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O BRASIL DO SÉCULO 20
Segundo o IBGE, o 1% dos mais endinheirados ganha o mesmo que os 50% mais pobres
País fica mais rico e mais desigual
ANTÔNIO GOIS
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
O século 20 foi aquele em que o
Brasil aumentou sua riqueza, mas
não a dividiu. Em cem anos, a riqueza total cresceu quase 12 vezes
em relação à população; no entanto, a distribuição de renda piorou na segunda metade do século.
Em 1960, ano marcado pela
inauguração de Brasília pelo então presidente Juscelino Kubitschek, o rendimento recebido pelos 10% mais ricos era 34 vezes o
obtido pelos 10% mais pobres; em
1991, a diferença chegou a 60 vezes
e, em 2001, os 10% mais ricos ganhavam 47 vezes o recebido pelos
10% mais pobres.
A concentração de renda é tão
grande que, na virada do século
20 para o 21, o 1% mais rico dos
brasileiros ganhava praticamente
o mesmo que os 50% mais pobres.
Mesmo com o país mais rico, a
estagnação econômica a partir
dos anos 80 fez o rendimento real
cair cerca de 7,5% em 20 anos. De
1977 a 1999, o número absoluto de
pobres aumentou de 40,7 milhões
para 53,11 milhões. Houve queda,
porém, da parcela que eles representam (de 39,6% para 34,09%).
O Brasil que encerrou o século
20 era um país mais velho, mais
urbano, mais feminino, mais alfabetizado, mais industrializado. A
desigualdade é a marca nacional,
seja desigualdade de renda, racial,
de gênero ou regional.
É o que mostram as "Estatísticas
do Século XX", publicação lançada ontem pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) com um resumo do Brasil no
século que passou.
De 1901 a 2000, o PIB (Produto
Interno Bruto, a soma das riquezas do país) mais do que centuplicou, subindo de R$ 9,1 bilhões para R$ 1 trilhão. No mesmo período, a população cresceu quase dez
vezes, de 17,4 milhões para 169,8
milhões de habitantes.
O PIB per capita -hipotética
divisão do PIB pela população-
cresceu 12 vezes, de R$ 516 em
1901 para R$ 6.056 em 2000.
Concentração
Apesar do enriquecimento, a
renda ficou mais concentrada a
partir de 1960 (quando estão disponíveis os primeiros dados sobre o tema). Em 1999, o 1% mais
rico da população em idade ativa
e com rendimento concentrava
13% da renda -quase o mesmo
que os 50% mais pobres, 13,9%.
O índice de Gini, que mede a
concentração de renda, cresceu
de 0,50 em 1960 para 0,63 em 1991.
Na década de 90, sofreu uma pequena queda, chegando a 0,59 em
1999. Usado mundialmente para
expressar a concentração de renda, o índice varia de 0 a 1. Quanto
mais próximo de 0, melhor é a
distribuição. Quando mais perto
de 1, mais concentrada.
"O Brasil teve um crescimento
fantástico, mas não aprendeu a
dividir a riqueza. O crescimento
econômico, comparável ao de
poucos países nesse século, levou
a uma evolução sem resolução de
uma série de problemas, que seguem agora para o século 21",
afirma o presidente do IBGE,
Eduardo Pereira Nunes.
De acordo com o relatório de
2003 do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o Brasil encerrou o século
20 com a sexta pior distribuição
de renda do mundo, perdendo
apenas para Namíbia, Botsuana,
Serra Leoa, República Centro-Africana e Suazilândia.
O índice é 0,519 no México,
0,408 nos EUA e 0,378 na Índia. O
mais baixo é o da Hungria, 0,244.
Nos EUA, a concentração de renda subiu a partir de 1979, e há hoje
no país 34,6 milhões de pobres,
12,1% da população.
Segundo o assessor de desenvolvimento sustentável do Pnud,
José Carlos Libânio, a América
Latina tem os maiores níveis de
desigualdade do mundo, e o Brasil, na América Latina, é o mais
desigual. Para ele, é difícil dizer se
o país é hoje mais ou menos desigual do que no início do século,
porque desigualdade não é só
renda. O acesso à educação, por
exemplo, melhorou.
"Houve riqueza, mas, enquanto
o bem-estar não for dividido, vai
persistir esse quadro de desigualdades e o que ele acarreta de instabilidade. A desigualdade alimenta
a pobreza", afirmou.
2º lugar em crescimento
Um estudo do Iedi (Instituto de
Estudos sobre Desenvolvimento
Industrial) mostra que, em todo o
século 20, o Brasil ficou em segundo lugar entre os países que mais
cresceram no mundo -uma média de 4,5% ao ano, igual à da Coréia do Sul e só superada pela de
Taiwan (5%). De 1900 a 1973, o
Brasil foi o país que mais cresceu
no mundo -média de 4,9% ao
ano. Já nas décadas de 80 e 90,
época de estagnação econômica,
o crescimento médio foi de apenas 2,4% ao ano.
Na avaliação do analista Nelson
Carneiro, da consultoria Global
Invest, o crescimento brasileiro
não se traduziu em diminuição da
desigualdade porque, nas bases
em que foi feito, era necessário
concentrar a renda.
"O crescimento foi impulsionado por indústrias que vendiam
produtos de maior valor agregado, como a automobilística ou a
de construção civil. Para vendê-los, era necessária uma classe com
alto poder aquisitivo. Por isso tivemos muita industrialização,
mas pouca gente consumindo."
A crise da dívida externa nos
anos 80 também reduziu o rendimento do brasileiro: de 1981 a
1999, a renda média do trabalhador perdeu 7,5% de seu valor,
caindo de R$ 485,53 para R$ 449.
Nas seis principais regiões metropolitanas do país, o rendimento médio real corrigido caiu 18,5%
de maio de 1983 a dezembro de
2000. O salário mínimo no Rio e
em São Paulo perdeu cerca de
50% do poder de compra entre o
valor mais alto (de 1958 a 1960) e
os do final do século.
O IBGE não dispõe de uma série
unificada desde o início do século
com rendimentos, daí a dificuldade de comparar a renda durante
cem anos. O salário mínimo era
regional até 1984, quando foi unificado nacionalmente.
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