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ELEIÇÕES 2006 - PRESIDÊNCIA
PT cogitou apostar na cisão do país entre ricos e pobres
Estratégia, explícita em comercial gravado, tinha discurso "pró-venezuelização"
Peça feita por João Santana
compara Lula a JK, Vargas e
Jango e diz que oposição
tenta, mas, desta vez, não
venceria a força do povo
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Mantido em segredo, um comercial de TV resume à perfeição a "bomba atômica" da campanha lulista que não precisou
ser usada. A peça compõe um
arsenal que objetivava dividir o
país entre ricos e pobres. Chamada internamente de "venezuelização" da campanha, o
grande trunfo era uma linha
ainda mais agressiva do que a
eficazmente utilizada, a de carimbar Geraldo Alckmin e os
tucanos como "privatistas".
O comercial mostra uma parede na qual estão pendurados,
lado a lado, retratos dos ex-presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubstichek e João Goulart.
Por último, um quadro com
Luiz Inácio Lula da Silva.
Enquanto a câmera se movimenta lentamente de uma foto
para outra, um locutor diz: "Getúlio Vargas, o primeiro presidente a defender sinceramente
os pobres e as riquezas nacionais. Foi perseguido, caluniado
e terminou se suicidando. João
Goulart, para os ricos, ele cometeu o mesmo crime, a defesa
dos mais pobres. Foi deposto
pelos militares. JK defendeu a
indústria nacional, gerou empregos. Foi caluniado o tempo
todo. Lula, o presidente dos pobres. Eles tentam, eles tentam,
mas, desta vez, não vão conseguir vencer a força do povo".
Enquanto o locutor fala, cada
um dos retratos estremece e
termina caindo com grande estardalhaço. Apenas o de Lula se
mantém na parede. Em close,
mãos rústicas como as de um
trabalhador rural seguram firmemente o retrato do petista e
o impedem de cair. Apresentado a pequenos grupos específicos de eleitores, nas pesquisas
qualitativas, o comercial foi
fortemente aprovado, até emocionando algumas pessoas. Está no arquivo da campanha.
A estratégia de divisão do
país foi elaborada pelo discreto
jornalista João Santana, marqueteiro chamado a Brasília em
agosto de 2005, no auge da crise do mensalão. Desde o ano
passado, quando Lula se comparou a Getúlio, Jango e JK, essa estratégia vinha sendo usada
com parcimônia. Na campanha, Lula soltou frases nessa linha em palanques, debates e
trechos das falas na propaganda na TV. A estratégia "pai dos
pobres", em paralelo com o getulismo, passou a ser a linha do
discurso e da ação de Lula desde o final de 2005. "Conheço o
povo e minha relação com ele.
Vou ganhar desses tucanos",
dizia Lula no final de 2005.
Durante o primeiro turno,
quando o presidente esteve
perto de liquidar a eleição, a estratégia de "venezuelização" ficou congelada. Mas, surpreendido pelas urnas, a "bomba atômica" voltou a ser cogitada.
No 1º de outubro, Lula, Santana e ministros acompanhavam a apuração no Alvorada.
Por volta das 22h, Santana jogou a toalha. Disse a Lula que
haveria segundo turno. E repetiu a frase que falara em outros
momentos da campanha: "Se
tiver segundo turno, a gente divide o país e ganha".
Lula e Santana avaliaram,
porém, que essa saída deveria
ser um último recurso. Uma
campanha "divisionista" radicalizaria mais a disputa com a
oposição, dificultaria a relação
com a imprensa e assustaria o
empresariado e a classe média,
numa espécie de volta ao discurso do PT pré-2002, quando
houve a guinada ao centro na
política e na economia.
A estratégia, avaliaram, poderia ser vista como rendição a
teorias conspiratórias na falta
de explicações convincentes
para o escândalo do dossiegate.
Optou-se, então, por esperar o
resultado das pesquisas nos
dias posteriores, a fim de conferir se o crescimento de Alckmin
estava se mantendo.
Os levantamentos internos
do PT mostravam diferença de
oito pontos percentuais entre
Lula e Alckmin logo após o primeiro turno, o que tranqüilizou
o presidente. Mas a decisão final sobre usar ou guardar a
"bomba atômica" foi tomada
quando o Datafolha divulgou a
sua primeira pesquisa na segunda fase, feita nos dias 5 e 6.
O resultado deu Lula com 50%
contra 43% de Alckmin -ou
54% a 46% em votos válidos.
Diante de um cenário de liderança apertada, Lula e auxiliares decidiram por carimbar
Alckmin e os tucanos como
"privatistas" -na prática, uma
linha menos agressiva.
Ao colocar na agenda o tema
das privatizações, o marketing
petista tinha três objetivos:
conquistar um voto nacionalista/ideológico, fazer comparação com o governo FHC (um
ponto fraco de Alckmin, de
acordo com as pesquisas qualitativas) e relembrar aos mais
pobres e menos escolarizados
uma dúvida que freqüentemente manifestavam nos levantamentos da campanha do
PT (onde teria ido parar o dinheiro da privatização?).
Ao flertar com o voto nacionalista/ideológico, a campanha
lulista buscou o eleitorado de
Heloísa Helena (PSOL) e Cristovam Buarque (PDT). Mas a
estratégia deu mais certo que o
esperado. Com a lembrança de
várias estatais vendidas nos
anos FHC, parcela do eleitorado que optou por Alckmin migrou para Lula.
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