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TRABALHO
Vida profissional é maior entrave, dizem negros
Pretos e pardos estão excluídos de postos de elite e ganham
menos que brancos quando realizam a mesma função
MÁRIO MAGALHÃES
EM SÃO PAULO
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
A carreira de Eudes Freire na
medicina principiava quando
ele dava plantão em um hospital de Caieiras (SP), lá se vão
duas décadas. Havia quem se
dirigisse a ele, tratando-o por
enfermeiro, e perguntasse pelo
"doutor". Um dia adentrou um
menino de uns sete anos, que
ao dar com o homem exclamou:
"Pai, o médico é preto!".
O espanto não era para menos: o garoto se habituara a ser
atendido por brancos.
Ainda hoje, os profissionais
autodeclarados pretos e pardos
correspondem a meros 9,7%
dos médicos no Brasil, de acordo com o IBGE. A exclusão só é
maior entre dentistas, com presença reduzida a 8,6%.
No novo levantamento Datafolha, 48% do total de entrevistados afirmaram que não conhecem médico negro -51% desconhecem sequer um professor universitário negro.
Não é à toa que, entre aqueles
que se atribuíram cor preta ou
parda, 55% responderam ao
Datafolha que o principal problema enfrentado pela população negra é a "discriminação no
trabalho - dificuldades para obter emprego". Em 1995, essa
era a opinião de 45%.
A impressão sobre os obstáculos no trabalho se assenta em
base factual. Em um ranking
com as 509 ocupações do Censo de 2000, o IBGE constatou
que em 92% delas o rendimento dos brancos era maior. Em
2007, um advogado que se declarou branco ganhou a média
mensal de R$ 2.911; um pardo,
R$ 2.304; um preto, R$ 2.243.
As diferenças se sobressaem
em estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e da OIT.
Em 2006, o índice de desemprego de homens brancos no
país foi de 5,6%. De homens negros (no relatório, o conjunto
de pretos e pardos), 7,1%. Somando os sexos, anotaram os
pesquisadores, "a diferença em
relação aos brancos se ampliou
justamente após 1999, quando
o mercado de trabalho [...] se
tornou mais favorável".
Essa é uma hipótese para a
ascensão, no Datafolha, do item
"discriminação no trabalho".
Outra: em 2006, a taxa de informalidade de trabalhadoras
brancas foi de 47,4%. De trabalhadoras negras, 62,7%.
Fusca x BMW
Os números ganham vida no
cotidiano: "Eu tenho que me
esforçar muito mais", diz o clínico e fisiatra Eudes Freire, 47,
aquele cuja cor causou espécie
ao menino. "Um erro do negro
vale dez. E não só na medicina."
"No ensino médio, tirei a nota máxima numa matéria, e a
professora falou: "Negro não
pode tirar a nota máxima". Ela
baixou a minha nota na frente
de todo mundo. Aí um colega
branco que hoje é advogado me
defendeu: "Então não assisto à
aula, a senhora está errada"."
Sua primeira faculdade foi de
enfermagem. "Havia uns quatro negros em 35 alunos." Na
medicina, "dois em 60".
No ensino de elite, evidencia-se a disparidade de perspectivas. Entre 369 aprovados para
medicina e ciências médicas no
vestibular Fuvest 2008, só um
(0,3%) afirmou ter a cor preta
-dois se disseram indígenas.
"Pela formação, um negro
não teve a oportunidade de medir forças igualmente", diz o
médico Eudes. "É como um estar dirigindo um Fusquinha e
outro um BMW." A assimetria
produz cenários como o hospital municipal do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, onde
Eudes Freire trabalha.
Os 35 mil pacientes atendidos por mês têm a cor do Brasil
-ou seja, todas. Quem os atende, contudo, são médicos na esmagadora maioria brancos ou
de ascendência oriental.
O cabeleireiro Sergio Luis da
Silva Junior, especialista em
cabelo black, acorreu ao hospital por um mal-estar. Ele nunca
foi atendido por médico de "pele escura ou cabelo crespo".
A cor dos médicos não difere
da predominante nas redações
de jornal. O país que concebe
craques como Pelé nunca foi de
dar vez a técnicos negros. De
cada 100 advogados, só 17,3 se
atribuem cor preta ou parda.
Direito, com 396 alunos, é
um dos três cursos da Faculdade da Cidadania Zumbi dos
Palmares, em São Paulo. A Unipalmares tem cerca de 1.800
estudantes -88% se dizem negros. A instituição se propõe a
reunir "negros e brancos em
proporções significativas".
A pluralidade de cores nos
seus corredores contrasta com
a vista em um salão do Palácio
da Justiça, praça da Sé, em uma
tarde do começo do mês. Ali,
reuniam-se 51 desembargadores da Seção de Direito Público
do Tribunal de Justiça. Todos
no recinto aparentavam ser
brancos. Menos o funcionário
que abria a portinhola para a
passagem dos magistrados.
150 mil
negros, beneficiários da política de cotas, devem se formar e entrar no mercado de
trabalho no país até o ano de
2013, segundo dados do governo federal
49%
dos brancos apóiam a reserva de 20% dos postos de trabalho para negros em empresas públicas e privadas;
entre os entrevistados que
se declaram pretos, o apoio
aumenta para 55%
74%
dos autodeclarados pretos
de classes econômicas D/E
acreditam que, se uma pessoa jovem e negra trabalhar
duro, ela provavelmente
conseguirá melhorar de vida. Entre os autodeclarados
pretos de classes A/B, esse
percentual é de 86%
62%
dos entrevistados com nível
superior de ensino são contrários à criação de cotas em
empresas públicas e privadas para pretos e pardos
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