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MEMÓRIA
Os paulistas desconfiavam
por JOSÉ HAMILTON RIBEIRO
especial para a Folha
Alguns círculos em São Paulo
não acreditavam em Brasília.
"Uma capital naquele sertão?!
O Rio vai aceitar?! Os políticos
vão deixar? Quá!..."
Com o começo das obras, porém, Brasília tornou-se assunto
obrigatório nos jornais. A missão de um "enviado especial" ao
futuro DF envolvia um pouco
de aventura, de descoberta, até
um certo risco.
Talvez tenha sido por isso
que a Folha, então "Folha da
Manhã", me mandou, entre
1957 e 1958, pelo menos três
vezes a Brasília. (Em 1957, com
21 anos, eu já era repórter, mas
ainda estava na faculdade.)
A primeira foi em março de
1957. Hoje parece ingênuo,
mas o que a gente viu foi de assombrar. Cidade Livre, um núcleo para onde corriam todos
os que chegavam a Brasília sem
contato oficial, estava fazendo
18 dias. 18 dias! E já tinha tudo
de madeira, praticamente feito
à mão: dois hotéis, duas agências de banco, cinco bares, três
restaurantes e uma loja (Olha a
manchete!) que vendia fogão a
gás e colchão de mola!
Mesmo nas obras de empreiteiras, os "candangos" batalhavam como se fosse para eles.
Um que estava pondo asfalto
na pista do aeroporto me disse
que trabalhava "até quando dá,
antes que o sol se ponha e depois que a chuva para". (Aquele
março foi muito chuvoso.) Um
outro, de tarefa na futura avenida dos ministérios, parou um
pouco o serviço, me levou a um
ponto no terreno, cheio de macega do cerrado e um tronco
caído, para dizer: "Aqui é que
vamos construir a catedral!".
As notícias eram atordoantes: 800 caminhões chegam a
Brasília em algumas horas com
material de construção; uma
siderúrgica mineira garantiu o
fornecimento, no canteiro de
obras, de uma tonelada de ferro
por hora; já estão no porto do
Rio as estruturas metálicas para fazer os ministérios; mais de
20 ônibus estão encalhados na
estrada Goiânia/Brasília (um
percurso de cerca de 100 km
que se fazia em 7/8 horas).
Nesse março de 1957, Brasília tinha 2.500 pessoas (mil
contratados pela Novacap e
1.500 na Cidade Livre). A segunda viagem foi em maio de
1957, por ocasião da 1ª missa,
assistida já por cerca de 15 mil
pessoas. No sermão, o arcebispo de São Paulo, d. Carlos Mota, disse que foi preciso um médico (Juscelino) para consertar
o Brasil, que estava com o coração fora do lugar, "muito para
baixo". JK afirmou que aquele
era o dia da "Ressurreição da
Esperança". E um grupo de xavantes, pintados e cheios de enfeites, ficou no fim sem entender. É que as pessoas, na saída,
pegavam dos índios (sem pagar) colares, artefatos de pena,
arcos e flechas, pensando que
fosse brinde...
A terceira viagem -agosto de
1958, Brasília já com 45 mil
pessoas- foi num contexto especial. Havia recém saído o primeiro veículo produzido no
Brasil, o jipe "Candango", da
DKW-Vemag. A Folha propôs-se transformar aquele jipe em
carro de reportagem e percorrer com ele 25 mil km de estradas brasileiras, do norte ao sul.
Três repórteres participaram
da empreitada, cabendo a mim
o Centro-Oeste. Nessa época, o
Palácio da Alvorada já estava
pronto, Brasília, há dois anos
do início das obras, já era uma
"cidade de fato"; cheia de problemas e embaraços, mas volta
não tinha mais. Em entrevista,
que ele próprio lembrou tratar-se da primeira entrevista exclusiva de um presidente na
nova capital, JK, eufórico (ele
não se incomodava com as críticas nem dava atenção aos língua preta), disse que o Brasil tinha atingido o "plano inclinado
que o levará à prosperidade e
força alguma jamais o deterá".
Deu uma informação: o Brasil tinha, em 1958, 300 mil funcionários federais, 76,7% (ou
230 mil) numa única cidade, o
Rio, e só 23,3% para o resto do
país. Isso criava uma distorção
que governo algum poderia
corrigir, a não ser mudando a
capital. Grande JK!
(Dia desses, fazendo uma reportagem para a TV, fiquei sabendo que um órgão do Ministério do Meio Ambiente, com
tanto a fazer por lá, tinha menos de cinco funcionários no
Pantanal. Já na agência de Brasília, mais de mil, até com salão
de beleza. Será que está começando tudo de novo?).
JOSÉ HAMILTON RIBEIRO é repórter especial
do programa "Globo Rural". Ganhou sete vezes o
Prêmio Esso de Jornalismo e é autor de "O Gosto
da Guerra" (Objetiva), entre outros livros.
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