São Paulo, domingo, 23 de maio de 2010

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REFLEXÃO

7 vidas do jornalismo

Imprensa morre e renasce a cada revolução tecnológica, mas precisa se tornar mais interessante e útil

OTAVIO FRIAS FILHO
DIRETOR DE REDAÇÃO

Jornalistas costumam ser céticos, para não dizer pessimistas. Por dever de ofício, estão acostumados aduvidar das aparências dos fatos, a desconfiar do que dizem as autoridades, a focalizar o que é problemático, falho ou ameaçador.
De tempos em tempos, o assim chamado "negativismo" da imprensa se volta contra ela própria. Foi assim sempre que o advento de mudanças tecnológicas veio afetar o modo de transmissão de informações: o telégrafo, o cinema, o rádio, a TV e agora a internet.
A desorganização do modelo de negócios anterior parece anunciar o apocalipse. Ninguém contesta, é claro, que a evolução dos meios eletrônicos democratizou o acesso às informações. Nem que a conexão em rede fez surgir uma multiplicidade de formatos jornalísticos, estimulando a diversidade da oferta. Mas muito desse novo jornalismo tem qualidade discutível, quando não é produto de mera pirataria.
Os blogs e o jornalismo cidadão parecem oportunidades promissoras, mas quase sempre seu alcance fica limitado, seja em termos de recursos ou abrangência, seja porque expressam visões demasiado particulares e engajadas. Para piorar, o jornalismo que emerge está eivado de entretenimento, culto à celebridade, inconsequência.
Como diz o magnata da mídia Rupert Murdoch, em nenhum lugar se tem certeza quanto ao fim do bom jornalismo como nas Redações, onde às vezes o evento tantas vezes prometido é celebrado com deleite masoquista. E comemorado pelo governo -qualquer governo. Tais preocupações, mesmo se exageradas, não são descabidas.
Durante décadas, o jornalismo clássico, dito de qualidade -que cultiva compromissos com a exatidão do que publica, com a relevância coletiva dos temas que aborda, com a manutenção do debate público- foi sustentado por um modelo econômico hoje em risco. Talvez jornais, revistas e livros impressos venham a desaparecer, talvez não. O papel impresso tem o carisma da credibilidade e da duração.
A fotografia não suprimiu as artes plásticas, nem a TV liquidou o cinema, que não havia dado cabo da literatura ou do teatro. Mas é pouco provável que o jornalismo de qualidade, tal como definido acima, desapareça da face da terra. Por pelo menos três razões. A absorção de bens culturais é elástica.
A quantidade de refeições, roupas ou utensílios que se pode consumir é restrita, mas a aptidão para processar informações não tem limite conhecido. Conforme mais pessoas imergem no oceano de dados e versões que giram pela rede, maior a demanda por um veículo capaz de apurar melhor, selecionar, resumir, analisar e hierarquizar.
Esse veículo, no papel ou na tela, se chama jornal.
Nunca na história humana se escreveu e se leu tanto. Um novo ambiente que é o caldo de cultura ideal para formar, com o tempo, leitores cada vez mais exigentes, mais instruídos, mais críticos.
Quem sabe nunca venham a se tornar maioria, mas seu número não vai diminuir, vai aumentar. Todo produto custa o trabalho e o tempo investidos em sua preparação.
A produção do jornalismo gratuito, por isso mesmo, custa pouco. Um jornalismo de qualidade é dispendioso. Continuará a valer seu preço para aquela parcela crescente de pessoas interessadas em saber mais e melhor.
A própria demanda deverá cristalizar um modelo de negócios que o impulsione.
Mas, para tanto, é preciso ter a humildade de aprender. Reconhecer que os jornais são muitas vezes cansativos, previsíveis, prolixos, distantes, redundantes, parciais - cifrados para o leigo e superficiais para o especialista. Será preciso, ao mesmo tempo, desejo sincero de melhorar, experimentar, arriscar. Com a reformulação implantada hoje, este jornal tenta dar mais um passo nessa direção.


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