São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

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Má educação

Repetência deixa de ser exceção

MAIS DA METADE DOS JOVENS BRASILEIROS JÁ REPETIU O ANO; ÍNDICE DE REPROVAÇÃO É ALTO MESMO NAS CLASSES A E B

[Por Antônio Gois, da Sucursal do Rio, e Gustavo Hennemann, Colaboração para a Folha]

Um país que ostenta uma das maiores taxas de reprovação do mundo não poderia produzir outro resultado que não o revelado pelo Datafolha: mais da metade (54%) dos jovens brasileiros já repetiu o ano na escola.
Esse percentual é maior entre homens, nordestinos e mais pobres.
O problema, porém, não é restrito a esses grupos. Quase metade (44%) dos jovens das classes A ou B, por exemplo, já repetiu.
Índices tão altos talvez tivessem justificativa caso isso melhorasse a qualidade da educação brasileira. Não é o que acontece, como lembra Ruben Klein, da Fundação Cesgranrio. "Se repetência funcionasse, o Brasil teria indicadores maravilhosos na educação. A escola tem que funcionar para que todos aprendam e não sejam reprovados."
Para a professora da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) Sílvia Colello, os altos índices de repetência resultam da falta de diálogo entre o jovem e a escola. "De um lado, há um jovem que não valoriza o saber. Do outro, escolas que dialogam pouco com a realidade do aluno. O saber tem de ter sabor. Um desafio dos professores é recriar esse sabor."
Giovanna Cappellano de Carvalho, 16, que repetiu o primeiro ano do ensino médio em um colégio privado de São Paulo em 2006, diz que a relação com os professores influencia muito no seu desempenho. "Se o professor dá uma aula que me envolve, presto atenção e faço o que ele pede."
Ela conta que brigava muito com a professora da disciplina em que reprovou. Mas assume sua responsabilidade. "Vi que estava perdendo tempo e amadureci."
O pai de Giovanna, Marcelo de Carvalho, 41, diz que, após a reprovação, decidiu mudar a filha de escola e matriculá-la em cursos técnicos. "Ela desenha bem, gosta de arte, de moda."
Para ele, a reprovação também teve efeitos positivos. "Você joga uma grana fora e expõe falhas no relacionamento com os filhos. Mas foi uma ruptura. Ela percebeu que a própria irresponsabilidade causou coisas ruins."
Apesar de concordarem que a reprovação deve ser combatida, diretores de escolas particulares de São Paulo afirmam que, em alguns casos, reter um estudante pode ser positivo.
"Uma reprovação não cai de pára-quedas", diz Fátima Trindade, diretora-geral do Colégio Pio XII. Ela considera que muitas vezes a reprovação faz o aluno rever decisões e escolhas.
Para o diretor-geral pedagógico do Colégio Dante Alighieri, Lauro Spaggiari, o aluno pode ganhar segurança e passar a render mais. "Quando a família e a escola apóiam, ele se sente mais forte e percebe que era necessário."

Coisa de menino
Os números do Datafolha mostram que os meninos repetem mais do que as meninas: enquanto 63% deles já reprovaram, entre elas o índice cai para 46%. "Temos uma cultura de escola primária que é mais feminina, que valoriza o asseio, o comportamento, enquanto o menino é mais beligerante, mais ativo", diz o coordenador do programa de pós-graduação em educação da USP, Romualdo Portela.
Sílvia Colello também vê influência cultural. "A mulher é mais incentivada a ser dócil e a lidar com as regras do jogo. Mas isso não signifi ca que aprenda mais", afirma a professora.


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