São Paulo, domingo, 27 de maio de 2001

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LONGE DE TODOS

Fugas e bordunadas garantem isolamento

Flávio Florido/Folha Imagem
Menino canamari durante a Festa da Anta, na qual as crianças apenas observam, e os adultos dançam em círculos, pedindo sorte nas caça

Nos anos 80, quase todos os grupamentos indígenas tiveram conflitos com equipes da Petrobras

DO ENVIADO ESPECIAL AO AMAZONAS

Os índios das margens dos rios Jutaí e Jandiatuba, no sudoeste do Amazonas, conseguem viver isolados do resto da sociedade graças a uma estratégia que combina fugas, flechas e bordunadas -golpes proferidos com a borduna, arma indígena feita de madeira.
Os vilarejos na região do vale do Javari acumulam histórias de ataques dos índios, que os ribeirinhos chamam de "brabos".
Há sete anos, um grupo de índios assassinou um casal de ribeirinhos do rio Jandiatuba. Teriam ameaçado os demais moradores.
Nos anos 80, quase todos os grupamentos indígenas tiveram conflitos com equipes da Petrobrás que atuavam na região. Existem informações seguras de que, pelo menos até 1997, grupos de ribeirinhos se organizavam para tentar massacrar os últimos isolados. Não os acharam.
A expedição da Funai concluiu que vivem nas proximidades dos rios Jutaí e Jandiatuba entre três e quatro etnias diferentes. Duas já foram identificadas: a dos chamados "flecheiros", um povo com histórico de confrontos com os ribeirinhos, e um grupo dissidente dos tsohom djapás.
A maioria dos djapás não é mais considerada isolada pela Funai por ter mudado seus hábitos culturais depois de entrar em contato com outra tribo, os canamaris (leia texto à pág. Especial 4).
Suspeita-se que a terceira tribo de isolados seja de catuquinas, um povo que já viveu na região. O último grupo poderia, em tese, ser também de "flecheiros", dos supostos catuquinas ou ainda de uma etnia desconhecida.
"No momento, as classificações importam pouco. A prioridade agora é saber se estão seguros", disse o subchefe da expedição, Rieli Franciscato.
Fotos aéreas feitas no ano passado mostraram que esses índios vivem em 16 malocas espalhadas em igarapés dos rios Jutaí e Jandiatuba. Mantêm roçados de macaxeira e tapiris (cabanas improvisadas). Ao todo, não devem passar de cem pessoas.
Eles vivem dentro da reserva indígena do vale do Javari, que tem área equivalente à do Estado de Santa Catarina. Em outra região do vale do Javari, moram outros dois povos isolados: os corubos e os maiás. Um grupo de corubos foi contatado pela Funai em 1996.
A Amazônia brasileira é uma das últimas regiões do planeta em que ainda vivem grupamentos humanos que evitam o contato com seus semelhantes. Seriam 53 tribos, num total estimado de menos de 3.000 pessoas.
"Por que essas pessoas preferem viver sozinhas a ter contato com seus vizinhos? A resposta é o que eles sofreram no passado. Se não tivessem escolhido a vida isolada, talvez não tivessem sobrevivido", disse Sydney Possuelo.
Estudos feitos com povos contatados recentemente confirmam esse raciocínio. Em geral, os isolados são sobreviventes de massacres provocadas na disputa pela posse de terras.
Os corubos, o último povo indígena contatado no Brasil, contam que passaram anos se deslocando dentro do vale do Javari fugindo de caçadores e madeireiros.
Ironicamente, a expedição da Funai confirmou que um dos maiores causadores de traumas aos índios isolados foi o próprio governo. Nos anos 80, técnicos da Petrobras foram ao vale do Javari pesquisar se havia bacias de gás natural e petróleo.
Explodiram dinamite para espantar os índios para longe da área em que estavam trabalhando. A Petrobras só abandonou o projeto depois que "flecheiros" mataram um funcionário e ameaçaram os demais.


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