São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

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PAULISTANOS

Capão Redondo/Jardim Ângela

Maioria quer ir embora de São Paulo




DA REPORTAGEM LOCAL

A história de Paulo Lima (o nome é fictício), 17, é um bom exemplo da realidade na região do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, onde o rapaz nasceu e vive -se depender dele, não por muito tempo. Uma região cheia de problemas, violenta, pobre, com quase nenhuma opção de lazer e muito poucas perspectivas, onde a ausência do poder público é compensada pela presença de entidades que tentam apoiar as pessoas e levantar a auto-estima dos moradores.
Pego roubando um carro, Lima recebeu uma pena alternativa: prestar serviço voluntário numa entidade por três meses. Segundo a pesquisa Datafolha, a região que agrega o Campo Limpo é considerada a mais violenta da capital paulista (19% dos entrevistados disseram isso). A falta de segurança é também apontada como principal problema de quem vive nos bairros que formam a área (35% dos ouvidos contra uma média de 31% na cidade em geral) e é a primeira coisa que vem à cabeça dos moradores da região quando pensam na cidade de São Paulo (32% contra 27%).
A descrição feita por Lima do local bate com a imagem que os paulistanos têm dessa localidade (que inclui ainda os distritos de Capão Redondo, Cidade Dutra, Grajaú, jardins Ângela e São Luís, Marsilac e Parelheiros). "Não tem muita coisa para fazer. É feio, sujo e longe de tudo", diz o rapaz.
Ela é vista como a mais feia (10% dos entrevistados), a mais pobre (12%) e a segunda com menos opções de lazer (7%). Em um cenário quase desolador como esse, não é à toa que a maioria dos que lá vivem (56%), se pudesse, faria as malas para deixar a capital paulista. O jovem Lima não quer ir tão longe. "Meu sonho é ir morar no centro", afirma.
É no distrito de Santa Cecília, a uma hora e vinte minutos de distância -"com sorte, se o ônibus não quebrar"-, onde ele passa a maior parte do tempo, estudando, trabalhando ou namorando. "No centro dá para ir a shows, ao cinema, ao shopping. É tudo mais perto, mais fácil. É tudo melhor."
Um dos poucos aspectos em que Lima destoa do perfil do morador de sua região é no nível de escolaridade. Ele vai começar a cursar o 2º ano do ensino médio, enquanto 61% de seus vizinhos ouvidos pelo Datafolha têm apenas o ensino fundamental (a média na cidade é de 49%).
Lima diz que quer fazer cursinho para prestar vestibular, mas conta que desistiu de tentar cursar direito. "Você nunca vai conseguir defender o que é certo", lamenta. Com o trabalho voluntário, o rapaz afirma estar aprendendo "a dar valor às coisas".
É justamente a se dar o devido valor que todo o extremo sul paulistano precisa aprender, diz Neide de Fátima Martins Abati, 65, presidente da União Popular de Mulheres do Campo Limpo, que mantém uma outra instituição na região, a Casa da Mulher e da Criança, por onde passam por dia até 200 pessoas -entre as que vão pegar leite, fazer cursos de alfabetização, bordado, fuxico, culinária, tai-chi-chuan ou tomar um livro emprestado na biblioteca.
Numa região onde as pessoas, para se divertir, não costumam fazer nada e São Paulo não é vista como a cidade onde é possível encontrar de tudo, as poucas opções que a casa oferece são vistas como preciosidades. "Em vez de ficar em casa, assistindo a programas violentos, venho para cá e me distraio", afirma o aposentado Valfrido Simões da Silva, 80.
Ele é um dos idosos que não perdem uma aula de tai-chi-chuan. Todo sábado, às 9h, cerca de 20 pessoas praticam os exercícios numa pracinha que só foi construída graças à mobilização dos vizinhos em mutirão.
"Como quase todo mundo está desempregado, fica o dia inteiro sem fazer nada", diz Valéria Batista Martins, 30, cinco filhos, sem trabalho há cinco anos. Como ela, 23% dos que vivem na região não têm emprego (a média geral na cidade é de 17%).
(MARIANA VIVEIROS)


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