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Compre o futpopbolista
por Washington Olivetto
Maio de 1948.
O centroavante
Heleno de Freitas, do
Botafogo do Rio de Janeiro, assinava com o Boca Juniors, da
Argentina, o maior contrato já
feito até então por um jogador
de futebol brasileiro: US$ 300
mil de luvas e US$ 9.000 por
mês de salário. Ou seja, 1 milhão de cruzeiros, quantia absolutamente fantástica, capaz
de comprar três apartamentos
de sala e dois quartos de frente
pro mar no Posto 6, em Copacabana, ou um apartamento de
três quartos em plena Vieira
Souto, em Ipanema, sobrando
dinheiro ainda para adquirir
um automóvel Dodge 1947 superluxo de quatro portas.
Naquela época, Heleno de
Freitas era a exceção das exceções, fato que o recém-lançado
livro do jornalista Marcos
Eduardo Neves ("Nunca Houve um Homem como Heleno")
conta em detalhes.
Enquanto a maioria dos jogadores de futebol andava de
bonde, ele desfilava no seu Cadillac conversível.
Enquanto os grandes craques se vestiam como bancários de terceiro escalão, ele fazia seus ternos com De Cicco, o
alfaiate do presidente Getúlio
Vargas.
Enquanto seus companheiros de concentração ouviam
Linda Batista, ele ouvia Billie
Holiday.
Enquanto os cobrões depois
dos jogos freqüentavam a Taberna da Glória e o Dancing
Avenida, ele freqüentava o Cassino Atlântico e o Cassino da
Urca.
Enquanto todos liam superficialmente as manchetes do
"Jornal dos Sports", ele lia
atentamente o romance "O
Lustre", de Clarice Lispector.
Enquanto os pais de família
nem sequer permitiam que
suas filhas olhassem para jogadores de futebol, ele era assediado, com amplo consentimento dos familiares, pela
maioria das herdeiras dos grã-finos cariocas.
Heleno era um pop star numa época em que essa expressão ainda não existia. Ou uma
estrela - como Francisco Alves, "O Rei da Voz", e Orlando
Silva, "O Cantor das Multidões".
Heleno de Freitas morreu
louco e abandonado num pequeno sanatório em Barbacena, no centro-leste de Minas
Gerais, no dia 8 de novembro
de 1959. Vítima da sífilis e dele
mesmo.
Março de 2006.
A consultoria alemã BBDO
divulgou a lista dos dez jogadores de futebol com maior valor
comercial no mundo.
Em primeiro lugar, o brasileiro Ronaldinho Gaúcho, que
vale US$ 56,4 milhões, seguido
do inglês David Beckham (US$
54 milhões), do inglês Wayne
Rooney (US$ 52 milhões), do
camaronês Samuel Eto'o (US$
37 milhões), do argentino Lionel Messi (US$ 36,5 milhões),
do sueco Zlatan Ibrahimovic
(US$ 36,2 milhões), do brasileiro Ronaldo Fenômeno (US$
35,3 milhões), do inglês Frank
Lampard (US$ 34,6 milhões),
do francês Thierry Henry (US$
34,5 milhões) e do alemão Michael Ballack (US$ 34,4 milhões).
Deixando as análises técnicas de lado, devemos lembrar
que o segundo lugar do meia
David Beckham, muito próximo do primeiro lugar do genial
Ronaldinho Gaúcho, deve-se
ao fato de Beckham ser considerado um dos jogadores mais
vaidosos e bonitos da atualidade e, por isso mesmo, bastante
requisitado para campanhas
publicitárias.
Deixando os julgamentos
morais de lado, devemos também lembrar que o terceiro colocado da lista, Wayne Rooney,
do Manchester United, briga
neste momento por uma dívida
de jogatina com o igualmente
milionário, apesar de não listado entre os 10 mais, Michael
Owen - ex-jogador de Liverpool e Real Madrid e hoje do
Newcastle. Segundo os tablóides londrinos, Rooney perdeu
US$ 1,2 milhão para Owen no
carteado e se recusa a pagar.
São realmente de dar inveja a
Mick Jagger e Bono Vox os números financeiros e as possibilidades de idiossincrasias e
permissividade que cercam e
privilegiam esses novos ídolos
pop, os futpopbolistas.
Donos de Ferraris do ano,
cortes de cabelo personalizados, roupas presenteadas por
costureiros famosos, Rolex de
ouro nos dois pulsos, namoradas modelos iniciantes ou consagradas, os futpopbolistas são
hoje tudo aquilo que o craque
Heleno ingenuamente imaginava ser, ou que o rapper Eminem pretensiosamente pensa
que é.
Até porque qualquer um desses futpopbolistas se apresenta
todas as semanas, ao vivo e via
satélite, para platéias bem
maiores do que as de qualquer
outro astro pop. Com direito a
área VIP e otras cositas más.
Aliás - e por falar em pop -,
a gravadora Universal negocia
neste momento com Ronaldinho Gaúcho a sua participação
num disco temático sobre a
Copa. Ronaldinho vai selecionar as faixas do disco e gravar
uma canção chamada ""O Goleador".
Nosso ministro Gilberto Gil,
que é da gravadora Warner,
também compôs uma canção
para a Copa: o samba "Ballet de
Berlim", gravado em conjunto
com o cervejeiríssimo Zeca Pagodinho.
O samba é magnífico (uma
espécie de "Aquele Abraço" do
século 21) e a gravação impecável. Mas periga o futpopbolista
Ronaldinho Gaúcho sozinho
vender mais discos e tocar mais
vezes nas rádios do que a consagrada dupla de cantores e
compositores da MPB.
