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ESTILO
Lula deve fazer da retórica do "diálogo permanente" marca do mandato; Planalto é visto como "mesa de negociação"
Governo pode ser enorme câmara setorial
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Se levar à prática a retórica de
campanha e até algumas iniciativas concretas já adotadas, o governo do PT será uma espécie de
gigantesca câmara setorial -assembléias conjuntas de empresários, trabalhadores e funcionários
do governo para discutir o que fazer em cada setor da economia.
Os petistas não gostam dessa
expressão, por mais que a descrição que fazem da maneira como
governarão a torne inevitável.
O próprio Luiz Inácio Lula da
Silva prefere definir o mecanismo
como "diálogo permanente sobre
um novo encontro social" (mais
recentemente, "encontro" foi
substituído por "pacto").
Há, no entanto, uma diferença
importante em relação às câmaras setoriais tradicionais: o Legislativo será envolvido no debate
desde o princípio e não apenas na
hora de votar os projetos eventualmente nascidos nesses "encontros".
O fato é que nas reuniões com
empresários, sindicalistas e os
principais nomes de sua equipe,
feitas às vésperas tanto do primeiro como do segundo turno, Lula
disse que a reunião era uma expressão concreta da maneira como o PT governaria.
Retórica à parte, eis a prática: o
PT já vem trabalhando com a ABDIB (Associação Brasileira das Indústrias de Base) em um projeto
para atacar a crise energética, um
dos gargalos legados pela gestão
Fernando Henrique Cardoso.
Outro exemplo, encontrado
mesmo no setor financeiro, o
mais avesso ao partido: a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) criou grupos de trabalho para discutir temas como o "spread"
bancário (diferença entre o que o
banco paga por aplicações e o que
cobra por seus empréstimos), sobre crédito imobiliário e sobre a
regulação do setor.
O grupo foi aberto aos demais
partidos, mas o único que de fato
funciona é o que inclui petistas e
representantes da Febraban.
É óbvio que a discussão de políticas entre representantes do empresariado e do PT não quer dizer
que idéias do mundo dos negócios virarão proposta de governo.
Mas também é óbvio o interesse
do empresariado. Tome-se o caso
do crédito imobiliário, um dos
três temas em debates entre a Febraban e o PT: o BBV (Banco Bilbao Vizcaya) tem, na Espanha
57% de seus créditos concedidos
ao setor imobiliário. No Brasil,
apenas 6,7%. Se um governo Lula
achar meios de estimular o setor,
é sopa no mel para o BBV, e também para outros bancos.
Outra área em que apareceram
na campanha interesses comuns
entre o PT e antigos inimigos é no
mercado de capitais. "É com
enorme satisfação e com uma
grande surpresa que vejo a coincidência de posições entre o pessoal
da Bolsa de Valores e sindicalistas
do PT em torno de propostas para
revitalizar a Bolsa de Valores, destroçada pelo pessoal que está aí",
diz o consultor Antoninho Marmo Trevisan, que faz parte da "câmara setorial" na qual o PT discute a bolsa com o mercado.
Depõe: "Ambos falam em cooperativa de investidores, ambos
falam na importância de capitalização das empresas e na necessidade de levar o maior número de
pessoas a participar do mercado".
A idéia de um mecanismo parecido permeia os contatos do PT e
de Lula com banqueiros.
Em recente reunião com o setor, Lula perguntou: "Vocês
acham que as empresas podem
contrair empréstimos com esses
juros?". Um coro de banqueiros
disse: "Não". Lula insistiu: "E vocês não acham que, assim, vocês
também vão quebrar?". Os banqueiros: "Sim".
Corolário: a proposta de um
"grande acordo" para baixar os
juros. Falta o essencial: definir os
termos desse grande acordo.
Um mecanismo do tipo "câmara setorial" se aplicará também na
área social, aponta o empresário
petista Oded Grajew.
Ele diz que o PT mudará o enfoque adotado pelo programa Comunidade Solidária. "O Comunidade pede dinheiro para os empresários e executa programas. O
PT vai pedir que os empresários
assumam tarefas e responsabilidades".
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