São Paulo, segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

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São Paulo exclui o Tietê, mas aceita o Pinheiros

Rio Pinheiros têm áreas nobres ao seu redor; já o Tietê, parece um estorvo

EVANDRO SPINELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Diz uma piada que o rio Tietê tem tanto medo de água que ele foge do mar.
São Sebastião, no litoral norte paulista, fica a menos de 25 km da nascente do Tietê, em Salesópolis, mas ele "preferiu" correr para dentro do Estado até desaguar, 1.136 km depois, no rio Paraná, na divisa de SP com MS. Por isso, foi apelidado de "rio teimoso".
A teimosia do Tietê poderia ser vista como um privilégio para a cidade de São Paulo, cortada de leste a oeste por um dos mais importantes rios do país. Mas a cidade despreza o Tietê.
Até o Pinheiros, afluente do Tietê e tão fétido quanto, é mais integrado à cidade.
Às margens do Pinheiros passa uma linha de trem, está sendo feita uma ciclovia e estão alguns dos hotéis mais elegantes da cidade.
No rio Pinheiros fica o mais novo cartão-postal da cidade, a ponte Octavio Frias de Oliveira. A paisagem já foi servida até ao então presidente dos EUA, George W. Bush, que via de seu quarto de hotel a ponte e o rio.
Algumas das regiões mais nobres de São Paulo estão ali, bem próximas do Pinheiros. Algumas das mais importantes agências de propaganda do país também. Sem falar dos shoppings de luxo -Daslu e Cidade Jardim, por exemplo-, templos de consumo da elite.
E o Tietê? Ao contrário de integrar-se à cidade, mais parece um estorvo. Entre a Lapa e a Penha é quase considerado um obstáculo indesejado à expansão das vias expressas que passam por ali. Chegou-se a sugerir cobrir o rio com uma laje para os carros passarem.
No extremo leste da cidade, onde não há avenidas em suas margens, o rio disputa espaço com moradores que vivem praticamente todo o verão em áreas alagadas. O rio, como é óbvio, sempre ganha a briga e se torna indesejável.
"A relação que o paulistano tem com a água é a água da torneira. Mas onde tem mais água é no rio. O paulistano não olha os seus rios. E se olha, não vê, não os enxerga", diz a arquiteta urbanista Jenny Zoila Baldiviezo Perez, professora da FMU.
Em sua tese de doutorado, de 2004, Perez mostra que a região do Pinheiros se desenvolveu mais que a do Tietê por razões que remontam à década de 1920, quando começou o projeto de correção dos cursos dos rios. A arquiteta explica que o projeto de retificação do Tietê ficou a cargo da prefeitura, que optou por desapropriar apenas as áreas do próprio leito do rio.
Já no Pinheiros, o projeto foi feito pela Light, em uma das primeiras concessões públicas da cidade. A empresa, então, preferiu desapropriar praticamente toda a área da várzea e, ao longo das décadas, os terrenos foram sendo revendidos.
O resultado, diz a arquiteta, é que a área do Pinheiros adquiriu um parcelamento urbano do século 20 e a do Tietê permaneceu com o território ocupado como no século 19, mas com uma avenida no meio.
O processo de retificação do traçado do rio Pinheiros durou cerca de 20 anos -entre as décadas de 1920 e 1940. A Light mudou o curso do rio para jogar água para a serra do Mar e, lá, instalou uma usina de energia.

Reurbanização
A empresa aproveitou o projeto para adquirir um estoque de terras que seriam valorizadas ao longo do tempo. Os vazios urbanos criados na região propiciaram uma reurbanização da área que tiveram seu auge no boom imobiliário dos anos 1980 e 1990.
Já a retificação do Tietê foi mais longa. As negociações para desapropriação de áreas começaram nos anos 20, mas as obras só foram concluídas na década de 1980, com a obra do Cebolão -complexo viário que liga as rodovias Anhanguera e Bandeirantes com a marginal.
Como a prefeitura limitou as desapropriações à área projetada do rio, não houve uma reurbanização. Na região mais central, os terrenos ficaram com os antigos proprietários e, na maioria, já estavam ocupados. No extremo leste, as áreas foram ocupadas ao longo do tempo, devido à expansão urbana e ao crescimento populacional.
Agora, a batalha é retomar a importância urbana do rio Tietê. Dificilmente ele terá a mesma que o seu afluente Pinheiros, mas ainda pode ser uma área de lazer.
"Se tivermos uma travessia sobre o rio que permita às pessoas visualizar o skyline do Tietê, já vai ser um grande ganho", diz Perez. "A gente vê nesses dois rios potencialidades muito grandes e eles ainda podem oferecer muito à cidade. Basta lembrar que eles já foram muito importantes em termos de lazer e de esportes."
Um embrião da integração do rio com a cidade é projetado no futuro parque Várzeas do Tietê, que irá da Penha a Salesópolis. As obras começaram na zona leste, onde terá equipamentos para esportes e lazer.


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