São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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O petróleo é da nação

DA REPORTAGEM LOCAL

Cinqüenta anos depois da morte de Getúlio Vargas, a Petrobras ainda é a referência da polêmica, hoje residual, sobre a questão da soberania nacional. O órgão centralizou os conflitos entre "nacionalistas" e "entreguistas" nas décadas de 40 e 50, na campanha sob o lema "O petróleo é nosso".
O nacionalismo sustentou a industrialização por meio da intervenção estatal na economia. A resistência ao projeto nacional-desenvolvimentista e trabalhista está inscrita na carta-testamento de Getúlio, que aponta uma "campanha subterrânea dos grupos internacionais", aliados a "grupos nacionais revoltados contra o regime da garantia do trabalho".
"À distância, transparece que Getúlio foi o maior estadista da história brasileira. Soube encarnar os projetos nacionais. Soube projetar uma inserção internacional importante do Brasil", diz Emir Sader, professor de sociologia da USP (Universidade de São Paulo) e da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). "Com Getúlio, o Estado assumiu um projeto nacional. A Petrobras e o BNDES estão hoje na contramão, atrapalham o modelo de internacionalização predominante, molestam o projeto de liberalização da economia", diz Sader.
"A característica central do legado de Vargas é uma ruptura com a Velha República, precedida por uma formulação ideológica: a figura do "Brasil capaz"", diz Darc Costa, vice-presidente do BNDES e ex-coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra. "Por trás da Revolução de 30, havia a idéia de que o Brasil só poderia se modernizar se tivesse indústria. O projeto de Getúlio se firmou no tripé industrialização, urbanização e integração nacional, decorrente da Coluna Prestes", diz Costa.
A Companhia Siderúrgica Nacional (1941), exemplo da intervenção do Estado na economia, surge para garantir o desenvolvimento econômico e a soberania nacional. O Conselho Nacional do Petróleo, criado em 1938, primeira iniciativa para regular o setor, com a nacionalização das atividades das pequenas refinarias, foi uma vitória das posições nacionalistas de segmentos militares.
"Vargas olhava para a Alemanha, uma nação então forte e industrializada. Cria instituições, empresas e empregos, mas faz uma modernização direcionada, conservadora. Faz acordos com empresários, nem pensa em distribuir rendas", diz a historiadora Maria Tucci Carneiro, da USP.
A política cultural, por sua vez, era marcada pela busca de uma identidade nacional. "No Estado Novo, a cultura seria o cerne da nacionalidade. Entendia-se que não seria possível reconstruir uma nacionalidade sem ter como base a cultura", diz a socióloga Lúcia Maria Lippi Oliveira, pesquisadora sênior do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas). "O Ministério da Educação é uma peça fundamental no processo que os intelectuais da época chamavam de cultura política", diz Oliveira.
A organização do Estado nacional era acompanhada, no campo social, pela legislação trabalhista, pela valorização da escola pública e pela formação da burocracia, com a criação do Dasp (Departamento Administrativo do Serviço Público), em 1938. "O estabelecimento dos direitos básicos de trabalho foi uma resposta à urbanização, à industrialização, num período de crescimento econômico orientado para o mercado doméstico", diz Maria Cristina Cacciamali, professora de Economia do Trabalho e Políticas Públicas da USP. "A lição que podemos tirar é a necessidade de o país ter uma burocracia bem qualificada, capaz de elaborar e implementar o planejamento indicativo -não o planejamento interventor- e a inclusão social", diz.
O nacionalismo é considerado uma das causas da queda de Getúlio, que implantou, a partir de 1951, medidas contra os interesses estrangeiros: a criação da Petrobras e do monopólio estatal do petróleo; a legislação que restringia as remessas de lucros das empresas estrangeiras e a política de substituição de importações, taxando produtos importados que tinham similares nacionais.
"Gostemos ou não, Vargas teve um papel importante na história", diz Marieta de Moraes Ferreira, doutora em história do Brasil e diretora do CPDOC.
"A discussão do papel do Estado e de um novo projeto de nação está em pauta", afirma Moraes, ao analisar "a permanência da figura de Vargas". (Frederico Vasconcelos e Marcelo Billi)


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