São Paulo, sexta-feira, 21 de dezembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"País precisa de caminho sustentável"

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL

Ainda no final da manhã de ontem, antes da notícia da renúncia de Fernando De la Rúa, o presidente Fernando Henrique Cardoso disse à Folha que a Argentina havia chegado a um "impasse institucional" e sugeriu, sem citar diretamente a política de câmbio fixo, que o país precisava encontrar um "caminho sustentável".
"Qualquer que seja o caminho, que ela [Argentina" tome um caminho. Que esse caminho seja sustentável. Quando as questões saem do âmbito dos mercados para pegar a sociedade e, em seguida, a questão institucional, é preciso ter uma ação rápida. Posso dizer isso porque estou governando há sete anos e nunca deixei que isso acontecesse", disse FHC antes de embarcar para Montevidéu para a reunião do Mercosul.
Com o semblante preocupado, FHC recebeu a Folha no Palácio da Alvorada às 11h20 da manhã, 50 minutos depois do horário previsto. "Desculpem-me, foi a Argentina", disse ao entrar.
Ao longo da conversa, que durou uma hora e meia, o presidente foi interrompido cinco vezes por assessores. Sempre para atender telefonemas referentes à crise argentina, o que fez reservadamente. Ao voltar à sala numa das vezes, FHC disse: "Parece que atacaram a casa da filha do De la Rúa".
O presidente fez questão de frisar que não acredita na contaminação do Brasil pela crise do país vizinho. "O Brasil não só se descolou da Argentina como tem fundamentos econômicos bons."
Questionado se o encontro de Montevidéu seria o "réquiem" (parte da cerimônia dos mortos, na liturgia católica) do Mercosul, FHC, então mais relaxado, reagiu com bom humor: "Não acredito. O réquiem ia ser [na última reunião] em Assunção, nós fomos lá e fizemos um "te Deum" [cântico em ação de graças]. Vamos fazer outro", disse, sorrindo.
A seguir, trechos da entrevista.

Folha - À crise econômica argentina se agregou uma crise social explosiva que evoluiu para um impasse institucional.
Fernando Henrique Cardoso -
É isso. Esse processo entra numa dinâmica muito rápida. As coisas mudam de minuto para minuto, de hora para hora. Mas eu não quero me antecipar.
Para nós, brasileiros, interessa que a Argentina resolva seus problemas o mais depressa possível. Qualquer que seja o caminho que ela tome, que tome um caminho. Que esse caminho seja sustentável. Economicamente, politicamente e socialmente.
Quando as questões saem do âmbito dos mercados para pegar a sociedade e, por consequência, em seguida a questão institucional, é preciso ter uma ação rápida. Precisa de ação rápida. Eu posso dizer isso porque eu estou governando há sete anos. Nunca deixei que isso acontecesse.

Folha - Que avaliação o sr. faz da crise argentina?
FHC -
A Argentina está se deblaterando há muito tempo porque não consegue equacionar o problema de seu crescimento. Há problemas de produtividade, o país precisa de investimentos para melhoria do parque produtivo, existem problemas fiscais, problemas sobretudo nas províncias.
É claro que existe também a questão do câmbio. São questões que não podem ser decididas do exterior, e não cabe ao Brasil estar opinando sobre o que fazer lá.

Folha - O modelo argentino de ajuste liberal era tido como paradigma na América Latina há alguns anos. Deu nisso. O país errou na aposta que fez? Até como intelectual, como o sr. vê esse processo?
FHC -
Eu não diria que foi um erro. A história é dinâmica. Ela muda. Se você ficar fixado num ponto, ate intelectualmente, você deixa de entender o processo. O que é certo hoje pode ser errado amanhã. Dilthey [Wilhem Dilthey (1833-1911), filósofo alemão, autor de "A Construção do Mundo Histórico nas Ciências do Espírito"" fazia a famosa separação entre as ciências históricas e naturais. Nas ciências históricas, os conceitos são historicamente referidos, estruturalmente referidos. Então, não é que o modelo tenha sido errado, teve efeitos positivos num dado momento. Talvez pudesse ter sido mudado.

Folha - A queda do dólar é um sinalizador definitivo de que o Brasil descolou da Argentina na percepção internacional?
FHC -
Não só se descolou da Argentina como teve fundamentos econômicos bons neste ano.

Folha - Como a crise na Argentina afeta o Mercosul?
FHC -
Essa crise encaminha o Mercosul, porque não dava para ficar do jeito que estava. Agora, vamos ter uma coisa mais clara, suponho eu, porque a Argentina vai ter de resolver seus problemas.

Folha - A reunião pode se transformar no réquiem do Mercosul?
FHC -
Não acredito, não. O réquiem ia ser em Assunção, nós fomos lá e fizemos um "te Deum" (cântico em ação de graças). Vamos fazer outro "te Deum".



Texto Anterior: Fraga prefere desvalorização a dolarização
Próximo Texto: Às ruas - Clóvis Rossi: O último panelaço
Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.