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Sionismo renovou a cultura judaica
NELSON ASCHER
da Equipe de Articulistas
O sionismo, o primeiro projeto
político secular dos judeus em
quase 2.000 anos, não teria sido
possível antes da Haskalá, o movimento cultural que, principiado
em terras alemãs no final do século 18, foi o Iluminismo judaico.
Rompendo com suas comunidades fechadas e dominadas pela tradição, muitos judeus abraçaram a
modernidade européia. Quando
se viram rejeitados, criaram uma
cultura própria e um programa
político que tinha tanto de pragmático quanto de utópico. A resposta deste ao "problema judeu"
era abolir as condições anômalas
nas quais viviam as populações judaicas européias e substituir o assimilacionismo individual pela assimilação dos judeus como um todo, que, além de transformá-los
num povo "normal", com seu
próprio território e língua, resultaria na sua "redenção coletiva".
Os judeus falavam então todas as
línguas do continente e mais duas:
o ídiche, idioma comum das grandes massas compactas de judeus
da Europa Oriental e grande parte
dos da Europa Central; e o hebraico, que, reservado basicamente
para fins religiosos, deixara há séculos de ser usado no dia-a-dia.
Havia literatura em ambos, mas
a ídiche era a mais dinâmica. Os
sionistas, no entanto, rejeitaram
esta língua por vê-la como um dialeto dos guetos e também devido
ao prestígio milenar do hebraico.
Três personalidades, na virada do
século e depois, fizeram desta uma
língua viável: Ben Yehuda, que o
modernizou e adaptou às novas
necessidades; Chaim Nachman
Bialik, seu maior poeta moderno;
e S.Y. Agnon, seu maior ficcionista, ganhador do Nobel de Literatura. A influência deles foi imensa
numa cultura cujo ramo que obteve maior repercussão internacional é precisamente o literário.
As primeiras gerações de seus
continuadores na Palestina britânica e, mais tarde, em Israel, constituíam um fenômeno único: escritores que tinham como língua
materna o ídiche, russo, alemão,
polonês etc., dirigiam-se a um público fluente nessas mesmas línguas, só que numa outra, cujos recursos e tradição literária moderna eram ainda inferiores aos daquelas. Mas o que produziam tinha funções bem definidas: consolidar o hebraico enquanto língua nacional, convertê-lo num autêntico instrumento literário e veicular um ideário que insistia na
impossibilidade de os judeus viverem na diáspora e na necessidade
de estabelecerem um país onde
não estivessem em minoria.
Seus modelos eram anglo-americanos, franceses, alemães, russos e, três ou quatro gerações após
o início, a literatura israelense
chegou à maturidade e a algum tipo de normalidade nas obras de
poetas contemporâneos como
Dan Paguis, Yehuda Amichai, T.
Carmi, Nathan Zach e prosadores
como Yakov Shabtai, A. B. Yeoshua, Amos Oz e David Grossman.
São escritores densos e complexos, capazes de abordar uma variedade de questões difíceis com
uma grande riqueza de recursos. O
Holocausto, a experiência central
dos judeus do século 20, ocupa um
lugar importante em seus poemas,
contos e romances, mas o mesmo
se pode dizer de muito da melhor
literatura atual, não só da judaica.
O renascimento do hebraico e o
nascimento de Israel logo depois
do momento mais negro da história dos judeus despertaram interesse e simpatia no mundo inteiro
até que a aliança, na Guerra Fria,
do anti-semitismo soviético e da
hostilidade árabe impelisse parte
da opinião pública e da intelectualidade internacional a tratar os israelenses como párias.
O Brasil não foi exceção e algumas das principais personalidades
brasileiras apoiaram, à sua maneira, a nação recém-fundada: Cecília
Meireles traduziu uma pequena
antologia de poetas israelenses e
Cândido Portinari, visitando, em
junho de 56, Israel para expor suas
obras, realizou lá os esboços, estudos e croquis que alicerçaram a
"Série Israel", elaborada após seu
regresso ao Brasil.
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