São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 2006

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Desenvolvimentistas tentam pautar economia

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Grita a capa de outubro da revista da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica): "Precisamos de um presidente desenvolvimentista". É só o mais recente grito com o mesmo apelo partido de setores empresariais, sindicais, acadêmicos e políticos -um coro virtualmente unânime.
O grito foi ouvido, a julgar pelas promessas tanto do presidente reeleito, Luiz Inácio Lula da Silva, como de seus auxiliares mais próximos, como o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O segundo mandato de Lula significará a troca da ortodoxia que marcou o reinado de Antonio Palocci Filho na Fazenda pelo "desenvolvimentismo", como sinônimo de crescimento bem mais acelerado.
Na Fazenda, a Folha ouviu até um número para o crescimento anual médio no período 2007/2010: 5%. É o número que está na cabeça do presidente da Abinee, Ruy de Salles Cunha. Em editorial para a revista da associação, Salles Cunha lembra: "Precisamos colocar, a cada ano, 1,7 milhão de trabalhadores, e isso só será possível com um crescimento de 5%".
Um número ainda mais gordo -e por um período mais longo- aparece no documento mais recente (agosto) emitido pelo CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), concebido para ser um abrangente plenário de membros do governo, empresários, sindicalistas e acadêmicos, mas relegado ao ostracismo pelo controle absoluto que Palocci exerceu sobre a economia até cair em desgraça.
O CDES anuncia "ter como meta uma taxa de crescimento média do PIB real em torno de 6% ao ano até 2022, resultando na duplicação do PIB per capita". O texto explicita a troca da ortodoxia pelo desenvolvimentismo, ao dizer: "O foco nas prioridades econômicas -ajustamento macroeconômico e diminuição da vulnerabilidade externa- pode, a partir de agora, deslocar-se para a aceleração dos processos de distribuição das riquezas como imperativo para o crescimento sustentado do país".
A chave para o desenvolvimentismo, na visão do governo, é a redução dos juros, não a conta-gotas, como o Banco Central vem fazendo, mas aceleradamente. Mantega quer que, ao fim de 2007, o juro real (descontada a inflação) esteja em 5% ao ano, o que daria 9% em termos nominais, dado que a inflação prevista para o ano que vem é de 4% (hoje, os juros nominais, a 13,75%, são 50% superiores ao desejado).
O documento do CDES é menos contundente no capítulo juro: fala em reduzi-lo a 8% reais, ou 12% nominais.
Mas é explícito na necessidade de trocar a ortodoxia pelo que chama de ajuste. Diz: "Os instrumentos fiscais (receitas e gastos públicos) e os monetários (crédito e juros) devem ser ajustados para permitir a combinação de baixa inflação e alto crescimento econômico, como demonstram ser possíveis os momentos históricos vividos por países hoje desenvolvidos, como EUA, Alemanha, Japão, Canadá, Espanha".
O problema, para acreditar que a adoção do desenvolvimentismo não é mera retórica de campanha eleitoral, está dado pela baixa credibilidade do próprio presidente em anúncios do gênero. Afinal, com só cinco meses de gestão, e juros ainda mais estratosféricos que os atuais, Lula anunciou, em maio de 2003, o iminente "espetáculo do crescimento". Não aconteceu até agora.
Da mesma forma, discussões ou textos anteriores do CDES estavam impregnados de desenvolvimentismo, que, no entanto, não se materializou.
Desta vez, no entanto, há uma combinação política que torna menos etérea a expectativa do CDES (e dos desenvolvimentistas em geral): o núcleo duro do governo Lula, com boas chances de ser mantido, é todo formado por adversários notórios da ortodoxia que marcou o primeiro período: Guido Mantega, Dilma Rousseff (Casa Civil) e Tarso Genro (Relações Institucionais) nunca esconderam as críticas à dupla Palocci/Henrique Meirelles.
Quando assumiu, interinamente, a presidência do PT, ainda em 2005, Tarso defendeu publicamente a transição para um novo modelo, "que gere distribuição de renda e combate maior à desigualdade".
"Defendo, sempre defendi e vou continuar defendendo", enfatizou, em Paris, durante visita de Lula à França.
Além da combinação política, há o fato de que a estabilidade econômica, essencialmente representada pelo controle da inflação, goza de boa saúde. Logo, sempre como dizia Tarso no ano passado, "nem dentro nem fora do governo se defende a idéia de que a estabilidade é um fim em si mesmo".
A frase continua valendo quase ecumenicamente, mas não para o BC, inexpugnável bastião da ortodoxia.
Mantega tem, entretanto, um cálculo capaz de convencer o presidente: o Brasil teria perdido três pontos percentuais do PIB como conseqüência do que a Fazenda considera "overdose" de juros na era Lula.
Convertido em moeda sonante, daria R$ 60 bilhões.
Que presidente não seria fanático do desenvolvimentismo a partir de um argumento desse calibre?


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