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Esperança de água se torna o maior cabo eleitoral do sertão
Projeto de transposição do São Francisco mobiliza eleitores
mais até que o Bolsa Família; "vou votar na candidata do Lula , é a
Dilma, né", diz moradora de Brejo Santo , a 530 km de Fortaleza
BERNARDO MELLO FRANCO
ENVIADO ESPECIAL AO NORDESTE
Aos 36 anos, a cearense
Aparecida Martins se orgulha em exibir a televisão com
antena parabólica, comprada ano passado, mas não sabe o que é ter banheiro ou girar uma torneira em casa.
Todas as manhãs, ela caminha até o leito seco de um
rio. Some por um buraco estreito e reaparece com uma
lata de água barrenta, para
matar a sede e cozinhar.
Vive na zona rural de Brejo
Santo, a 530 km de Fortaleza.
Há duas semanas, recebeu
uma "moça da cidade", que
foi "ensinar a votar".
Analfabeta, não decorou
os números dos candidatos,
mas colou na porta um cartaz
com a foto do presidente Lula
ao lado de Dilma Rousseff e
de quatro políticos cearenses
que disse não conhecer.
"Botei só por causa do Lula", contou. "Vou votar na
candidata dele, essa mulher
aqui. É a Dilma, né?"
Aparecida vive na rota da
transposição do rio São Francisco. É a maior obra da gestão petista no Nordeste: promete levar água a 12 milhões
de sertanejos em quatro Estados (Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte),
ao custo de R$ 4,6 bilhões.
ESPERANÇA
O projeto só deve funcionar a pleno vapor em 2013,
mas criou uma onda de otimismo nas áreas mais castigadas pela seca e se transformou num poderoso cabo
eleitoral de Dilma na região.
"Nossa esperança primeiramente é Deus. Depois é essa obra do Lula", disse a paraibana Francisca de Fátima
Ramos, 47.
Ela mora num povoado rural de São José de Piranhas, a
490 km de João Pessoa. A
paisagem é marcada por casas simples, chão rachado e
nuvens de poeira. "Aqui não
adianta furar poço porque
não sai nada", contou.
Nos meses sem chuva, a
comunidade é abastecida
por um carro-pipa, que está
quebrado. A prefeitura não
providenciou o conserto, e os
moradores estão sobrevivendo graças a jegues, que carregam dois barris por vez.
Como a maioria dos conterrâneos ouvidos pela Folha na semana passada,
Francisca definiu o voto sem
saber muito sobre a candidata à Presidência.
"Aqui todo mundo é Dilma. A gente não tem conhecimento de ela ter feito alguma coisa, mas o Lula fez
muito", justificou.
Faxineira num posto de
saúde da cidade, ela repetiu
outra ideia comum na região: o medo de que a transposição fique no papel em
caso de derrota da petista:
"Se o José Serra ganhar ele
vai parar tudo, não vai?"
A esperança em ver as
águas do São Francisco no
semiárido é tão grande que
muitos sertanejos esquecem
outras vitrines do governo,
como o Bolsa Família, ao justificar o voto em Dilma.
"O dinheiro da Bolsa é
bom, mas a água é melhor.
Sem água a gente não faz nada", disse Maria Raimunda
da Silva, 56, de Brejo Santo.
A aposentada recebe R$
134 do programa, mas pertence a uma espécie de elite
local: ao contrário da vizinha
Aparecida, tem seu próprio
jegue e não precisa carregar
as latas d'água na cabeça.
"Ele é que nem um carro.
Trabalha o dia todinho e não
se enfada", contou. "O jumento é melhor que o burro.
Não reclama e dá pra botar
criança em cima."
A região em que as duas
amigas vivem foi desapropriada há três anos, mas ninguém sabe a data do despejo.
Por enquanto, Raimunda
se ocupa de brigar com o marido para frequentar um curso noturno de alfabetização,
na escola do município.
"Ele não quer que eu assine o nome, mas eu disse: "Então fique aí que eu vou". E fui
mesmo. Vai ter ciúme de uma
velha?", reclamou.
Aparecida também frequenta as aulas, enquanto os
dois filhos, por imposição do
Bolsa Família, estão matriculados na escola. "Meu pai dizia que estudo não dá futuro,
o que dá futuro é a roça. Mas
ele tava errado, né?"
Em Cabrobó (PE), que
cresceu à beira do Velho Chico e não sofre com a seca, a
transposição é popular por
outro motivo: a geração de
empregos, que segundo o governo são 9.000 no total.
O projeto prevê 622 quilômetros de canais. Os trechos
construídos, com 25 metros
de largura, já podem ser vistos em imagens de satélite.
"Desde criança eu ouvia
falar nessa obra", disse Paulo Vieira, 64, que mora numa
ilha do São Francisco. "Isso
vai acabar com os políticos
que levavam o caminhão-pipa e depois voltavam para
pedir voto no sertão."
A maré lulista isola os críticos do projeto, liderados pelo
MST e pela Comissão Pastoral da Terra. Eles alegam que
a transposição vai beneficiar
os latifundiários e que não há
garantia de que a água chegará aos mais pobres, o que é
contestado pelo governo.
Exibidas no programa de
Dilma, as imagens da obra se
multiplicam no horário eleitoral de aliados pelo Nordeste. Poucos políticos ousam
atacá-la, como o vereador cabroboense e líder indígena
Neguinho Truká.
"Sou do PT, mas discordo
radicalmente da obra", afirma. "A propaganda diz que
vai ter uma torneira em cada
casa, e a gente sabe que isso
não vai acontecer nunca."
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