São Paulo, quinta, 23 de abril de 1998

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Jordânis busca ser uma ponte para paz

do enviado especial ao Orinete Médio

O rei Hussein, 42º herdeiro direto do profeta Maomé, já se ajoelhou diante de sete famílias israelenses, com pedidos de perdão. O seu irmão e príncipe-herdeiro, Hassan, se debruçou no estudo do idioma do país vizinho e hoje fala hebraico.
As atitudes da família real jordaniana espelham uma decisão estratégica e um esforço político. O país, em 1994, transformou-se no segundo do mundo árabe a assinar um acordo de paz com Israel, 15 anos depois do pioneiro Egito, quando o rei Hussein decidiu que a pacificação constituía um dos ingredientes indispensáveis para a manutenção da dinastia Hashemita no trono.
O monarca busca estabilidade para um país que, com os êxodos causados pelas sucessivas guerras, se tornou o maior recipiente de refugiados palestinos. São 1,28 milhão de pessoas. Atualmente, quase 50% da população jordaniana é de origem palestina.
O medo de ser tragado pela onda palestina levou Hussein a promover o tristemente célebre Setembro Negro, quando, em 1970, as forças jordanianas massacraram cerca de 3.000 palestinos. O monarca optou por cortar pela raiz a então crescente ameaça a seu reinado.
Na lista de erros históricos, o rei jordaniano registra ainda o apoio ao Iraque de Saddam Hussein na Guerra do Golfo, em 1991. A monarquia tinha medo da máquina militar iraquiana e avaliou também que os seus interesses econômicos apontavam na direção de Bagdá.
Alianças refeitas, o rei Hussein calculou que a maneira mais eficaz de lidar com a questão palestina e enfrentar o fantasma do fundamentalismo islâmico, uma tendência em expansão nos campos de refugiados, era arrancar a paz com Israel e avançar rumo a um Estado palestino.
Para enfrentar a pobreza, outro terreno fértil para os religiosos extremistas, a Jordânia, um dos poucos países árabes desprovidos de recursos naturais como petróleo, embarcou na chamada "modernização". O termo pode ser traduzido por liberalização na economia, privatizações e abertura ao investimento estrangeiro.

Populismo
O rei personifica a imagem de um regime autoritário facilmente palatável para o Ocidente, o que facilita sua aproximação com os EUA. Ele se casou com a rainha Noor, uma fotogênica loira norte-americana, fala inglês com um sotaque menos carregado do que seus colegas da região e, segundo a maioria esmagadora dos relatórios feitos por embaixadas ocidentais em Amã, trata-se de um governante "popular".
Em Baka"a, o maior campo de refugiados palestinos de Amã, o retrato do rei aparece pendurado em postes e muros. Sua imagem também decora uma das salas da clínica pediátrica da UNRWA, a agência da Organização das Nações Unidas para refugiados.
"A Jordânia nos acolheu bem", afirma Suhiel Jarah, 38, que nasceu em Baka"a. Sua família deixou Hebron, na Cisjordânia, em 1948, quando da primeira guerra árabe-israelense, vagou durante alguns anos pela região e se estabeleceu no campo em 1959, pouco antes de Suhiel nascer.
Hoje, o palestino Suhiel carrega o passaporte jordaniano e diz que seu primeiro contato com israelenses foi no emprego. Ele trabalha como porteiro no Hotel Jerusalém-Amã, um dos cinco estrelas da capital jordaniana.
"Eles são simpáticos e não guardo raiva", fala Suhiel, enquanto beberica Coca-Cola em casa para enfrentar o calor. Recebe as visitas no seu quarto, decorado apenas com os colchões de dormir, um ventilador e um coelho de pelúcia que ele segura durante a conversa.
A inesperada entrada dos visitantes surpreendeu a mulher de Suhiel no quintal e, seguindo a tradição, ela recolheu-se ao segundo quarto da modesta casa de alvenaria. Os cinco filhos, entre eles duas meninas, vieram cumprimentar os estrangeiros.
A hospitalidade árabe também marcou uma recepção ao rei Hussein num dos momentos de mais aguda crise entre Israel e a Jordânia. No ano passado, um soldado jordaniano com problemas mentais descarregou seu fuzil M-16 contra um grupo de escolares israelenses e matou sete meninas.
O monarca viajou a Israel, visitou as famílias e se ajoelhou diante delas, em pedidos de desculpas pela tragédia. Num apartamento, o rei Hussein foi recebido à porta pelo avô de uma das meninas assassinadas, que segurava uma bandeja com pão e sal, um símbolo de boas-vindas.
Nurit Fatihi, um judeu do Iêmen, ofereceu ainda ao rei uma oração especial para monarcas, extraída das tradições da Cabala (uma espécie de misticismo judaico). O visitante respondeu na língua materna do anfitrião, o árabe: "Sua filha é como uma filha minha, a sua perda é uma perda minha. Possa Deus ajudá-lo a suportar a dor".
O rei Hussein também cultiva popularidade junto a assessores de Netanyahu. Dore Gold, um conselheiro do premiê, já descreveu o monarca como "uma ponte entre Israel e a liderança palestina em momentos críticos".
Segundo Gold, o rei Hussein chegou a, num dos vários cenários de crise israelo-palestina, telefonar para Iasser Arafat e entregar o aparelho a Netanyahu, forçando uma conversa.



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