São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 2006

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ELEIÇÕES 2006 - PRESIDÊNCIA

PT cogitou apostar na cisão do país entre ricos e pobres

Estratégia, explícita em comercial gravado, tinha discurso "pró-venezuelização"

Peça feita por João Santana compara Lula a JK, Vargas e Jango e diz que oposição tenta, mas, desta vez, não venceria a força do povo

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Mantido em segredo, um comercial de TV resume à perfeição a "bomba atômica" da campanha lulista que não precisou ser usada. A peça compõe um arsenal que objetivava dividir o país entre ricos e pobres. Chamada internamente de "venezuelização" da campanha, o grande trunfo era uma linha ainda mais agressiva do que a eficazmente utilizada, a de carimbar Geraldo Alckmin e os tucanos como "privatistas".
O comercial mostra uma parede na qual estão pendurados, lado a lado, retratos dos ex-presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubstichek e João Goulart. Por último, um quadro com Luiz Inácio Lula da Silva.
Enquanto a câmera se movimenta lentamente de uma foto para outra, um locutor diz: "Getúlio Vargas, o primeiro presidente a defender sinceramente os pobres e as riquezas nacionais. Foi perseguido, caluniado e terminou se suicidando. João Goulart, para os ricos, ele cometeu o mesmo crime, a defesa dos mais pobres. Foi deposto pelos militares. JK defendeu a indústria nacional, gerou empregos. Foi caluniado o tempo todo. Lula, o presidente dos pobres. Eles tentam, eles tentam, mas, desta vez, não vão conseguir vencer a força do povo".
Enquanto o locutor fala, cada um dos retratos estremece e termina caindo com grande estardalhaço. Apenas o de Lula se mantém na parede. Em close, mãos rústicas como as de um trabalhador rural seguram firmemente o retrato do petista e o impedem de cair. Apresentado a pequenos grupos específicos de eleitores, nas pesquisas qualitativas, o comercial foi fortemente aprovado, até emocionando algumas pessoas. Está no arquivo da campanha.
A estratégia de divisão do país foi elaborada pelo discreto jornalista João Santana, marqueteiro chamado a Brasília em agosto de 2005, no auge da crise do mensalão. Desde o ano passado, quando Lula se comparou a Getúlio, Jango e JK, essa estratégia vinha sendo usada com parcimônia. Na campanha, Lula soltou frases nessa linha em palanques, debates e trechos das falas na propaganda na TV. A estratégia "pai dos pobres", em paralelo com o getulismo, passou a ser a linha do discurso e da ação de Lula desde o final de 2005. "Conheço o povo e minha relação com ele. Vou ganhar desses tucanos", dizia Lula no final de 2005.
Durante o primeiro turno, quando o presidente esteve perto de liquidar a eleição, a estratégia de "venezuelização" ficou congelada. Mas, surpreendido pelas urnas, a "bomba atômica" voltou a ser cogitada.
No 1º de outubro, Lula, Santana e ministros acompanhavam a apuração no Alvorada. Por volta das 22h, Santana jogou a toalha. Disse a Lula que haveria segundo turno. E repetiu a frase que falara em outros momentos da campanha: "Se tiver segundo turno, a gente divide o país e ganha".
Lula e Santana avaliaram, porém, que essa saída deveria ser um último recurso. Uma campanha "divisionista" radicalizaria mais a disputa com a oposição, dificultaria a relação com a imprensa e assustaria o empresariado e a classe média, numa espécie de volta ao discurso do PT pré-2002, quando houve a guinada ao centro na política e na economia.
A estratégia, avaliaram, poderia ser vista como rendição a teorias conspiratórias na falta de explicações convincentes para o escândalo do dossiegate. Optou-se, então, por esperar o resultado das pesquisas nos dias posteriores, a fim de conferir se o crescimento de Alckmin estava se mantendo.
Os levantamentos internos do PT mostravam diferença de oito pontos percentuais entre Lula e Alckmin logo após o primeiro turno, o que tranqüilizou o presidente. Mas a decisão final sobre usar ou guardar a "bomba atômica" foi tomada quando o Datafolha divulgou a sua primeira pesquisa na segunda fase, feita nos dias 5 e 6. O resultado deu Lula com 50% contra 43% de Alckmin -ou 54% a 46% em votos válidos.
Diante de um cenário de liderança apertada, Lula e auxiliares decidiram por carimbar Alckmin e os tucanos como "privatistas" -na prática, uma linha menos agressiva.
Ao colocar na agenda o tema das privatizações, o marketing petista tinha três objetivos: conquistar um voto nacionalista/ideológico, fazer comparação com o governo FHC (um ponto fraco de Alckmin, de acordo com as pesquisas qualitativas) e relembrar aos mais pobres e menos escolarizados uma dúvida que freqüentemente manifestavam nos levantamentos da campanha do PT (onde teria ido parar o dinheiro da privatização?).
Ao flertar com o voto nacionalista/ideológico, a campanha lulista buscou o eleitorado de Heloísa Helena (PSOL) e Cristovam Buarque (PDT). Mas a estratégia deu mais certo que o esperado. Com a lembrança de várias estatais vendidas nos anos FHC, parcela do eleitorado que optou por Alckmin migrou para Lula.


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