São Paulo, quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Campanha em 5 momentos

Senadora hesitou muito antes de deixar o PT, mas agora espera pela "onda verde"

BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO

Ela nunca imaginou que seria fácil.
Quando deixou o PT de Lula para disputar sua sucessão pelo minúsculo PV, em agosto de 2009, Marina Silva sabia estar diante do maior desafio da carreira política.
A decisão significava trocar a reeleição certa ao Senado por uma aventura com pouquíssima chance de vitória, a bordo de um partido frágil e em oposição aos companheiros da vida toda.
Candidata, ela enfrentaria dificuldades em série. Algumas previstas, como o tempo curto na TV e a falta de palanques estaduais. Outras inesperadas, como o corpo mole de aliados -um caso emblemático foi o do deputado Sarney Filho, no Maranhão.
Diante de cada revés, Marina se esforçou para manter o discurso otimista, mesmo que as palavras soassem estranhas à realidade.
Estagnada nas pesquisas, passou meses repetindo que havia "furado o plebiscito" entre PT e PSDB. Questionada sobre a falta de apoio político, dobrou a aposta nos "núcleos vivos da sociedade", que não foram capazes de encher um único comício.
A persistência da candidata, que chegou a se comparar ao sonhador Quixote, agora ameaça ser recompensada às vésperas da eleição.

1
CONSULTA AO PASTOR
No fundo, nem os verdes acreditavam.
Fundador do partido, o vereador carioca Alfredo Sirkis duvidava que Marina topasse o convite para se filiar ao PV e concorrer ao Planalto.
Marina hesitou muito antes do "sim". Incentivada por ambientalistas, via uma oportunidade de recuperar o prestígio perdido no PT e elevar a causa ecológica a um novo patamar no país.
Ao mesmo tempo, temia ser esmagada no confronto com adversários mais fortes.
Antes de definir seu futuro, ela pediu orações e consultou um grupo de pastores da Assembleia de Deus, à qual converteu-se em 1997.
Saiu dos encontros amparada numa metáfora bíblica, depois transformada em mote da campanha: a luta de Davi contra Golias, em que o pequeno hebreu surpreende e derrota o gigante.

2
DORES, ALERGIAS E RESTRIÇÕES
No início, ela não podia nem ouvir falar na ideia.
Após muita insistência, aceitou testar um pouquinho, começando pelas mãos.
Foi assim, lentamente, que o cabeleireiro Marcos Padilha conseguiu quebrar a resistência de Marina a um item básico das campanhas políticas: a maquiagem.
Acostumado a lidar com artistas de cinema e TV, ele teve que se desdobrar até acertar o make-up da candidata, que é alérgica às substâncias mais usadas pela indústria de cosméticos.
Só no fim de julho, faltando dois meses para a eleição, ela começou a aparecer maquiada em atos públicos, graças à importação de produtos antialérgicos.
As saúde de Marina, que teve contaminação por mercúrio e sobreviveu a malárias e hepatites, provocou saias-justas. Por causa das alergias, ela recusou quase tudo o que lhe ofereceram nas ruas, de flores a guloseimas.
Saiu invicta de compromissos como uma visita ao Mercado Municipal de São Paulo, na hora do almoço. Enquanto aliados salivavam com as bancas de frutas, ela repetia pacientemente, a cada feirante, que só podia comer "no horário". Muitos não disfarçaram a decepção.
Em Porto Alegre, Marina bateu recorde numa festa gaúcha. Recusou um passeio de charrete, por causa da labirintinte; o chimarrão, pela cafeína; e um espeto de carne, por ser vegetariana.
Ela ainda enfrentou sucessivas gripes e dores insistentes na coluna e no ciático.

3
FLASHMOBS E PIQUENIQUES
Parecia qualquer coisa, menos um ato de campanha à Presidência da República.
Numa manhã de sábado, cerca de 30 jovens vestiram máscaras coloridas e se espalharam pelo vão livre do Masp, na avenida Paulista.
No horário combinado, ocuparam uma das pistas e desenharam no asfalto palavras como desmatamento e violência. Em seguida, apagaram as inscrições, com vassouras e baldes d'água.
O objetivo era simbolizar a limpeza que Marina, se eleita, promoveria no país.
Foi uma das primeiras flashmobs promovidas pelo Movimento Marina Silva, que ainda faria piqueniques ecologicamente corretos, "banners humanos" e outras manifestações inusitadas de apoio à candidata.
Os "marineiros" também colaboraram com o retrato pop inspirado nos cartazes de Barack Obama.
A campanha oficial procurou investir na mesma roupagem moderna, com menos eficiência. A aposta nas mídias sociais, que compensariam o pouco tempo de TV, ficou longe do esperado.

4
EMOÇÕES À FLOR DA PELE
Ela abandonou o figurino de candidata e chorou.
Em visita à favela do Coque, no Recife, Marina não conteve a emoção ao conhecer um projeto social que ensina as crianças a recitar direitos negados pela pobreza.
A senadora ficou tocada com a apresentação de um menino de 4 anos, que fez um número de capoeira em sua homenagem. No voo de volta, escreveu um poema sobre o garoto, que recitaria no fim do debate da Band.
Além disso, passou a citar a favela em diversas ocasiões como exemplo de descaso do Estado com os pobres.
Recentemente, em nova ida ao Recife, Marina teve novo motivo para chorar.
Ficou sabendo que outro menino de 12 anos, filho de um a moradora que conheceu na primeira viagem, morreu ao cair de um ônibus.

5
À ESPERA DA ONDA VERDE
Os aliados já estavam jogando a toalha.
Marina passou a campanha à espera da onda verde que teimava em não vir.
Quando parecia relegada aos 10%, os escândalos na Receita e na Casa Civil incendiaram a briga entre os favoritos e abriram espaço para o avanço de sua terceira via.
Em alta, a senadora agora torce por um sprint ainda improvável rumo ao segundo turno. Na segunda-feira, ela já parecia satisfeita em se sentir temida pelos adversários: "Tentaram me ignorar, mas agora não dá mais".


Texto Anterior: Marina quer priorizar educação e evitar temas mais polêmicos
Próximo Texto: Irônico, Plínio ganha holofotes, mas não chega a 1% nas pesquisas
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.