsidera importantes referências,
Brasília ainda é uma cidade
moderna, ao valorizar a presença do indivíduo, defende Gorovitz. "Lucio Costa pensou a dimensão do indivíduo no desenho da cidade não só atribuindo áreas de uso do indivíduo,
mas porque ele propôs a cidade
como uma manifestação estética. E a obra de arte foi feita para
você se encontrar", diz.
"O Plano Piloto virou uma
coisinha insignificante. O que
vem depois de Niemeyer é um
desastre. O pior da arquitetura
está sendo praticado em Brasília. O plano urbano resiste como exemplo de uma época. Lucio Costa teve a sapiência de colocar árvores nas superquadras
para não vermos o desastre.
Brasília virou o principal canteiro do pós-modernismo caboclo. A cidade mais moderna
do Brasil virou o templo do
kitsch", sentencia o arquiteto e
antropólogo Lauro Cavalcanti.
Prédios "modernosos"
"É moderno, sim, só que modernoso. Moderno de qualidade questionável", brinca Carlos
Eduardo Comas, coordenador
do Docomomo Brasil (ONG internacional que trabalha para
preservar o movimento moderno na arquitetura), a respeito
de alguns dos novos edifícios.
Frente ao fato de que as cidades evoluem, continua ele, é
preciso haver critérios e responsabilidades para levar
adiante mudanças de rumo
eventualmente necessárias,
tendo em visto o que é "essencial no legado fundacional".
As principais críticas dos especialistas recaem sobre as
construtoras, que estariam relegando a um segundo plano os
projetos arquitetônicos. Entre
elas, a empresa Paulo Octávio,
responsável por 38 mil imóveis
nos últimos 35 anos e, como diz
o nome, do ex-vice-governador
e ex-secretário de desenvolvimento econômico do DF.
Ricardo Cerqueira, gerente
de incorporações do grupo, dá
algumas explicações para a mudança nos projetos: surgimento
de novos materiais, custo alto
da terra, mudanças nas demandas de espaço. Para ele, a arquitetura praticada atualmente
-retirados alguns excessos de
ornamentação- é "uma evolução do modernismo", que
acompanha tendências de evolução e o gosto do cliente.
(JN)
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