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BLOCOS
Com os EUA concentrados na guerra contra o terror, região será menos prioritária
América Latina volta à "irrelevância"
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O mundo novo que supostamente emergirá da guerra contra
o terrorismo declarada pelos Estados Unidos devolverá a América Latina à "irrelevância".
A avaliação é de Kenneth Maxwell, historiador britânico que é
considerado um dos maiores especialistas em América Latina no
mundo todo e trabalha com o
Council on Foreign Relations, de
Nova York.
Mas não é uma opinião isolada.
Miguel Diaz, diretor do Projeto
América do Sul do CSIS (Centro
para Estudos Estratégicos e Internacionais, também dos EUA), é
mais delicado na forma, mas
idêntico no conteúdo: "A concentração dos Estados Unidos na
guerra contra o terrorismo fará
com que tudo o mais fique em segundo plano. Logo, a América Latina será menos prioritária".
Não se trata apenas de palpite
de especialista. Por trás da previsão, há um verdadeiro teorema
assim desenhado por Maxwell:
1 - Antes do 11 de setembro (dia
dos atentados em Nova York e
contra o Pentágono), "comércio,
economia e fluxo de capitais tinham precedência sobre as relações geopolíticas e militares";
2 - Agora, "esse paradigma foi
suplantado por um retorno aos
cálculos, do ponto de vista dos
EUA, sobre a real capacidade de
as nações contribuírem para a luta contra o terrorismo";
3 - Maxwell fecha o círculo:
"Ironicamente, as prioridades
voltam a ser os velhos aliados na
Otan [Organização do Tratado do
Atlântico Norte" e possivelmente
alguns novos "amigos" na periferia
do Afeganistão e o Paquistão".
Adesão
A América Latina sai do radar,
"a não ser o México, que será inevitavelmente parte da reelaboração do que os Estados Unidos estão agora chamando de defesa da
pátria-mãe" ("homeland defense", expressão que entrou em voga após os atentados).
A maneira de a América Latina
sair da irrelevância seria, exatamente, aderir incondicionalmente à guerra contra o terrorismo.
"Uma forte demonstração de
suporte e cooperação ajudaria a
fortalecer o relacionamento entre
os países do hemisfério. A atitude
de esperar para ver ou ceticismo
puro e simples inclinará a Casa
Branca de George W. Bush a rebaixar o hemisfério em suas prioridades, exceto México/América
do Norte", diz outro celebrado latino-americanista, Riordan Roett
(Universidade Johns Hopkins).
Um especialista brasileiro acha,
no entanto, que a pressão para
que a América Latina apóie os
EUA pode ser mais uma oportunidade que uma coerção.
Henrique Altemani, coordenador-adjunto do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da
USP, cita o fato de o governo brasileiro ter proposto uma reunião
com base no Tiar (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca) como "idéia interessante".
Explica: "Desloca a discussão ou
a cobrança do bilateral para uma
relação multilateral, do emocional para o institucional, sendo
que o tratamento nos planos institucional e multilateral tende a
reduzir a capacidade de pressão
norte-americana".
Alca
Segurança à parte, como fica o
principal projeto das Américas
antes dos atentados, a discussão
da Alca (Área de Livre Comércio
das Américas, prevista para englobar os 34 países do continente,
excluída apenas Cuba)?
Nesse capítulo, as opiniões são
contraditórias. O brasileiro Altemani acredita que "o crescente
xenofobismo" norte-americano,
provocado pelos atentados, tornará mais difícil a obtenção pelo
Executivo da TPA (Autoridade
para Promoção Comercial).
Trata-se de um mecanismo pelo
qual o Congresso dá ao Executivo
autorização para negociar tratados comerciais que, depois, o Parlamento apenas aprova ou rejeita
em bloco, mas não emenda.
A TPA (antes chamada de "fast
track") é considerada vital para o
andamento de negociações comerciais, porque os parceiros dos
EUA hesitam muito em fazer
acordos que, depois, possam ser
estraçalhados pelo Congresso.
Ao contrário de Altemani, Bruce Stokes, especialista em comércio do Council on Foreign Relations, prevê que o governo Bush
"enrole a bandeira em torno da
questão e imponha a sua agenda".
Mas, atenção, tanto Stokes
quanto Miguel Diaz (CSIS)
acham que a pressão do governo
Bush estará centrada nas negociações multilaterais, no âmbito da
Organização Mundial do Comércio, deixando de lado a Alca.
"É muito interessante notar que
a Alca nunca é mencionada" (nas
avaliações sobre o efeito dos atentados nas negociações comerciais), atesta Stokes.
Reforça Diaz: " Pelo menos no
momento, a Alca será colocada
em banho-maria".
Colômbia
Outra interrogação que mesmo
os especialistas não se sentem em
condições de dissolver é sobre a
hipótese de uma ação direta dos
EUA na Colômbia, país que abriga três grupos listados como terroristas pelo Departamento de
Estado (o ELN, Exército de Libertação Nacional; as Farc, Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia; e as AUC, Autodefesas
Unidas da Colômbia, organização
paramilitar de extrema direita).
"É cedo para saber o que a Casa
Branca fará com o Plano Colômbia", diz Riordan Roett. Miguel
Diaz é mais específico: acha que
os EUA se concentrarão inicialmente nos responsáveis pelos ataques de 11 de setembro. "Os EUA
não podem espalhar a luta contra
o terrorismo pelo mundo todo."
De todo modo, dois dos especialistas coincidem em que há
uma maneira de a América Latina
eventualmente superar a "irrelevância": invertendo a agenda,
propõe Henrique Altemani.
"Parto do princípio de que a Alca já correspondia a um processo
de renegociação do sistema interamericano, só que, talvez a partir
de agora, se possa, a partir da segurança, renegociar o sistema regional e introduzir as questões
econômicas."
Corrobora Riordan Roett: "Deveria haver uma agenda mais
abrangente que incluísse fronteiras, serviços de inteligência, comércio e investimento, terrorismo e assuntos correlatos".
É um pouco essa a agenda que o
presidente Fernando Henrique
Cardoso gostaria de adotar para
uma cúpula latino-americana que
ele está articulando. Falta só combinar com os norte-americanos,
que, por ora, olham fixamente para o outro lado do mundo.
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