São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2010

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Dilma planeja desenvolvimento à custa de financiamento público

Binômio de Brasil potência política incerta , com demanda sem precedentes por cargos no governo , será característica inicial de uma eventual administração da petista

OBJETIVA NO COMANDO, DILMA É UMA COBRADORA IMPLACÁVEL. DISTRIBUI TAREFAS E DEMANDA RESULTADOS

FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA

Se vencer, o Brasil de Dilma Rousseff (PT) terá uma marca desenvolvimentista à custa de financiamento público. Ao mesmo tempo, conviverá com um cenário inusitado na política: ampla base de apoio e demanda sem precedentes por cargos e participação no governo.
Esse binômio de Brasil potência e política incerta será a característica inicial de uma eventual administração Dilma. Há uma miragem propagada por petistas e aliados do presidente Lula a respeito do ambiente favorável a ser encontrado no Congresso no ano que vem. Para os dilmistas, esse cenário garantiria tranquilidade nas relações com os congressistas.
De fato, a bancada de deputados e senadores filiados a partidos aliados ao PT e ao projeto Dilma será sem precedentes para um presidente no dia da posse. Todos os ocupantes do Planalto eleitos pelo voto direto tiveram de construir maiorias a partir da eleição. Já a petista tem uma coalizão prévia.

PARTILHA DE CARGOS
Na prática, entretanto, a situação não é tão cartesiana. Além de os partidos não controlarem seus deputados e senadores, há logo no início de qualquer governo duas batalhas a serem vencidas pelo presidente da República. Primeiro, acomodar a todos os aliados na Esplanada. Segundo, arbitrar as disputas pelas presidências da Câmara e do Senado, um momento de fricção já clássico.
Na partilha dos 37 ministérios, vários partidos hoje aliados ao Planalto desejarão uma recompensa pelo apoio antecipado concedido a Dilma. O PMDB pleiteará mais espaço -afinal, embarcou no projeto petista na primeira hora. O PSB sempre ficou com pastas de menor importância, mas também é dilmista desde o princípio, tendo removido Ciro Gomes da eleição a mando de Lula.
Dilma terá de conciliar esses interesses com um outro (revelado a poucos) de reduzir o número de ministérios ao tomar posse. Seria uma forma de mitigar sua imagem de uma administradora a favor de um Estado inchado.
A equação tem solução difícil: acomodar o apetite por cargos com a eventual redução do número de ministérios. A conta poderia não fechar. Só na coalizão dilmista há dez partidos, o principal deles sendo o PT.
Na campanha, o ex-deputado e ex-ministro José Dirceu vocalizou o que representa a eleição de Dilma. É a chegada verdadeira do PT ao poder. Lula era maior do que a legenda. Com Dilma, ocorre o oposto. Não há como mensurar a volúpia da agremiação por cargos, mas certamente será maior do que nos dois mandatos de Lula.
Para tornar ainda mais complexa essa engenharia política, há do lado de fora da coalizão dilmista alguns partidos médios como o PP e o PTB. Estão dispostos a aderir. Em troca de cargos.

CONGRESSO
A fórmula matemática usada para compor os ministérios terá de ser acoplada à disputa dentro do Congresso. Os principais preteridos nas eleições para presidir a Câmara e o Senado podem ser recompensados com cargos ministeriais.
O problema é a dessincronia entre a posse presidencial (1º de janeiro) e a dos congressistas (1º de fevereiro). Há uma espécie de limbo político de 30 dias entre uma coisa e outra. Nesse período, o novo presidente convive com um "valle de los caídos" do outro lado da Praça dos Três Poderes -cerca de metade dos deputados e mais de um terço dos senadores não renovarão os mandatos.

VENTO FAVORÁVEL
O Brasil potência na cabeça de Dilma é o que colocaria o país como a quarta maior economia do planeta, atrás apenas de Estados Unidos, China e Japão. Quando está com seus assessores mais próximos, a petista fala do vento favorável no exterior para, a partir do ano que vem, promover mais multinacionais brasileiras, incentivo a obras de infraestrutura internas como metrôs em grandes metrópoles e o trem-bala entre Rio e São Paulo.
Pela ênfase que dá a esses projetos, a petista deixa transparecer um desejo de ficar oito anos na cadeira. A frase mais comum ouvida no comitê de campanha é: "A Dilma vai mandar muito". Não está claro como será o seu relacionamento com Lula a partir de 1º de janeiro.
Mas quem financiará todos esses projetos de desenvolvimento? O Estado, em sua maior parte. Embora existam análises sobre problemas estruturais no atual modelo de crescimento a médio prazo (com crescentes déficits externos e desindustrialização de alguns setores), Dilma recusa a tese de fazer algum ajuste fiscal de relevância na economia.
A petista repete um mantra. A inflação está controlada e a relação geral entre dívida e PIB está caindo. "Ajuste fiscal para quê?", pergunta. Por essa razão, acha possível mimetizar no Brasil o momento de grande efervescência pelo qual passaram os Estados Unidos na década de 50, pós-Segunda Guerra.

EXPLOSÕES
Objetiva no comando, Dilma é uma cobradora implacável. Distribui tarefas e demanda resultados. No Ministério das Minas e Energia e na Casa Civil, pastas que chefiou sob Lula, suas planilhas com anotações serviam de guias em reuniões.
Quando o subordinado não apresenta o que foi combinado, é comum haver explosões. Na época em que era ministra das Minas e Energia, no primeiro mandato de Lula, comandava uma reunião com cerca de 20 pessoas. A petista então cobrou de um funcionário de baixo escalão a informação sobre o valor de uma inserção comercial de 30 segundos no horário nobre da TV Globo.
O dado não estava disponível. Ela explodiu: "Assim não dá. É um idiota. Eu pedi isso há três dias". O constrangimento foi geral.
Durante a campanha, havia um temor no PT de que Dilma pudesse demonstrar de maneira muito explícita esse seu lado mais duro. "A imagem de que é pouco afável no trato pode dar trabalho. Não pode virar um Ciro Gomes de saia. Até porque ela é uma pessoa educada", dizia no início do ano Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte e talvez um dos mais influentes políticos no círculo de relacionamentos da petista.
Dilma rebate essas críticas. Usa como escudo o sexismo latente na sociedade. "Sou uma mulher dura em meio a homens meigos" é sua frase irônica, com algumas variações, ao ser cobrada pelo comportamento às vezes ríspido.
Pela campanha, a petista passou incólume. Não houve destempero registrado. Mas na cadeira de presidente a pressão é de outra natureza.


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