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VALORES
Diminuem as manifestações de preconceito
Na comparação
com pesquisa
de 1995, cai
racismo "assumido"
e concordância
com frases
discriminatórias
DA SUCURSAL DO RIO
Seja por mero pudor ou realmente por uma questão de
consciência, os brasileiros, hoje, se mostram menos preconceituosos do que há 13 anos.
Ao repetir neste ano perguntas feitas em 1995, o Datafolha
identificou que caiu significativamente o grau de concordância da população com frases como "negro bom é negro de alma
branca" ou "se Deus fez raças
diferentes, é para que elas não
se misturem".
O que não mudou de lá para
cá foi a constatação, aparentemente contraditória, de que o
brasileiro reconhece o preconceito no outro, mas não em si
mesmo. Ou, como já definiu a
historiadora da USP Lilia Moritz Schwarcz, "todo brasileiro
se sente como uma ilha de democracia racial, cercado de racistas por todos os lados".
Para 91% dos entrevistados,
os brancos têm preconceito de
cor em relação aos negros. No
entanto, quando a pergunta é
pessoal, só 3% (excluindo aqui
os autodeclarados pretos) admitiram ter preconceito.
Foi igualmente alto (63%) o
percentual de entrevistados
que afirmaram que negros têm
preconceito em relação a brancos, mas somente 7% (excluindo os brancos) dizem ter, eles
mesmos, algum preconceito.
Também caiu (de 22% para
16%) a proporção de brasileiros
que se sentiram discriminados
por sua cor. Esse percentual, no
entanto, chega a 41% entre autodeclarados pretos.
Para Schwarcz, o que mudou
de 1995 para 2008 foi a popularização do discurso politicamente correto. Ela, no entanto,
demonstra algum ceticismo
com relação ao menor percentual de concordância com afirmações preconceituosas.
"As coisas mudaram, mas
nem tanto. As pessoas reagem
mais às frases preconceituosas,
como se já estivessem vacinadas. É positivo ver que há maior
consciência, mas é preocupante constatar que a ambivalência
se mantém. Parece que os brasileiros jogam cada vez mais o
preconceito para o outro. "Eles
são, mas eu não.'"
Também historiador, Manolo Florentino, da UFRJ, tem
opinião semelhante. "O que
cresceu foi sobretudo o pudor.
Para tanto deve ter colaborado,
em alguma medida, a disseminação da praga politicamente
correta. Se for este o caso, estaremos mais uma vez frente à
constatação de que nosso racismo é envergonhado, que, afora
casos patológicos, o brasileiro
só expressa seu preconceito racial através de carta anônima."
Constrangimento
O sociólogo Marcos Chor
Maio, da Fiocruz, faz leitura
mais otimista. O fato de os brasileiros só admitirem preconceito nos outros -o que pode
ser visto como hipocrisia-, para ele, é um valor: "As pessoas
têm vergonha de parecerem racistas, cria-se um constrangimento enorme. Isso é ótimo".
Fulvia Rosemberg, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e coordenadora do programa de bolsas da Fundação
Ford, vê na ampliação do debate sobre a questão racial, provocado principalmente pela discussão das cotas em universidades, uma das causas para a
queda do preconceito.
"Isso não acirrou a oposição
branco/negro e parece ter desenvolvido maior consciência e
atenção às relações raciais."
A socióloga Fernanda Carvalho, do Ibase e uma das coordenadoras do movimento Diálogos Contra o Racismo, concorda: "Não deixamos de ser um
país com forte racismo, mas
evoluímos. Não se discutia tanto a questão do negro. Hoje, as
pessoas estão compreendendo
melhor o tema e têm mais
consciência de que o preconceito é um valor negativo".
Yvonne Maggie, antropóloga
da UFRJ, tem opinião diferente
sobre o racismo no país.
"Os pretos se sentem mais
discriminados, mas são eles
também os que mais acreditam
no esforço pessoal. Somos uma
sociedade que tem optado por
não marcar o sentimento da vida a partir da raça", diz ela, citando o dado de que 71% dos
pretos concordam que, se um
pobre trabalhar duro, melhorará de vida. Entre brancos, o percentual é de 67%.
Maggie diz também que o aumento da escolaridade nos últimos anos deve ter contribuído
para a queda no preconceito.
"Pode até ser que o debate sobre raça tenha influenciado,
mas não é possível concluir isso
com base na pesquisa. O que temos de concreto nesses últimos anos foi que houve uma
melhoria radical do sistema
educacional no Brasil", diz a
antropóloga.
Segundo o Datafolha, quanto
maior a escolaridade, menor a
manifestação de preconceito.
Entre a população com nível
superior, apenas 5% concordam que negros só sabem fazer
bem música e esporte. Entre os
que não passaram do fundamental, a proporção é de 31%.
A idade do entrevistado também influencia. Entre os que
têm 41 anos ou mais, 27% concordam com a frase sobre negros na música e esporte. Entre
os mais jovens (16 a 25), a proporção cai pela metade: 13%.
(ANTÔNIO GOIS)
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