São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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VOZ DO MORADOR

Corretor só quer mais prédios longe de sua casa

Morador da Vila Formosa, Claudio Borrero comemora a proliferação de torres para seu negócio, mas teme que acabem com seu sossego

Alex Almeida/Folha Imagem
Borrero, que em 1961 veio de Sorocaba para a zona leste

WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Atrás de sua mesa de fórmica bege, com ralos cabelos penteados para trás, camisa abotoada até o colarinho e dois anéis quadrados de formatura na mão esquerda, Claudio Gonçales Borrero, 67, lembra um advogado. Mas ele é também um filósofo das torres. E elas o preocupam. Pois ele vive na mesma zona leste onde elas crescem ameaçando o sossego, da mesma forma que garantem o gordo futuro que vê pelas paredes de vidro da sua imobiliária Já-Lucrei.
São elas, as torres, que "explodem por todos os lados" na região do Tatuapé, com suas centenas de apartamentos, carros e moradores, que garantem a demanda por serviços de comércio; e logo por suas salas comerciais. "Cada torre de 20 andares com dois apartamentos traz 40 famílias de até quatro pessoas. E cada monstro desse precisa de pet shop, cabeleireiro, padaria." Assim, Borrero está sempre atrasado, pasta sob o braço, "para o compromisso com um cliente sério".
O que não o impede de assumir um tom crítico, jocoso, sobre a fama da região do Tatuapé em tempos de boom imobiliário. "O Anália Franco virou um bairro de elite por causa disso, e o tal Alto Tatuapé, que, para mim, é um modismo imobiliário, idem. Eles juntam três ou quatro casas e levantam uma e outra torre imensa".
Mas Borrero não tem muito do que reclamar. Enquanto o Tatuapé, onde trabalha, não pára de crescer para cima (garantindo seu negócio), a rua onde mora na Vila Formosa está longe do recente paraíso das torres das construtoras. "Graças a Deus. E acho que não chego a ver torres por lá."
Claro, onde hoje há o supermercado antes tinha um galpão e no lugar da farmácia havia um salão vazio. "E já tem sobrado valendo R$ 500 mil", diz baixinho, para não atrair especuladores. "Mas no fim a valorização imobiliária é que seleciona o tipo e o modo de vida da região", filosofa. Bom para ele.

Só havia um prédio
Faz mais de 40 anos que Borrero observa a região com olhos pequenos. Neto de espanhol dos dois lados, ele veio morar em São Paulo em 1961. O pai, comerciante aposentado, seguiu os três irmãos na mudança de Sorocaba para a Vila Formosa. Mas decidiu parar antes, no Tatuapé, "que era um bairro distante, com lotes grandes, a preço bom. Para ter idéia, lembro de um só prédio na região."
Daí decidiu abrir a Já-Lucrei, em 1968. "Na época, ninguém queria vir morar por aqui", diz Borrero, rindo da própria memória. "O Tatuapé era um bairro com plantações de caqui. Para atravessar a rua, tinha que pisar no barro. Se chovia, só se andava a pé. Não tinha nada de Alto Tatuapé naquele tempo."
Tempo em que não locava apartamentos, mas casas térreas, dessas com quintal -a maioria, diz, feita por imigrantes portugueses, espanhóis, italianos. "A filosofia do imigrante era ter bens de raiz, e eles investiam em casas para poder alugar. Bom para mim", diz, sorrindo, ao apertar uma tecla do computador e abrir um arquivo com os nomes dos clientes: Teixeira, Alves Rodrigues, Lopes Covos. "Já estou na terceira geração, alugando para os netos dos primeiros clientes."
Pois o tempo passou e os pés de caqui deram lugar a um distrito de classe média e média alta, onde as pessoas vivem em apartamentos e dirigem seus carros entre buzinaços do trânsito caótico. "Há um ano ainda se andava por aqui", diz Borrero, de pé na esquina. "Mas em coisa de um ano parou tudo." Às 16h de uma terça, quatro filas de carros disputam espaço em frente à imobiliária, no local que moradores chamam de "cruzamento da morte".
Mas a região ainda é bem segura, diz. "Roubo de carro tem muito, mas são crimes sem violência" -para isso, sua filosofia é pôr tudo no seguro. "Todos os meus carros têm travas e estão no seguro, assim como o carro dos meus filhos (casado, ele tem cinco filhos e oito netos). Para ter idéia, tenho seguro até nos vidros da imobiliária."
Católico de formação e espírita por admiração, Borrero é desses moradores da zona leste cheios de fidelidade; primeiro, pelo bairro, que ele "não deixaria de jeito maneira", pois tem "raízes de que não se pode jamais abrir mão"; segundo, pelo Corinthians (é sócio remido do clube); e, terceiro, pelos amigos, como o dono da padaria Lisboa, na praça Silvio Romero, onde compra "o melhor pão italiano do Tatuapé". Coisas -filosofa-, que não morrem, "que não mudam; independentemente de qualquer torre".


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