São Paulo, quinta, 23 de abril de 1998

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PALESTINOS
Casas já ostentam símbolos nacionais


Enquanto a independência não vem, a Autoridade Palestina se prepara para virar governo de fato


do enviado ao Oriente Médio

Na parede da casa modesta de alvenaria, um retrato do dirigente palestino Iasser Arafat vigia a bandeira tricolor pendurada na parede. O símbolo de um país que ainda não existe se espalhou nos últimos anos pela faixa de Gaza, emprestando um clima de nacionalismo e de pré-independência ao território com a população mais jovem do planeta.
Segundo a ONU, 52% dos habitantes da faixa de Gaza contam menos de 15 anos. Uma população que cresceu em meio à ocupação israelense e, em sua maioria, acredita já viver no embrião de um Estado palestino.
Com a retirada das tropas israelenses prevista pelo acordo de paz de 1993, fincar um emblema palestino deixou de ser crime. "Colocamos a bandeira para comemorar a chegada do nosso país, embora ainda não saibamos quando será", afirma Samah el Qassas, 12. "Mas espero que seja no próximo ano."
Samah vive no campo de refugiados de Shati, com os pais e sete irmãos. Sobre seu colchão, no quarto que divide com mais oito pessoas, descansa um livro de inglês impresso no Egito. "Quero ser médica", explica, com um sorriso tímido e o véu jogado sobre os ombros.
É na faixa de Gaza e na Cisjordânia que Iasser Arafat, o presidente da Autoridade Nacional Palestina (governo que resulta da autonomia concedida por Israel aos palestinos), pretende proclamar um Estado independente.
Enquanto a independência não chega, a ANP se prepara para virar um governo de fato. Cerca de 80 países já abrigam embaixadas palestinas, a faixa de Gaza conta com uma casa de hóspedes para receber convidados como o presidente francês, Jacques Chirac. As latas de lixo na rua trazem as estrelas amarelas que indicam doação da União Européia.

Intifada
O acordo de paz sufocou a Intifada, a revolta das pedras. Entre 1987 e 1993, crianças armadas de fundas tomavam as ruas de Gaza e da Cisjordânia para atacar tropas israelenses desnorteadas pelo fato de enfrentar inimigos mirins. A pressão do levante funcionou como um dos fatores que empurraram Israel para as negociações.
O cenário dos territórios ocupados se transformou. Atualmente, um carro com chapa israelense pode circular pelo centro de Ramallah (Cisjordânia), quase sem o risco de apedrejamento. No centro da cidade, os habitantes ignoram a presença de israelenses, caminhando com a velocidade exigida por uma decolagem econômica.
Na faixa de Gaza, os cartazes do Bank of Palestine ou do Palestine Automobile, concessionária da sul-coreana Hyundai, substituíram as pichações antiisraelenses.
A ANP também tem o seu quinhão de responsabilidade no desaparecimento das inscrições políticas. Foram proibidas pela polícia de Arafat, com o intuito de aplacar exigências israelenses e o crescimento da oposição, sobretudo a islâmica.
Desafios
O maior desafio político a Arafat emana do Hamas, organização extremista que se apóia principalmente no conservadorismo religioso de Gaza, mais pobre e isolada do que a Cisjordânia. O Hamas patrocinou atentados contra Israel e ajudou a eleição do premiê Binyamin Netanyahu, em 1996.
O trabalhista e pró-paz Shimon Peres liderava as pesquisas até os atentados, que amedrontaram setores da população israelense. Votos migraram para o ideário linha-dura de Netanyahu.
O governo israelense, em nome da segurança do país, desacelerou bruscamente as negociações. Arafat se viu então na delicada posição de ter de explicar à população palestina as vantagens de sua opção pela paz, sem poder mostrar mais resultados da atual política arquitetada para obter um Estado em Gaza e na Cisjordânia.
"Somos contra os acordos de paz, mas damos uma chance a Arafat", comenta Suhiel Zaqut, 26, da Frente Popular para a Libertação da Palestina, grupelho marxista sediado na Síria.
Zaqut, que amargou quatro anos em prisões israelenses por sua militância, diz que "Israel deseja apenas ganhar tempo e nos enganar, sem real vontade de paz".
Alheia aos meandros das negociações de paz, a comerciante Fatma Zaqia, 65, afirma: "Não sei se teremos independência, mas pelo menos hoje não há mais soldados israelenses batendo à porta de minha casa, de madrugada, para fazer uma revista".



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