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Do piano ao pedestal, Cole atraiu multidões
Tema do 1º volume da Coleção Folha Clássicos do Jazz, Nat "King" Cole, revelação do instrumento no jazz dos anos 40, incomodou puristas ao cantar baladas românticas
RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Um dos edifícios mais
famosos do mundo nos
anos 50 era a torre de
13 andares da gravadora Capitol, na esquina de Hollywood
Boulevard com Vine Street, em
Los Angeles, lembrando uma
pilha de discos de 45 rpm.
Dizia-se que era à prova de
terremotos. Dizia-se também
que vários artistas haviam contribuído para que a torre existisse -Frank Sinatra, Peggy
Lee, Les Baxter, o casal Les
Paul & Mary Ford-, mas nenhum desses contratados da
Capitol tinha o poder de fogo
em vendas de Nat "King" Cole
(tema do primeiro volume da
Coleção Folha Clássicos do
Jazz). Daí que o prédio fosse
chamado, nas internas da gravadora, de "a casa que Nat construiu". Considerando a concorrência, não era pouca coisa.
Era também uma homenagem que fazia justiça ao artista
e deixava igualmente bem o público daquela época. Queria dizer que mesmo um cantor tão
fino quanto Nat Cole podia
vender uma imensidão de discos, e isso provava que valia a
pena apostar na sensibilidade
do mercado -porque a "melhor" música popular era também a mais popular e "comercial". Não se sabia ainda que,
nos EUA, aquela década seria a
última em que isso aconteceria
e que, em meados dos anos 60,
tal equilíbrio entre qualidade e
quantidade seria para sempre
rompido, com a vitória acachapante da quantidade. De certa
forma, foi um terremoto. Mas,
então, Nat já estava morto (em
1965, aos 48 anos) e, para mim,
seu desaparecimento facilitou
a rendição do mercado ao comercialismo crasso.
Ironicamente, ele próprio já
fora acusado dessa rendição, ao
negociar seu prestígio de maior
revelação do piano jazzístico
nos anos 40 (quando se apresentava com o "King" Cole Trio
e só cantava ocasionalmente)
por um acerto demoníaco com
a Capitol, que o teria obrigado a
trocar o banquinho do piano
pelo microfone de pedestal
e ir para a frente do palco para
cantar, de pé, baladas românticas como "Unforgettable" e
"Mona Lisa".
Os puristas do jazz nunca o
perdoaram, embora poucos se
perguntassem se não teria sido
dele, Nat, a idéia de se fazer
acompanhar por orquestra, em
vez do trio, e ainda incorporar
àquela um batalhão de violinos.
Hoje sabe-se que ninguém
forçou Nat a esse "crime" de lesa-jazz. Ele apenas queria livrar-se da pindaíba que o perseguia enquanto seu repertório
se limitava a delícias como
"When I Take My Sugar to Tea"
e "Gee, Baby, Ain't I Good to
You", e explorar melhor seus
recursos vocais. Exatamente
como seu colega Billy Eckstine
estava fazendo -Eckstine também trocara o jazz pelo pop em
1949 e estourara nas paradas
americanas, gravando na
MGM. É sintomático que a opção de Cole pelo "sucesso comercial" só tenha incomodado
a alguns de seus fãs brancos, e
não aos outros músicos e cantores negros de jazz.
Mas -pergunto eu-, como
Nat Cole, mesmo cantando coisas bonitas e suaves como "Ballerina" ou "I Wish You Love",
pode não ser um cantor de jazz?
Ele certamente não é um cantor de ópera nem de tango. O
jazz estava impresso nas suas
inflexões, na sua divisão rítmica, na cor de sua voz, no seu
próprio DNA, e ele não conseguia cantar uma canção do
mesmo jeito duas vezes.
Se isso não é jazz, não sei o
que mais será.
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