São Paulo, quinta, 29 de janeiro de 1998

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IMAGEM
É como ir ao cinema e ver o filme de pé, sem pipoca ou goma de mascar

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio

Foi um espetáculo visual excepcional, aparentemente perfeito a não ser por instantes de falha na parte superior direita do telão. Assim quase se poderia definir o todo da tão falada odisséia pop do U2.
É aí que mora o perigo. Em "PopMart", os efeitos mirabolantes conseguem, quase sempre, desviar a atenção para um outro detalhezinho -o som, que, recauchutagens à parte, ao vivo continua conservador como sempre foi.
No Brasil, talvez o U2 tenha levado uma rasteira (várias?): cometeu o achado -e a asneira- de içar a bateria do Salgueiro ao palco.
Até parecia que ia entrar um Jorge Ben, mas era "Desire". Quando irrompeu o som da percussão, por alguns instantes a multidão maltratada esqueceu que havia telão, esqueceu limão, azeitona, sanduíche e colméia e parou para, simplesmente, ouvir música.
Foi só aí. No mais, você passa 2h18 tão colado às imagens embaralhadas -e repetitivas- que no fim até esqueceu de perceber que os U2 passaram músicas e músicas sem nem mover as pestanas.
São apáticos, para ser sincero -quem precisa entreter alguém quando Warhol, Lichtenstein, Haring, Michael Jackson (quanta levada chupada, hein?) e Xuxa (sim, Xuxa!) podem fazê-lo melhor?
Sim, Xuxa. Não é outra coisa o segundo clímax do show (atrás do Salgueiro), o balé solo do limão que é globo de discoteca que é carro alegórico mastodôntico de escola de samba que é nave espacial de programa de TV de quinta.
Parecia que a odalisca pós-clubber que requebrava, desajeitada, no centro do telão era não Madonna (como a ironia pouco sutil do U2 pretende), mas a própria Xuxa, e que Bono ia cantar não "Discothèque", mas "bom-dia, amiguinhos, já estou aqui...".
Maldade. É das coisas mais divertidas do show, um dos momentos em que a citação desenfreada a símbolos da globalização faz quase esquecer o tédio musical.
As últimas décadas passam diante de você durante o show, em imagens filmadas de estética meio B norte-americana (os caubóis urbanos de "Perdidos na Noite", "Os Embalos de Sábado à Noite", os ETs de "Marte Ataca!"). Mas é como ver cinema de pé -o filme é legal, mas cansa pacas.
E você descobre que o filme não tinha enredo -fazia um trocadilho bobo entre "pop art" e "popmart" e, no máximo, partia das imagens múltiplas de Warhol para afinal focar os olhos baços e o ego de um sujeito chamado Bono. E a trilha sonora, bem... não se compara a pipoca e goma de mascar.



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