São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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VOZ DE MORADOR

Almoxarife do Itaim Paulista gasta 4 h para ir e voltar

"Sobram menos de 20 horas pra eu trabalhar, viver e aprender", diz morador que pega todos os dias lotação, trem e metrô

WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

O portão de ferro meio retorcido se abre com um grunhido, meio contra a vontade, por volta das 7h. É quando Paulo José da Costa começa a peregrinação pelo transporte paulistano, do Itaim Paulista até o trabalho, cerca de 40 km e duas horas depois. "Parte da minha vida está dentro da condução", diz, rindo de orelha a orelha.
É que o trajeto começa no lotação Nossa Senhora do Caminho. Com fé, ele chega à estação da CPTM, pega o trem lotado até o Brás e lá o metrô até a Sé -onde atravessa o "mar de gente", troca a linha vermelha pela azul; depois essa pela verde; e desce na estação Brigadeiro. Duas quadras a pé e ele então cruza a catraca, ajeita cabelo e entra no escritório. Às 9h.
É assim todo dia: duas horas para ir, mais de duas para voltar. "Sobram menos de 20 pra eu trabalhar, viver e aprender", diz. Fazer o quê se precisa sustentar os gêmeos Micael José e Jeniffer Antônia, 10? Queria morar perto, gastar menos tempo, "fazer um curso" -há dez anos tenta terminar o ensino médio. Mas na zona leste o aluguel morde só um sexto dos R$ 1.200 que ganha, carteira assinada, como almoxarife de um escritório de advocacia, na região da av. Paulista.
"O pessoal tem preconceito, mas sou ZL e gosto daqui", diz Magu -apelido do homem magro de 32 anos e olhos pretos pequenos que brilham no rosto moreno quando conta que, há uns dez anos, "era molecão pichador". Pegava latas de spray, subia com seu "visual punk" nas portas dos trens da CPTM e "assinava" nos muros em letras pontiagudas: F.O.T.S. (Formação Organizada Tinta Spray).
Era o tempo da "galera do trem", quando "ir para a cidade era uma balada", diz um dos amigos, que tomava com ele o último vagão da linha F. Até que Magu foi pego pelos seguranças e levado à polícia.
"Não tem lazer, é falta do que fazer na periferia", diz. Os primeiros desenhos, fez aos 14, quando começou a trabalhar como office-boy. A primeira pichação foi em 1989; a última, antes de os filhos nascerem. Viu-se sem emprego, com a namorada grávida e reverteu o prejuízo -virou office-boy no local onde trabalha há dez anos. A carteira de trabalho foi assinada um mês antes de ser pai.
Na época "a casa parecia casa, tinha tapete, cadeira, tudo". Hoje é coberta por dentro e por fora com grafites. Foi quando deu uma festa para colegas pichadores. Começou com umas cervejas e terminou com um mosaico de assinaturas, que ele pensa em apagar com tinta branca -e pichar de novo.
"Sou largado igual os muros da minha rua", diz Magu. É verdade que foi evangélico da Assembléia de Deus, mas hoje acredita pouco. "Aqui quase todo lugar tem bar, igreja e pizzaria", brinca. "Mas falta lazer, praça, tudo."
Hoje ele quer estudar fotografia. Mas como um "nóia" -viciado em drogas- roubou sua câmera, as fotos que publica em seu fotolog (do trabalho), ele faz com o celular.
As rabiolas de pipas velhas balançam nos fios dos postes, enquanto Magu abre outra cerveja Glacial e serve os copos de extrato de tomate, um para cada amigo que comemora com ele o aniversário de 32 anos. Toca o Nokia preto descascado e é Vitão do trem a caminho do trabalho (como operador de telemarketing). "Valeu irmão, se puder cola aí", diz. Mas ele não vai. Está em outro Itaim, o Bibi.
A distância, na família de Magu, parece congênita. Pai e mãe deixaram Morro do Chapéu (BA) e chegaram no Itaim pouco antes de ele nascer. O pai foi por décadas porteiro do prédio da TV Gazeta, na Paulista. Quase no mesmo lugar onde três filhos foram trabalhar. Normal -como diz um amigo dos tempos do "último vagão", Magu "é o cara que faz a ponte entre os dois mundos."




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