São Paulo, quinta, 23 de abril de 1998

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Sionismo renovou a cultura judaica

NELSON ASCHER
da Equipe de Articulistas

O sionismo, o primeiro projeto político secular dos judeus em quase 2.000 anos, não teria sido possível antes da Haskalá, o movimento cultural que, principiado em terras alemãs no final do século 18, foi o Iluminismo judaico.
Rompendo com suas comunidades fechadas e dominadas pela tradição, muitos judeus abraçaram a modernidade européia. Quando se viram rejeitados, criaram uma cultura própria e um programa político que tinha tanto de pragmático quanto de utópico. A resposta deste ao "problema judeu" era abolir as condições anômalas nas quais viviam as populações judaicas européias e substituir o assimilacionismo individual pela assimilação dos judeus como um todo, que, além de transformá-los num povo "normal", com seu próprio território e língua, resultaria na sua "redenção coletiva".
Os judeus falavam então todas as línguas do continente e mais duas: o ídiche, idioma comum das grandes massas compactas de judeus da Europa Oriental e grande parte dos da Europa Central; e o hebraico, que, reservado basicamente para fins religiosos, deixara há séculos de ser usado no dia-a-dia.
Havia literatura em ambos, mas a ídiche era a mais dinâmica. Os sionistas, no entanto, rejeitaram esta língua por vê-la como um dialeto dos guetos e também devido ao prestígio milenar do hebraico. Três personalidades, na virada do século e depois, fizeram desta uma língua viável: Ben Yehuda, que o modernizou e adaptou às novas necessidades; Chaim Nachman Bialik, seu maior poeta moderno; e S.Y. Agnon, seu maior ficcionista, ganhador do Nobel de Literatura. A influência deles foi imensa numa cultura cujo ramo que obteve maior repercussão internacional é precisamente o literário.
As primeiras gerações de seus continuadores na Palestina britânica e, mais tarde, em Israel, constituíam um fenômeno único: escritores que tinham como língua materna o ídiche, russo, alemão, polonês etc., dirigiam-se a um público fluente nessas mesmas línguas, só que numa outra, cujos recursos e tradição literária moderna eram ainda inferiores aos daquelas. Mas o que produziam tinha funções bem definidas: consolidar o hebraico enquanto língua nacional, convertê-lo num autêntico instrumento literário e veicular um ideário que insistia na impossibilidade de os judeus viverem na diáspora e na necessidade de estabelecerem um país onde não estivessem em minoria.
Seus modelos eram anglo-americanos, franceses, alemães, russos e, três ou quatro gerações após o início, a literatura israelense chegou à maturidade e a algum tipo de normalidade nas obras de poetas contemporâneos como Dan Paguis, Yehuda Amichai, T. Carmi, Nathan Zach e prosadores como Yakov Shabtai, A. B. Yeoshua, Amos Oz e David Grossman. São escritores densos e complexos, capazes de abordar uma variedade de questões difíceis com uma grande riqueza de recursos. O Holocausto, a experiência central dos judeus do século 20, ocupa um lugar importante em seus poemas, contos e romances, mas o mesmo se pode dizer de muito da melhor literatura atual, não só da judaica.
O renascimento do hebraico e o nascimento de Israel logo depois do momento mais negro da história dos judeus despertaram interesse e simpatia no mundo inteiro até que a aliança, na Guerra Fria, do anti-semitismo soviético e da hostilidade árabe impelisse parte da opinião pública e da intelectualidade internacional a tratar os israelenses como párias.
O Brasil não foi exceção e algumas das principais personalidades brasileiras apoiaram, à sua maneira, a nação recém-fundada: Cecília Meireles traduziu uma pequena antologia de poetas israelenses e Cândido Portinari, visitando, em junho de 56, Israel para expor suas obras, realizou lá os esboços, estudos e croquis que alicerçaram a "Série Israel", elaborada após seu regresso ao Brasil.



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