São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 2002

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ESTILO

Lula deve fazer da retórica do "diálogo permanente" marca do mandato; Planalto é visto como "mesa de negociação"

Governo pode ser enorme câmara setorial

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Se levar à prática a retórica de campanha e até algumas iniciativas concretas já adotadas, o governo do PT será uma espécie de gigantesca câmara setorial -assembléias conjuntas de empresários, trabalhadores e funcionários do governo para discutir o que fazer em cada setor da economia.
Os petistas não gostam dessa expressão, por mais que a descrição que fazem da maneira como governarão a torne inevitável.
O próprio Luiz Inácio Lula da Silva prefere definir o mecanismo como "diálogo permanente sobre um novo encontro social" (mais recentemente, "encontro" foi substituído por "pacto").
Há, no entanto, uma diferença importante em relação às câmaras setoriais tradicionais: o Legislativo será envolvido no debate desde o princípio e não apenas na hora de votar os projetos eventualmente nascidos nesses "encontros".
O fato é que nas reuniões com empresários, sindicalistas e os principais nomes de sua equipe, feitas às vésperas tanto do primeiro como do segundo turno, Lula disse que a reunião era uma expressão concreta da maneira como o PT governaria.
Retórica à parte, eis a prática: o PT já vem trabalhando com a ABDIB (Associação Brasileira das Indústrias de Base) em um projeto para atacar a crise energética, um dos gargalos legados pela gestão Fernando Henrique Cardoso.
Outro exemplo, encontrado mesmo no setor financeiro, o mais avesso ao partido: a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) criou grupos de trabalho para discutir temas como o "spread" bancário (diferença entre o que o banco paga por aplicações e o que cobra por seus empréstimos), sobre crédito imobiliário e sobre a regulação do setor.
O grupo foi aberto aos demais partidos, mas o único que de fato funciona é o que inclui petistas e representantes da Febraban.
É óbvio que a discussão de políticas entre representantes do empresariado e do PT não quer dizer que idéias do mundo dos negócios virarão proposta de governo.
Mas também é óbvio o interesse do empresariado. Tome-se o caso do crédito imobiliário, um dos três temas em debates entre a Febraban e o PT: o BBV (Banco Bilbao Vizcaya) tem, na Espanha 57% de seus créditos concedidos ao setor imobiliário. No Brasil, apenas 6,7%. Se um governo Lula achar meios de estimular o setor, é sopa no mel para o BBV, e também para outros bancos.
Outra área em que apareceram na campanha interesses comuns entre o PT e antigos inimigos é no mercado de capitais. "É com enorme satisfação e com uma grande surpresa que vejo a coincidência de posições entre o pessoal da Bolsa de Valores e sindicalistas do PT em torno de propostas para revitalizar a Bolsa de Valores, destroçada pelo pessoal que está aí", diz o consultor Antoninho Marmo Trevisan, que faz parte da "câmara setorial" na qual o PT discute a bolsa com o mercado.
Depõe: "Ambos falam em cooperativa de investidores, ambos falam na importância de capitalização das empresas e na necessidade de levar o maior número de pessoas a participar do mercado".
A idéia de um mecanismo parecido permeia os contatos do PT e de Lula com banqueiros.
Em recente reunião com o setor, Lula perguntou: "Vocês acham que as empresas podem contrair empréstimos com esses juros?". Um coro de banqueiros disse: "Não". Lula insistiu: "E vocês não acham que, assim, vocês também vão quebrar?". Os banqueiros: "Sim".
Corolário: a proposta de um "grande acordo" para baixar os juros. Falta o essencial: definir os termos desse grande acordo.
Um mecanismo do tipo "câmara setorial" se aplicará também na área social, aponta o empresário petista Oded Grajew.
Ele diz que o PT mudará o enfoque adotado pelo programa Comunidade Solidária. "O Comunidade pede dinheiro para os empresários e executa programas. O PT vai pedir que os empresários assumam tarefas e responsabilidades".


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