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VOZ DO MORADOR
Corretor só quer mais prédios longe de sua casa
Morador da Vila Formosa, Claudio Borrero comemora a proliferação de torres para seu negócio, mas
teme que acabem com seu sossego
Alex Almeida/Folha Imagem
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Borrero, que em 1961 veio de Sorocaba para a zona leste
WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Atrás de sua mesa de fórmica
bege, com ralos cabelos penteados para trás, camisa abotoada
até o colarinho e dois anéis quadrados de formatura na mão esquerda, Claudio Gonçales Borrero, 67, lembra um advogado.
Mas ele é também um filósofo
das torres. E elas o preocupam.
Pois ele vive na mesma zona
leste onde elas crescem ameaçando o sossego, da mesma forma que garantem o gordo futuro que vê pelas paredes de vidro
da sua imobiliária Já-Lucrei.
São elas, as torres, que "explodem por todos os lados" na
região do Tatuapé, com suas
centenas de apartamentos, carros e moradores, que garantem
a demanda por serviços de comércio; e logo por suas salas comerciais. "Cada torre de 20 andares com dois apartamentos
traz 40 famílias de até quatro
pessoas. E cada monstro desse
precisa de pet shop, cabeleireiro, padaria." Assim, Borrero está sempre atrasado, pasta sob o
braço, "para o compromisso
com um cliente sério".
O que não o impede de assumir um tom crítico, jocoso, sobre a fama da região do Tatuapé
em tempos de boom imobiliário. "O Anália Franco virou um
bairro de elite por causa disso, e
o tal Alto Tatuapé, que, para
mim, é um modismo imobiliário, idem. Eles juntam três ou
quatro casas e levantam uma e
outra torre imensa".
Mas Borrero não tem muito
do que reclamar. Enquanto o
Tatuapé, onde trabalha, não
pára de crescer para cima (garantindo seu negócio), a rua onde mora na Vila Formosa está
longe do recente paraíso das
torres das construtoras. "Graças a Deus. E acho que não chego a ver torres por lá."
Claro, onde hoje há o supermercado antes tinha um galpão
e no lugar da farmácia havia um
salão vazio. "E já tem sobrado
valendo R$ 500 mil", diz baixinho, para não atrair especuladores. "Mas no fim a valorização imobiliária é que seleciona
o tipo e o modo de vida da região", filosofa. Bom para ele.
Só havia um prédio
Faz mais de 40 anos que Borrero observa a região com olhos
pequenos. Neto de espanhol
dos dois lados, ele veio morar
em São Paulo em 1961. O pai,
comerciante aposentado, seguiu os três irmãos na mudança
de Sorocaba para a Vila Formosa. Mas decidiu parar antes, no
Tatuapé, "que era um bairro
distante, com lotes grandes, a
preço bom. Para ter idéia, lembro de um só prédio na região."
Daí decidiu abrir a Já-Lucrei,
em 1968. "Na época, ninguém
queria vir morar por aqui", diz
Borrero, rindo da própria memória. "O Tatuapé era um bairro com plantações de caqui. Para atravessar a rua, tinha que
pisar no barro. Se chovia, só se
andava a pé. Não tinha nada de
Alto Tatuapé naquele tempo."
Tempo em que não locava
apartamentos, mas casas térreas, dessas com quintal -a
maioria, diz, feita por imigrantes portugueses, espanhóis, italianos. "A filosofia do imigrante era ter bens de raiz, e eles investiam em casas para poder
alugar. Bom para mim", diz,
sorrindo, ao apertar uma tecla
do computador e abrir um arquivo com os nomes dos clientes: Teixeira, Alves Rodrigues,
Lopes Covos. "Já estou na terceira geração, alugando para os
netos dos primeiros clientes."
Pois o tempo passou e os pés
de caqui deram lugar a um distrito de classe média e média
alta, onde as pessoas vivem em
apartamentos e dirigem seus
carros entre buzinaços do trânsito caótico. "Há um ano ainda
se andava por aqui", diz Borrero, de pé na esquina. "Mas em
coisa de um ano parou tudo."
Às 16h de uma terça, quatro filas de carros disputam espaço
em frente à imobiliária, no local que moradores chamam de
"cruzamento da morte".
Mas a região ainda é bem segura, diz. "Roubo de carro tem
muito, mas são crimes sem violência" -para isso, sua filosofia
é pôr tudo no seguro. "Todos os
meus carros têm travas e estão
no seguro, assim como o carro
dos meus filhos (casado, ele
tem cinco filhos e oito netos).
Para ter idéia, tenho seguro até
nos vidros da imobiliária."
Católico de formação e espírita por admiração, Borrero é
desses moradores da zona leste
cheios de fidelidade; primeiro,
pelo bairro, que ele "não deixaria de jeito maneira", pois tem
"raízes de que não se pode jamais abrir mão"; segundo, pelo
Corinthians (é sócio remido do
clube); e, terceiro, pelos amigos, como o dono da padaria
Lisboa, na praça Silvio Romero, onde compra "o melhor pão
italiano do Tatuapé". Coisas
-filosofa-, que não morrem, "que não mudam; independentemente de qualquer torre".
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