São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Copa 1958

Começa um reinado

João Havelange, que presidia a CBD na conquista em 1958, diz que foi ridicularizado e lembra que esteve a ponto de morrer depois do título

ENVIADO ESPECIAL AO RIO

João Havelange, 92, presidente de honra da Fifa, falou à Folha sobre o que ele reputa como sua maior contribuição ao país: a Copa de 1958. Dezesseis anos depois, ele assumiria a Fifa. (RODRIGO BUENO)

 

FOLHA - O senhor mantém contato com os campeões de 1958? JOÃO HAVELANGE - O jogador com quem tinha mais contato era o Didi. Enquanto ele viveu, sempre o primeiro cartão de Natal que eu recebia era dele. O Pelé está aí, o Zagallo, com quem tenho muito contato, o Nilton Santos, que está um pouco doente, o Bellini, cuja saúde caiu um pouco. Os outros quase nunca mais vi. O De Sordi, o Djalma Santos vi uma vez, o Zito uma vez. Quase todos moram em Estados diferentes.

FOLHA - Como foi passar de empresário a dirigente de futebol?
HAVELANGE -
A gente aprende a trabalhar e a viver com a experiência industrial ou empresarial. Cheguei à Cometa [viação] em 1940 como advogado trabalhista. Fiquei dois anos como advogado, dois como diretor, depois 58 anos como presidente. O ônibus precisa disso, disso e disso, achava que o futebol também. Antes, tinha um técnico, um preparador físico, um médico, um roupeiro e um massagista, mais nada. Na Cometa, havia psicólogo, médico, tudo. Era a empresa que tinha menos acidentes. Era um trabalho administrativo que se aproximava da perfeição.

FOLHA - Como o senhor ascendeu à presidência da CBD?
HAVELANGE -
Quando me propuseram para ser candidato a presidente, só fiz uma exigência: se não fosse o Paulo Machado de Carvalho meu vice, não aceitaria. Acabamos compondo, e o Paulo foi eleito. Ele era um homem do futebol de São Paulo, do São Paulo, e de televisão, homem de penetração. Era muito amigo do Edmundo Monteiro, diretor principal da TV Tupi, do [Assis] Chateaubriand. Aí já tinha uma tranqüilidade na parte da imprensa.

FOLHA - Vários profissionais se juntaram à comissão técnica, alguns pouco comuns até então. Por quê?
HAVELANGE -
Com o Paulo eleito, convidamos o Nascimento [Carlos, supervisor], que havia sido um grande jogador, o José de Almeida para a administração, o Adolpho Marques para a parte financeira, o Mário Trigo como dentista, o Geada como pedicure, o Carvalhaes como psicólogo... Em vez de um massagista, tinham dois. Havia roupeiro. A comissão técnica, que eram quatro pessoas, passei para 10 ou 12. Fui muito criticado. O normal é que se critique. Mas depois o tempo veio e compreenderam que era uma necessidade. Hoje, o mundo todo trabalha nesse sistema.

FOLHA - A avaliação médica e psicológica também foi criticada, não?
HAVELANGE -
Houve uma preparação, primeiro, na Santa Casa. Todos os jogadores foram examinados da cabeça aos pés. Fui ridicularizado, diziam que era um time de bichas só porque tinha um pedicure. Tiraram dos pés dos jogadores, entre unhas encravadas, calos, tudo o que o senhor pode imaginar, um saco. E onde está a ferramenta do jogador? No pé.

FOLHA - O Geada não é tão reconhecido por seu trabalho em 58...
HAVELANGE -
O Geada está aqui. Até hoje é meu pedicure. É um homem extraordinário. Na parte médica, tínhamos o doutor Hilton Gosling. Além disso, tínhamos o Mário Trigo porque teve jogador que não me lembro [Pepe] que chegou com dentadura em cima dos cacos, ia dar um câncer. Foi tudo limpo e ele está vivo até hoje.

FOLHA - O senhor era nadador. Não tinha muito contato com o futebol quando assumiu a CBD, certo?
HAVELANGE -
Cheguei à Cometa e nunca dirigi um ônibus, nunca mexi num motor, num chassi. Como administrador, você procura ter o que há de melhor dessas coisas. O mesmo fizemos no futebol. Fomos buscar o Feola [técnico], campeão no São Paulo. Disse ao Paulo [Machado de Carvalho]: "Não deve ser um imbecil [o técnico], deve ser bom". Escolhemos o Feola.

FOLHA - Dizem que ele era bonachão, não mandava muito, dormia...
HAVELANGE -
Foi um técnico excepcional, jogadores gostavam dele. Respeitava o sistema de cada um, não impunha. Preparou o time de maneira sensacional, um time inesquecível.

FOLHA - Por que o senhor não foi à Suécia ver a Copa?
HAVELANGE -
Não havia um centavo. Disse ao Paulo: "Você vai". Ele disse: "Por que tu não vem?". Eu que assino o papagaio como presidente. Para ele ter o dinheiro e pagar todo mundo, precisava ficar aqui. Não tive a alegria de estar lá no momento.

FOLHA - É verdade que o senhor passou muito mal após a conquista?
HAVELANGE -
Tive uma perda porque trabalhei muito e me senti mal. Desmaiei dentro de um carro de um amigo meu, que me levou para o hospital. O Juscelino [Kubitschek, presidente] foi me ver no hospital, jamais esquecerei. Estive lá 15 dias, dos quais 10 estava praticamente morto, não me mexia.


Texto Anterior: Camisa 10 na Suécia fez a sua primeira viagem em 58
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.