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"País precisa de caminho sustentável"
VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
Ainda no final da manhã de ontem, antes da notícia da renúncia
de Fernando De la Rúa, o presidente Fernando Henrique Cardoso disse à Folha que a Argentina
havia chegado a um "impasse institucional" e sugeriu, sem citar diretamente a política de câmbio fixo, que o país precisava encontrar
um "caminho sustentável".
"Qualquer que seja o caminho,
que ela [Argentina" tome um caminho. Que esse caminho seja
sustentável. Quando as questões
saem do âmbito dos mercados
para pegar a sociedade e, em seguida, a questão institucional, é
preciso ter uma ação rápida. Posso dizer isso porque estou governando há sete anos e nunca deixei
que isso acontecesse", disse FHC
antes de embarcar para Montevidéu para a reunião do Mercosul.
Com o semblante preocupado,
FHC recebeu a Folha no Palácio
da Alvorada às 11h20 da manhã,
50 minutos depois do horário
previsto. "Desculpem-me, foi a
Argentina", disse ao entrar.
Ao longo da conversa, que durou uma hora e meia, o presidente
foi interrompido cinco vezes por
assessores. Sempre para atender
telefonemas referentes à crise argentina, o que fez reservadamente. Ao voltar à sala numa das vezes, FHC disse: "Parece que atacaram a casa da filha do De la Rúa".
O presidente fez questão de frisar que não acredita na contaminação do Brasil pela crise do país
vizinho. "O Brasil não só se descolou da Argentina como tem fundamentos econômicos bons."
Questionado se o encontro de
Montevidéu seria o "réquiem"
(parte da cerimônia dos mortos,
na liturgia católica) do Mercosul,
FHC, então mais relaxado, reagiu
com bom humor: "Não acredito.
O réquiem ia ser [na última reunião] em Assunção, nós fomos lá
e fizemos um "te Deum" [cântico
em ação de graças]. Vamos fazer
outro", disse, sorrindo.
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - À crise econômica argentina se agregou uma crise social explosiva que evoluiu para um impasse institucional.
Fernando Henrique Cardoso - É
isso. Esse processo entra numa dinâmica muito rápida. As coisas
mudam de minuto para minuto,
de hora para hora. Mas eu não
quero me antecipar.
Para nós, brasileiros, interessa
que a Argentina resolva seus problemas o mais depressa possível.
Qualquer que seja o caminho que
ela tome, que tome um caminho.
Que esse caminho seja sustentável. Economicamente, politicamente e socialmente.
Quando as questões saem do
âmbito dos mercados para pegar
a sociedade e, por consequência,
em seguida a questão institucional, é preciso ter uma ação rápida.
Precisa de ação rápida. Eu posso
dizer isso porque eu estou governando há sete anos. Nunca deixei
que isso acontecesse.
Folha - Que avaliação o sr. faz da
crise argentina?
FHC - A Argentina está se deblaterando há muito tempo porque
não consegue equacionar o problema de seu crescimento. Há
problemas de produtividade, o
país precisa de investimentos para melhoria do parque produtivo,
existem problemas fiscais, problemas sobretudo nas províncias.
É claro que existe também a
questão do câmbio. São questões
que não podem ser decididas do
exterior, e não cabe ao Brasil estar
opinando sobre o que fazer lá.
Folha - O modelo argentino de
ajuste liberal era tido como paradigma na América Latina há alguns
anos. Deu nisso. O país errou na
aposta que fez? Até como intelectual, como o sr. vê esse processo?
FHC - Eu não diria que foi um erro. A história é dinâmica. Ela muda. Se você ficar fixado num ponto, ate intelectualmente, você deixa de entender o processo. O que
é certo hoje pode ser errado amanhã. Dilthey [Wilhem Dilthey
(1833-1911), filósofo alemão, autor de "A Construção do Mundo
Histórico nas Ciências do Espírito"" fazia a famosa separação entre as ciências históricas e naturais. Nas ciências históricas, os
conceitos são historicamente referidos, estruturalmente referidos. Então, não é que o modelo tenha sido errado, teve efeitos positivos num dado momento. Talvez
pudesse ter sido mudado.
Folha - A queda do dólar é um sinalizador definitivo de que o Brasil
descolou da Argentina na percepção internacional?
FHC - Não só se descolou da Argentina como teve fundamentos
econômicos bons neste ano.
Folha - Como a crise na Argentina
afeta o Mercosul?
FHC - Essa crise encaminha o
Mercosul, porque não dava para
ficar do jeito que estava. Agora,
vamos ter uma coisa mais clara,
suponho eu, porque a Argentina
vai ter de resolver seus problemas.
Folha - A reunião pode se transformar no réquiem do Mercosul?
FHC - Não acredito, não. O réquiem ia ser em Assunção, nós fomos lá e fizemos um "te Deum"
(cântico em ação de graças). Vamos fazer outro "te Deum".
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