São Paulo, quinta, 25 de setembro de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Movimentos leigos afetam a hierarquia e preocupam igreja

Adriana Zehbrauskas/ Folha Imagem
Fiéis levam as mãos a ostensório, em reuinião de grupo de oração


MARCELO MUSA CAVALLARI
HAROLDO CERAVOLO SEREZA
da Redação

Leigos que se reúnem e se organizam em grupos de diferentes tendências religiosas e políticas começam a preocupar os bispos brasileiros. A sua principal influência não vem do total de participantes, ainda pequeno, mas da organização e da leitura que fazem do catolicismo.
Em pesquisa Datafolha entre católicos praticantes do Rio e São Paulo, só um grupo aparece: o da Renovação Carismática, do qual 4% dos entrevistados dizem participar.
Mesmo assim, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) destacou especialistas para estudá-los. Na sua 35ª Assembléia, realizada em abril deste ano, foi apresentado o documento "Teologia dos Movimentos", feito pela Comissão Episcopal de Doutrina.
O texto diz que "os movimentos possuem estrutura própria, espiritualidade própria, orientação própria, líderes próprios" -o que já causou tensões entre os grupos e a hierarquia tradicional da igreja em várias partes do mundo.
A estrutura da igreja, desde os primórdios, organiza-se geograficamente. Um católico está ligado à paróquia em que vive. É lá que deve ir à missa, batizar os filhos, na paróquia da noiva é que deve ocorrer o casamento etc.
Os fiéis e o padre da paróquia subordinam-se ao bispo da cidade ou região, cuja jurisdição é a diocese. Acima dele, só o papa.
Os movimentos -estimulados após o Concílio Vaticano 2º, que sugeriu novas formas de organização- alteram esse cenário.
Em grande medida, é a razão de seu sucesso. As paróquias funcionam muito bem em comunidades pequenas. Com as grandes cidades, a ligação geográfica torna-se mais fraca.
Os movimentos oferecem a oportunidade de uma solidariedade entre fiéis baseada em traços comuns de vida, personalidade e maneiras de ver o mundo.
O que ocorre é que os integrantes acabam fazendo sua ligação com a igreja por meio do movimento. Celebrações, sacramentos, orientação e estudo da doutrina católica passam a seguir a linha ditada pelos líderes do grupo.
Opus Dei
A Opus Dei (Obra de Deus em latim), por exemplo, compromete-se a "proporcionar uma assídua formação na fé católica" e "a necessária atenção pastoral por meio dos sacerdotes da prelazia", segundo seus folhetos.
A rigor, a Opus Dei não é um movimento. É uma prelazia pessoal, espécie de diocese sem território. O bispo da Opus Dei é tão bispo quanto um bispo local. A ele respondem os padres da organização espalhados pelo mundo e formados em seminários próprios.
O membro da prelazia assina um contrato e se compromete a "procurar santificar-se e fazer apostolado segundo o espírito da Opus Dei", organização influente em vários países de língua espanhola e controladora de instituições de ensino superior, como a Universidade de Navarra (Espanha).
No Brasil, cerca de 1.500 pessoas assinaram o contrato. Antes disso, um candidato passa pelo menos cinco anos se preparando. Nas palestras que a Opus Dei promove, homens e mulheres não se misturam, e o orador fala por mais de 30 minutos sem ser questionado.
A Renovação Carismática, que, segundo as contabilizações mais exageradas, reuniria 8 milhões de integrantes no país, é fortemente influenciada pelo pentecostalismo. Pentecostes é a festa que comemora a descida do Espírito Santo sobre os discípulos de Jesus.
Do pentecostalismo protestante a Renovação Carismática tomou emprestado práticas de oração extáticas e as curas espirituais.
Toda segunda-feira, um grupo de oração da Renovação lota a catedral da Sé, no centro de São Paulo, por quase três horas. É um tempo pelo menos três vezes maior do que o de uma missa dominical.
Depois do terço, iniciado às 19h30, os integrantes entoam músicas de louvação, rezam e ouvem pregações de leigos e padres. No dia 1º de setembro, um dos leigos criticou uma revista esotérica que usava a imagem da Virgem Maria e a pastilha de hortelã Benalet, que utilizou em propaganda a imagem do sacramento da comunhão.
Para a comissão teológica da CNBB, há risco de "um clima de histeria coletiva" e "debilidade psíquica". "O apelo indiscriminado aos carismas pode ocasionar confusões e fanatismo, sem distinguir dom do espírito e desvio psicológico."
Para os membros do Comunhão e Libertação, o que importa é a companhia. O padre italiano Luigi Giussani, fundador do movimento, acentua o fato de que o cristianismo não é uma teoria ou uma prática, mas um acontecimento histórico: a encarnação de Jesus.
"O encontro com Cristo é o encontro com uma pessoa", explica o padre Vando Valentini, coordenador do movimento em São Paulo. O convívio entre os membros do movimento é a forma de eles integrarem a igreja.
Todos os integrantes do Comunhão e Libertação fazem "escolas de comunidade". São grupos pequenos que se reúnem periodicamente para discutir um livro de Giussani. Quando o texto não dele, o tema é próximo. Em setembro, um grupo formado na Copa de 94 na igreja Nossa Senhora de Fátima, em São Paulo, debateu o texto "História de uma Paixão pela Historicidade dos Evangelhos", de Julián Carrón.
Tanta dedicação a Giussani levou o arcebispo d. Paulo Evaristo Arns a perguntar ao padre Valentini se ele seguiria suas ordens ou as do líder do movimento. "Giussani me ensinou a obedecer sempre o meu bispo", respondeu Valentini.
Num momento de expansão das igrejas evangélicas, a CNBB teme que, atuando de maneiras tão diversas, os movimentos enfraqueçam a atuação em conjunto dos católicos. "Eles podem ser dentro da igreja autêntico fermento evangelizador como podem criar igrejas paralelas", conclui o documento.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.