Ainda comparando com o
universo da música: Bob Marley, que, como você sabe, não
morreu, continua vendendo algumas camisetas reggae para
os surfistas do Arpoador, no
Rio de Janeiro. Na maioria, são
camisetas piratas e baratinhas.
Pechinchando um pouco com
os camelôs, você leva a sua por
uns dez reais.
Enquanto isso, a loja do Real
Madrid, em Madri, vendeu em
apenas sete horas, no dia do
lançamento, 8.000 camisetas
oficiais com o número 23 e o
nome Beckham nas costas. E
vendeu também, entre o início
de setembro e o meio de novembro de 2005, mais de 200
mil camisetas com o número 9
e o nome Ronaldo nas costas.
Preço das camisetas de Beckham e Ronaldinho: 77 cada
uma (cerca de R$ 215). E não
adianta pechinchar.
Futebol definitivamente virou business e show business.
Nada mais justo que os artistas
sejam bem pagos. São eles que
fazem o espetáculo e uma porção de gente ganhar dinheiro.
A seguradora americana Integrated Benefit Consultant,
de Nova York, estimou recentemente o valor do seguro de
vida de alguns dos principais
jogadores do futebol mundial:
Ronaldinho Gaúcho -US$ 30
milhões; Beckham - US$ 30
milhões; Ronaldo Fenômeno
-US$ 25 milhões; Zidane
-US$ 25 milhões. Valores bem
menores do que qualquer um
deles vale vivo, mas localizados
quase na mesma escala de dígitos do valor da apólice de proteção mais cara da história da
humanidade: a da Monalisa, de
Leonardo da Vinci, que foi segurada por US$ 100 milhões.
Monalisa é arte, atletas são
artistas. Artistas que produzem
arte e dinheiro.
A cada ano, a Nike desembolsa US$ 1,3 bilhão (11% do seu
faturamento) em publicidade,
contratando, entre outras coisas, atletas renomados como
garotos-propaganda. Boa parte
desse investimento vai para o
futebol.
A cada ano, a Nike fatura US$
12,2 bilhões. Boa parte desse
faturamento vem do futebol.
Os astros futpopbolísticos
exercem fascínio nas pessoas e
vendem de tudo. De jóias a
chupetas. Só o Real Madrid
tem mais de 700 itens licenciados. Faturou com eles, em
2005, US$ 76 milhões, US$
12,5 milhões a mais do que em
2004. E deve multiplicar esse
faturamento em 2006, ano da
Copa do Mundo, quando os
spotlights se localizarão ainda
mais em cima da cabeça, corpo
e membros dos futpopbolistas.
A dona dos spotlights é a mídia, que também se beneficia.
Aqui no Brasil, só a Rede Globo
de televisão deve faturar este
ano com o futebol (Copa do
Mundo, Campeonato Brasileiro, Libertadores e outros torneios nacionais) algo como R$
1.004.300.000,00. Sendo que
cada uma das seis cotas masters de patrocínio da Copa foi
vendida por R$ 59,8 milhões.
Vendida é modo de dizer. Na
verdade, cada uma dessas cotas
foi disputada quase a tapa por
anunciantes que têm consciência de quanto esses patrocínios
podem ajudar na comercialização dos seus produtos.
A Rede Globo é a maior, mas
não é a única exploradora desses campos minados de ouro. O
futebol 2006 vai incrementar
também o faturamento da RedeTV!, do SBT, da Bandeirantes, da Band News, da Band
Sport e da ESPN Brasil. Assim
como deve fazer crescer a receita da Editora Abril, da Editora Globo, das rádios AM/FM
e dos jornais em geral.
A mídia se beneficia, as agências de publicidade se beneficiam e até mesmo os clubes
brasileiros, nem sempre tão
bem administrados, acabam se
beneficiando do futebol pós-profissional.
São Paulo e Corinthians renovaram seus patrocínios de
camisa com a LG e a Samsung
por algo em torno de R$ 15 milhões por ano. Números significativos para o nosso mercado,
mas ainda pequenos se comparados aos 24 milhões que a
Juventus de Turim recebe da
Tamoil ou aos 17 milhões que
o Bayern de Munique fatura
com a T-Mobile.
Obviamente, Juventus e Bayern são infinitamente menores do que São Paulo e Corinthians, mas contam com calendários bem estruturados, dirigentes profissionais -ainda
que a Itália viva um escândalo
agora- e uma série de coisas
que não temos no Brasil -o
que certamente explica o fato
de a maioria das nossas grandes estrelas jogar no exterior.
Mas essa é uma outra história,
que fica para uma outra vez.
E vamos voltar aos patrocínios das camisas. Até mesmo o
Barcelona, que sempre se recusou a ser patrocinado, agora
parece disposto a quebrar uma
tradição de séculos e finalmente permitir a exibição de uma
mensagem comercial nas suas
""malhetas" sagradas.
Recentemente, seu presidente, Joan Laporta, esteve na
China negociando um acordo
de 100 milhões por ano para
a sua equipe promover Pequim
como sede dos Jogos Olímpicos de 2008.
Os números são enormes,
mas o fato é maior ainda. Se até
a Olimpíada, mostruário de todos os esportes, que durante
anos trataram o futebol com
um certo desprezo, agora está
interessada nesse esporte como veículo de comunicação e
vendas, é porque o futebol está
mesmo com a bola toda. Tomara que continue assim por muito tempo, que a maioria saiba
aproveitar o seu momento e
que ninguém acabe louco como
o Heleno de Freitas.
WASHINGTON OLIVETTO, 53, é publicitário
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