São Paulo, quinta, 23 de abril de 1998

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ISRAELENSES
Caldeirão judaico enfrenta tensões

Niels Andreas/Folha Imagem
Judeus ortodoxos aguardam a vez para atravessar a rua no bairro Mea Sharim, em Jerusalém



Paz externa traz à tona Os conflitos internos entre os vários segmentos da sociedade israelense


do enviado especial ao Oriente Médio

Um pequeno país sacudido por uma efervescência de conflitos entre os fiéis do judaísmo e os não-religiosos, entre os judeus de origem européia e os de origem árabe, entre os belicistas e os pacifistas, entre os imigrantes mais antigos e os mais recentes, como russos e etíopes.
Caldeirão judaico, a sociedade israelense resiste às tensões que alguns observadores, mais alarmistas, já chamam de "guerra civil silenciosa". "Isso não existe", devolve o deputado Michael Kleiner, deputado da coalizão governista (direita). "O que vemos são sinais de vitalidade de uma sociedade democrática."
O parlamentar trabalhista (centro-esquerda) Shlomo Ben Ami discorda. Aponta o conflito mais evidente, entre religiosos e não-religiosos, como espelho da discussão sobre a identidade de Israel.
"O principal conflito é cultural", analisa Ben Ami. "Vemos a disputa entre os que preferem as incertezas da modernidade e os que desejam as certezas oferecidas pela religião."
Os partidos religiosos, com exigências bíblicas que sugerem um Estado teocrático e grau mais profundo de desconfiança em relação ao processo de paz, encarnam a corrente política que mais cresce em Israel e detêm pelo menos 25 das 120 cadeiras do Parlamento.
Um exemplo de expansão é o Shass, que começou há 14 anos como uma lista para eleições municipais em Jerusalém e hoje representa a terceira força partidária, atrás apenas dos tradicionais Likud, do premiê Binyamin Netanyahu, e do Partido Trabalhista.
Os religiosos, com suas diversas correntes, formam cerca de 10% da população, mas são hoje a fatia mais organizada e militante da população. No parlamentarismo israelense, seus partidos acabam como o poderoso fiel da balança na hora de montar o governo.
Refratários a um sistema jurídico laico -argumentam que sua base seria a tradição britânica, que é "gói" (não-judia)-, os religiosos reúnem privilégios como abocanhar mais de 90% do orçamento do Ministério da Educação ou não fazer o serviço militar obrigatório, uma das pedras fundamentais da sociedade israelense.
A recusa a vestir a farda, no entanto, não cobre todos os grupos religiosos. Os seguidores de um deles, o Partido Nacional Religioso, já substituem os militares originários dos kibutzim (fazendas coletivas de inspiração socialista) como elite das Forças Armadas.
Essa tendência é emblemática das mudanças dos últimos 50 anos. Na criação de Israel, os grupos mais atuantes e organizados eram os socialistas, papel que cabe agora aos religiosos.
O patriarca da independência, David Ben Gurion, concedeu aos ortodoxos privilégios como isenção do serviço militar pois, crente na "vitória do socialismo", achava que eles se transformariam em "museu do judaísmo".
Música
A música israelense oferece exemplos dos vincos que riscam o país. Arik Einstein, o Chico Buarque de Israel, expressão da boêmia e canções pró-paz, enfrentou problemas psicológicos quando seu melhor amigo, sua ex-mulher e filha se tornaram judeus ortodoxos. Em protesto, juntou-se a Shalom Hanoch, um patrono do rock.
Hanoch também desponta como mentor intelectual de um dos maiores sucessos do rock israelense, Aviv Guefen, outro símbolo das contradições locais. Sobrinho de Moshe Dayan, o maior herói militar da história de Israel, Guefen escapou do Exército por problemas de saúde e hoje defende o boicote ao serviço militar.
Sobre Netanyahu, Guefen disse ter "vergonha de ver o país dirigido por um homem tão cruel". O premiê prefere ignorar a ofensa e se esforça para ampliar sua base de apoio, principalmente judeus religiosos e os de origem árabe.
Netanyahu também corteja os votos dos imigrantes da ex-URSS. Estes, para o ex-dissidente soviético e hoje ministro israelense Natan Sharansky, conseguiram se adaptar em tempo recorde, mas ainda enfrentam preconceitos.
Os 600 mil imigrantes, que começaram a desembarcar em 89, sofrem com uma imagem da Rússia pós-soviética marcada por grupos mafiosos e prostituição.
Ao fazer 50 anos, Israel se despede dos tempos do consenso, quando a questão da sobrevivência do país apagava diferenças internas. "Não somos a sociedade monolítica imaginada por nossos fundadores", diz o deputado Kleiner.



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