|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Dinheiro privado cria unidades "de elite"
DA REPORTAGEM LOCAL
O financiamento de atividades
da Universidade de São Paulo por
fundações criou categorias diferentes de unidades, conforme o
grau de facilidade em captar recursos junto à iniciativa privada.
Quem conhece algumas salas da
FFLCH (Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas) e entra no prédio da FEA (Faculdade
de Economia, Administração e
Contabilidade) tem a impressão
de que as duas unidades pertencem a diferentes universidades.
Na filosofia, os bancos das salas
de aula são de madeira, os móveis
são antigos e os quadros negros
têm posição de destaque. Na economia, as salas têm cadeiras estofadas, há retroprojetores, móveis
novos, um sistema central de ar-condicionado que custou R$ 1 milhão e não faltam computadores.
A diferença é que a FFLCH (conhecida como "fefeleche") se
mantém basicamente com as verbas da USP, enquanto a FEA recebe dinheiro de três das fundações
que mais arrecadam recursos externos: FIA (Fundação Instituto
de Administração), Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) e Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis,
Atuariais e Financeiras).
Em 2003, as 33 fundações ligadas à USP faturaram cerca de R$
200 milhões e repassaram à universidade R$ 5,8 milhões, 2,9% do
total. Se forem considerados os
recursos do SUS (Sistema Único
de Saúde) repassado pelo governo
federal às fundações da Faculdade
de Medicina, que administram o
Hospital das Clínicas e o Incor, o
volume sobe a R$ 700 milhões.
As fundações são consideradas
órgãos de apoio à USP e foram
criadas com o objetivo de gerir relações com o mundo exterior que
a universidade não teria agilidade
e flexibilidade para absorver.
Se uma empresa quer contratar
um professor da USP para dar um
parecer, por exemplo, ela pode fazer isso diretamente ou por meio
de uma fundação, se o profissional preferir. Nesse último caso,
parte do que ele ganhar ficará
com a fundação, que, por sua vez,
pagará uma taxa à universidade.
Os professores podem ainda desenvolver nas fundações projetos
de pesquisa financiados por empresas ou outros órgãos públicos.
Entre as 33 fundações, há uma
que faz exclusivamente isso, a
Fusp (Fundação Universidade de
São Paulo), que transferiu à USP
R$ 1,8 milhão em 2003.
Os críticos dizem que algumas
das fundações deixaram seu papel
de interface com o mundo exterior e se transformaram em verdadeiros negócios. Os principais
alvos são as instituições ligadas à
FEA, que obtêm o maior volume
de recursos. Além dos MBAs, as
três entidades dão consultoria,
desenvolvem produtos e têm projetos em parceria com empresas.
A Fipecafi, por exemplo, é responsável desde 1995 pela elaboração da "Melhores e Maiores", da
revista "Exame", em um projeto
coordenado pelos professores
Nelson Carvalho e Ariovaldo dos
Santos, presidente da fundação.
No prédio do departamento de
contabilidade, há uma sala com a
placa "Projeto Melhores e Maiores", no qual trabalham profissionais contratados pela Fipecafi.
Santos afirma que a relação comercial da fundação com a editora Abril, responsável pela revista,
traz benefícios acadêmicos, entre
os quais está o acesso ao banco de
dados com informações contábeis das 500 empresas analisadas
na publicação. Segundo ele, 142
trabalhos foram realizados com
base nesse banco de dados, entre
os quais 22 teses e dissertações.
Os integrantes das fundações
argumentam ainda que as entidades aproximam a universidade da
sociedade e das empresas. Acima
de tudo, as fundações permitem a
complementação de renda do
professor e mantêm na universidade profissionais que, de outra
forma, já a teriam deixado.
Entre os programas da FIA está
o Provar, que realiza uma das
principais análises de varejo e
consumo do país. O projeto tem
financiamento de 11 empresas,
entre as quais está a Folha.
As fundações também concedem bolsas para estudantes de
mestrado, financiam publicações
e bancam viagens de alunos e professores para participação em
congressos. Seus críticos afirmam
que tudo poderia ser feito diretamente por meio da universidade,
enquanto os defensores respondem que a centralização desperdiçaria os recursos nos meandros
da burocracia estatal.
No ano passado, foi constituído
um grupo de 40 pessoas para elaborar uma proposta de regulamentação dessas entidades. O resultado não agradou a nenhum
dos lados e a solução final deverá
ser dada pelo Conselho Universitário, órgão máximo da instituição, até a metade do ano.
O professor Luiz Nunes, pró-reitor de pesquisa, diz que houve
consenso no grupo de estudos sobre dois pontos: faltam informações sobre as fundações e é necessário criar um sistema de controle
sobre seu funcionamento.
(CLÁUDIA TREVISAN)
Texto Anterior: Financiamento: USP discute onde obter verbas para manter e ampliar pesquisas Próximo Texto: Escola teme esvaziamento com teto de aposentadoria Índice
|